Habeas corpus - estrangeiro não domiciliado no brasil - irrelevância - condição jurídica que não o desqualifica como sujeito de direitos e titular de garantias constitucionais e legais - plenitude de acesso, em conseqüência, aos instrumentos processuais de tutela da liberdade - precedentes - acordo bilateral brasil/rússia celebrado pelos respectivos ministérios públicos com o objetivo de viabilizar o compartilhamento de prova em matéria penal - impossibilidade de a execução desse acordo de cooperação resultar em imediata aplicação, no brasil, em detrimento do paciente, de qualquer medida privativa de sua liberdade individual - súdito estrangeiro que sequer se encontra no brasil - inocorrência de qualquer situação configuradora de imediata ofensa à liberdade de locomoção física do paciente - considerações em torno da doutrina brasileira do “habeas corpus“ - cessação (reforma constitucional de 1926) - compartilhamento de prova efetivado com a intermediação de missão diplomática estrangeira, cujos atos não estão sujeitos, em regra, à autoridade jurisdicional dos magistrados e tribunais brasileiros - conseqüente inadmissibilidade do “writ“ constitucional - pedido não conhecido. O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no brasil, tem direito a todas as prerrogativas básicas que lhe assegurem a preservação do “status libertatis“ e que lhe garantam a observância, pelo poder público, da cláusula constitucional do “due process“. - O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do “habeas corpus“, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. - A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). - Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE OFENSA DIRETA E IMEDIATA AO “STATUS LIBERTATIS“ DO PACIENTE, SEJA EM VIRTUDE DA IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXTRADIÇÃO (PELO FATO DE NÃO SE ENCONTRAR EM TERRITÓRIO BRASILEIRO), SEJA EM FACE DA INADMISSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA, PARA EFEITO DE EXECUÇÃO, NO BRASIL, DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - EXAME DO ART. 9º DO CÓDIGO PENAL E ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO NORMATIVO DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS NO ORDENAMENTO POSITIVO NACIONAL - A REGULAÇÃO JURÍDICA DESSA MATÉRIA NO DIREITO IMPERIAL BRASILEIRO (SEGUNDO REINADO) - A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS PENAIS ESTRANGEIRAS - A EXTRADIÇÃO COMO INSTRUMENTO DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA REPRESSÃO À CRIMINALIDADE COMUM: NECESSIDADE, PORÉM, DA PRESENÇA DO SÚDITO ESTRANGEIRO EM TERRITÓRIO BRASILEIRO, DENTRE OUTROS REQUISITOS. PACIENTE QUE SE ENCONTRA EM TERRITÓRIO SUJEITO A OUTRA SOBERANIA ESTRANGEIRA. CIRCUNSTÂNCIA QUE, SÓ POR SI, REVELA-SE CAPAZ DE NEUTRALIZAR EVENTUAL LESIVIDADE RESULTANTE DA EXECUÇÃO DO ACORDO BILATERAL DE COOPERAÇÃO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL BRASILEIRO E O MINISTÉRIO PÚBLICO RUSSO, O QUE BASTA PARA INIBIR A OCORRÊNCIA DE QUALQUER HIPÓTESE DE OFENSA DIRETA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DE REFERIDO PACIENTE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE A HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA CONVERTER-SE EM (INADMISSÍVEL) SUCEDÂNEO DO PROCESSO EXTRADICIONAL. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. A FUNÇÃO CLÁSSICA DO “HABEAS CORPUS“ RESTRINGE-SE À ESTREITA TUTELA DA IMEDIATA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DAS PESSOAS. - A ação de “habeas corpus“ não se revela cabível, quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao “jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque“ do paciente. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do “habeas corpus“ - haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes. - Considerações em torno da formulação, pelo Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição de 1891, da doutrina brasileira do “habeas corpus“: a participação decisiva, nesse processo de construção jurisprudencial, dos Ministros PEDRO LESSA e ENÉAS GALVÃO e, também, do Advogado RUI BARBOSA. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem salientado que, não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se revela pertinente o remédio do “habeas corpus“, cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa - atual ou iminente - ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. Doutrina. Precedentes. Impossibilidade de a execução do Acordo de Cooperação Brasil/Rússia, presente o contexto em exame, resultar em imediata aplicação, em território brasileiro, em detrimento do paciente, de qualquer medida privativa de sua liberdade de locomoção física. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EXPEDIR PROVIMENTOS JURISDICIONAIS CONSUBSTANCIADORES DE ORDENS MANDAMENTAIS DIRIGIDAS A QUALQUER MISSÃO DIPLOMÁTICA SEDIADA EM TERRITÓRIO BRASILEIRO. - Ressalvadas as hipóteses previstas em tratados, convenções e regras de direito internacional, os órgãos integrantes do Poder Judiciário brasileiro acham-se delimitados, quanto ao exercício da atividade jurisdicional, pelo conceito - que é eminentemente jurídico - de território. É que a prática da jurisdição, por efeito de auto-limitação imposta pelo próprio legislador doméstico de cada Estado nacional, submete-se, em regra, ao âmbito de validade espacial do ordenamento positivo interno. - O conceito de jurisdição encerra não só a idéia de “potestas“, mas supõe, também, a noção de “imperium“, a evidenciar que não há jurisdição onde o Estado-Juiz não dispõe de capacidade para impor, em caráter compulsório, a observância de seus comandos ou determinações. “Nulla jurisdictio sine imperio“. - Falece poder, ao Supremo Tribunal Federal, para impor, a qualquer legação diplomática estrangeira sediada em nosso País, o cumprimento de determinações emanadas desta Corte, tendo em vista a relevantíssima circunstância de que - ressalvadas situações específicas (RTJ 133/159, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 161/643-644, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 184/740-741, Rel. Min. CELSO DE MELLO) - não estão elas sujeitas, em regra, à jurisdição do Estado brasileiro. - A questão do exercício, por juízes e Tribunais nacionais, do poder jurisdicional: a jurisdição, embora teoricamente ilimitável no âmbito espacial, há de ser exercida, em regra, nos limites territoriais do Estado brasileiro, em consideração aos princípios da efetividade e da submissão. Doutrina.
Rel. Min. Celso De Mello
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