Habeas Corpus Nº 2007.04.00.042135-8/pr

Apropriação indébita de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados. Art. 168-A do CP. Pedido de tranncamento da ação penal por não encerrado processo administrativo. Desnecessidade. A consumação ocorre com a omissão. Liminar indeferida.

Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro


Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por João Marcelo Martins Bandeira, em favor de José Luiz Pascual Filho, contra decisão do MM. Juiz da Vara Federal Criminal de Londrina/RS, recebendo a peça acusatória ofertada pelo Ministério Público. O decisum hostilizado foi lavrado nas seguintes letras: “INQUÉRITO POLICIAL Nº 2006.70.01.006109-9/PR. O MPF, com base nos elementos contidos na Notificação de Lançamento de Débito nº 35.844.087-4, ofereceu denúncia contra JOSÉ LUIZ PASCUAL FILHO, pela prática, em tese, do crime capitulado no artigo 168-A, § 1º, inciso I, c/c o art. 71, ambos do Código Penal. Vieram-me os autos conclusos. Em síntese, alega o Ministério Público que o investigado, na qualidade de responsável direto pela gestão e administração da empresa INSTITUTO PARANAENSE DE PATOLOGIA CLÍNCA S/C LTDA, nome fantasia BIOPAR MEDICINA LABORATORIAL, nos períodos de 11/1997 a 06/2000, 07/2001, 07 a 11/2002, 10/2003 a 04/2004, 07/2004, 01 a 10/2005 (exceto o mês de agosto) efetuou descontos de contribuições previdenciárias de seus empregados e não efetuou o recolhimento aos cofres da Previdência Social, o que resultou num débito atualizado no valor de R$ 91.274,90. Determinada a intimação do investigado para informar eventual parcelamento ou pagamento integral do débito (fls. 38-39) informou ter interposto recurso perante o Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS contra a decisão-notificação 14.422.1/0274/2006, recurso pendente de julgamento (fl. 84). Ouvido o MPF, este requereu o sobrestamento do feito até a decisão definitiva do processo referente à NFLD nº 35.844.087-4 na esfera administrativa, bem como a suspensão do prazo prescricional, asseverando não existir, ainda, crime, porque está em discussão o débito previdenciário. Desta forma, pelos fatos existentes na denúncia, e sem entrar no mérito acerca da veracidade ou não dos fatos, entendo por bem não acolher os argumentos do Ministério Público às fls. 86-7. É que, em relação ao delito, em tese, atribuído ao denunciado, não se exige o encerramento do processo administrativo-fiscal, pois se trata de crime de natureza instantânea, enquanto que a posição do STF, no sentido de exigir-se o encerramento do processo administrativo-fiscal, refere-se a crimes materiais previstos no artigo 1º da Lei nº 8.137/90. Assim, a interposição do recurso perante o 2º Conselho de Contribuintes às fls. 43-46 é insuficiente para justificar a rejeição da denúncia, a qual preenche os requisitos legais, encontrando-se satisfeitas as exigências do artigo 41 do CPP, não estando configuradas as hipóteses do artigo 43 do CPP, bem como demonstrada a justa causa para o início da ação penal. Há de se observar, ainda, a independência das instâncias civil, fiscal e criminal. Respeitados os requisitos legais, recebo a denúncia oferecida pelo Parquet (...) Para a realização do interrogatório, designo o dia 06/12/2007, às 14 horas. (...) Altere-se a classe do feito para ação penal e a situação do denunciado, incluindo-o no pólo passivo do feito como réu. Tendo em vista os documentos fiscais carreados para os autos e outros que serão juntados no decorrer do processo, decreto “segredo de justiça“. Ciência ao MPF. Londrina, 10 de outubro de 2007.“ Diante disso, foi ajuizado o presente writ. Nas razões, aduz o Postulante, em resumo, que não poderia ter sido recebida a denúncia, pois contra a decisão da Delegacia da Receita Previdenciária, que manteve a NFLD, ingressou com recurso ao Conselho de Contribuintes da Previdência Social. Defende ser incabível a persecução criminal, enquanto não julgado de forma definitiva o processo administrativo, consoante orientação firmada pela Suprema Corte. Assim, requer a concessão liminar da ordem, bem como a sua confirmação pela Turma, para determinar o trancamento da ação penal. Contudo, a tese sustentada pelo Impetrante não merece trânsito. O entendimento jurisprudencial - pacificado no STF e nesta Corte - de que a decisão na esfera fiscal constitui condição objetiva de punibilidade para fins de ajuizamento da ação penal é restrito ao ilícito tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90, não se aplicando ao crime descrito na denúncia. Isso porque “o delito de apropriação indébita previdenciária, insculpido no art. 168-A do CP, é classificado como crime omissivo puro, prescindindo de resultado material para sua consumação. A impugnação do débito na esfera administrativa, ou na via judicial cível, não tem o condão de obstar o inquérito policial ou a ação penal“ (8ª Turma, ACR nº 2003.04.01.026541-8/SC, Relator Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no