Habeas corpus. Crime militar. Conscrito ou Recruta do exército brasileiro. Posse de ínfima Quantidade de substância entorpecente em recinto sob Administração castrense. Inaplicabilidade do princípio da insignificância penal. Incidência da lei civil 11.343/2006. Impossibilidade. Resolução do caso pelo critério da especialidade da legislação penal militar. Ordem denegada. 1. A questão da posse de entorpecente por militar em recinto castrense não é de quantidade nem do tipo de droga que se conseguiu apreender. O problema é de qualidade da relação jurídica entre o particularizado portador da substância entorpecente e a instituição castrense de que ele fazia parte, no instante em que flagrado com a posse da droga em pleno recinto sob administração militar. 2. A tipologia da relação jurídica em ambiente castrense é incompatível com a figura da insignificância penal, pois, independentemente da quantidade ou mesmo da espécie de entorpecente sob a posse do agente, o certo é que não cabe distinguir entre adequação apenas formal e adequação real da conduta ao tipo penal incriminador. É de se pré-excluir, portanto, a conduta do paciente das coordenadas mentais que subjazem à própria tese da insignificância penal. Pré-exclusão que se impõe pela elementar consideração de que o uso de drogas e o dever militar são como água e óleo: não se misturam. Por discreto que seja o concreto efeito psicofísico da droga nessa ou naquela relação tipicamente militar, a disposição pessoal em si para manter o vício implica inafastável pecha de reprovabilidade cívico-funcional. Senão por afetar temerariamente a saúde do próprio usuário, mas pelo seu efeito danoso no moral da Corporação e no próprio conceito social das Forças Armadas, que são instituições voltadas, entre outros explícitos fins, para a garantia da ordem democrática. Ordem democrática, ressalte-se, que é o princípio dos princípios da nossa Constituição Federal, na medida em que normada como a própria razão de ser da nossa República Federativa, nela embutidos o esquema da Tripartição dos Poderes e o modelo das Forças Armadas brasileiras. Saltando à evidência que tais Forças Armadas jamais poderão garantir a nossa ordem constitucional democrática (sempre por iniciativa de qualquer dos Poderes da República), se elas próprias não velarem pela sua peculiar ordem hierárquico-disciplinar interna. 3. A hierarquia e a disciplina militares não operam como simples ou meros predicados institucionais das Forças Armadas brasileiras, mas, isto sim, como elementos conceituais e vigas basilares de todas elas. Dados da própria compostura jurídica de cada uma e de todas em seu conjunto, de modo a legitimar o juízo técnico de que, se a hierarquia implica superposição de autoridades (as mais graduadas a comandar, e as menos graduadas a obedecer), a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a prevalência das leis e regulamentos que presidem por modo singular a estruturação e o funcionamento das instituições castrenses, a partir da nova Constituição Federal. Tudo a encadeadamente desaguar na concepção e prática de uma vida corporativa de pinacular compromisso com a ordem democrática e suas naturais projeções factuais: a regularidade, a normalidade, a estabilidade, a fixidez, a colocação das coisas em seus devidos lugares, enfim. 4. Esse maior apego a fórmulas disciplinares de conduta não significa perda do senso crítico quanto aos reclamos elementarmente humanos de se incorporarem ao dia-a-dia das Forças Armadas incessantes ganhos de modernidade tecnológica e arejamento mental-democrático. Sabido que vida castrense não é lavagem cerebral ou mecanicismo comportamental, até porque – diz a Constituição – “às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar” (§ 1º do art. 143). 5. O modelo constitucional das Forças Armadas brasileiras abona a idéia-força de que entrar e permanecer nos misteres da Caserna pressupõe uma clara consciência profissional e cívica: a consciência de que a disciplina mais rígida e os precisos escalões hierárquicos hão de ser observados como carta de princípios e atestado de vocação para melhor servir ao País pela via das suas Forças Armadas. Donde a compatibilidade do maior rigor penal castrense com o modo peculiar pelo qual a Constituição Federal dispõe sobre as instituições castrenses que se estruturam no âmbito da União. Modo especialmente constitutivo de um regime jurídico timbrado pelos encarecidos princípios da hierarquia e da disciplina, sem os quais não se pode falar das instituições militares como a própria fisionomia ou a face mais visível da idéia de ordem. O modelo acabado do que se poderia chamar de “relações de intrínseca subordinação” para o melhor serviço da Pátria, sinônimo perfeito desse princípio espiritual que atende pelo nome de “Nação”. 6. Ordem denegada.
Rel. Min. Ayres Britto
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