DJU de 09.11.2005, p. 376). Ocorre que, como visto, em face da natureza omissiva da infração em comento, basta para a sua configuração o desconto das contribuições previdenciárias, bem como a respectiva falta de repasse aos cofres públicos, consumando-se com a mera ausência de recolhimento dos valores no prazo legal. Diferentemente, na hipótese do art. 1º e incisos da Lei 8.137/90, e mesmo nos delitos de sonegação previdenciária (art. 337-A) exige-se a realização de fraude ou conduta dolosa antecedente que implique obrigatoriamente no resultado “supressão ou redução“ de tributo. Os termos “suprimir“ ou “reduzir“ figuram como elementares do próprio tipo. Por isso, o entendimento da Suprema Corte no sentido de que o crime só se perfectibiliza a partir do lançamento definitivo, pela autoridade competente. Todavia, essa inteligência não se revela aplicável no que pertine ao não-recolhimento de valores descontados do sujeito passivo, ad exemplum, nos casos de IPI, IRRF (art. 2º, II, da Lei 8.137/90) e contribuição ao INSS (artigo 168-A, § 1º, I, do CP) pois, como visto, trata-se de crime instantâneo, sendo suficiente para configurar o fato típico a simples constatação de não ter havido o repasse (pagamento) na época apropriada. Logo, o tipo penal estabelecido no artigo 168-A do CP independe do exaurimento na esfera administrativa, porquanto tal circunstância se afigura irrelevante para efeito da sua caracterização. A respeito do tema, vejam-se as ementas dos seguintes julgados desta Corte: PENAL. ART. 168-A DO CP. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DE TERCEIROS. IMPUGNAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. TÉRMINO. DESNECESSIDADE. 1. Nos crimes inscritos no art. 168-A do CP, que se consumam com a mera ausência de repasse ao INSS das contribuições previdenciárias descontadas, não se exige para propositura da ação penal a solução definitiva do procedimento administrativo. 2. Precedentes. (AMS nº 2005.71.02.003234-3/RS, 8ª Turma, Relator Des. Élcio Pinheiro de Castro, julg. em 18/04/2006, public. no DJU em 26/04/2006) PENAL E PROCESSO PENAL. OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. HABEAS CORPUS PARA TRANCAR AÇÃO PENAL. PENDÊNCIA DE DECISÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. CRIME FORMAL. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA QUITAÇÃO INTEGRAL. INOCORRÊNCIA. 1. O delito de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP), que é crime omissivo próprio ou omissivo puro, consuma-se com o simples fato de ter o responsável tributário deixado de recolher os valores destinados à Previdência. 2. Tratando-se de crime cujo tipo é formal, não necessitando do resultado, mostra-se irrelevante o fato de pender de apreciação a impugnação administrativa em que se questionam os valores apontados na denúncia. 3. Sem a prova da quitação integral do débito não há que falar em suspensão ou extinção da punibilidade. 4. Incabível o trancamento da ação penal, havendo justo motivo para a persecução criminal. (Sétima Turma, HC nº 2006.04.00.031146-9/RS, Rel. Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, public. no DJU de 18.10.2006, p. 696). No mesmo sentido, acórdão do TRF da 3ª Região, verbis: “PROCESSUAL PENAL. HC. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE ERIGIDA PELO ARTIGO 83 DA LEI Nº 9.430/96. INAPLICABILIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONSUMAÇÃO OCORRE COM A OMISSÃO. DESNECESSIDADE DO ESGOTAMENTO DO PROCESSO NA VIA ADMINISTRATIVA (...). I e II. “omissis“. III - É pacífico o entendimento de que se trata de crime omissivo, cuja consumação se dá quando o agente deixa de recolher, na época própria, as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, afigurando-se, portanto, prescindível à instauração da ação penal, o esgotamento do processo na via administrativa. VIII - Inaplicável ao presente caso a recente orientação firmada pelo Plenário do Colendo STF, no julgamento do HC nº 81.611/DF, ocorrido em 10.12.2003, o qual cinge-se aos crimes do artigo 1º da Lei nº 8.137/90. IX e X. “omissis“. XI - Ordem denegada. Prejudicado o agravo regimental.“ (Segunda Turma, HC nº 2004.03.00.018180-0/SP, Rel. Juíza Cecília Mello, public. no DJU de 08.10.2004, p. 343). A par disso, em consulta efetuada ao sistema de acompanhamento processual, constata-se ter a audiência de interrogatório sido redesignada para o dia 28 de fevereiro de 2008, o que afasta o periculum in mora. O alegado constrangimento ilegal deverá ser analisado oportunamente pelo Colegiado, inexistindo risco de coação ao jus libertatis do Paciente antes do julgamento do feito. Frente a esse quadro, não se verifica a presença dos requisitos legais para o deferimento da tutela de urgência pleiteada. Ante o exposto, indefiro a liminar. Solicitem-se informações ao MM. julgador singular. Após, abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 11 de dezembro de 2007.


 

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