Apelação. Amplitude da defesa. Recusa do réu ao recurso. Prevalência da vontade da defesa técnica.
Rel. Min. Hamilton Carvalhido
RELATÓRIO - EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator): Habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que não conheceu do recurso de apelação interposto pela defesa de Altieri Moreira de Souza, porque este a ele renunciara. O paciente foi condenado ao cumprimento da pena de 6 anos e 8 meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime semi-aberto, e ao pagamento de 24 dias-multa no valor mínimo legal, pela prática do delito tipificado no artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e V, do Código Penal. Alega o impetrante que a defesa técnica deve prevalecer sobre a autodefesa quando aquela pretende interpor recurso e esta não, mormente quando o recurso não acarretará nenhum prejuízo ao condenado. Pugna, ao final, pela concessão da ordem para que se determine à Corte a quo o conhecimento do apelo da defesa do paciente. O Ministério Público Federal veio pela concessão da ordem, em parecer assim sumariado: “Habeas corpus. Renúncia do réu ao direito de recorrer. Discordância da defesa técnica. Apelação. Não conhecimento no Tribunal a quo. Prevalência da defesa técnica. Parecer pela concessão da ordem.“ (fl. 52). Os autos me vieram conclusos em 7 de janeiro de 2004, em razão do pedido de aposentadoria do ilustre Ministro Fontes de Alencar (fl. 60). É o relatório.
VOTO - EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator): Senhor Presidente, habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que não conheceu do recurso de apelação interposto pela defesa de Altieri Moreira de Souza, porque este a ele renunciara. O paciente foi condenado ao cumprimento da pena de 6 anos e 8 meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime semi-aberto, e ao pagamento de 24 dias-multa no valor mínimo legal, pela prática do delito tipificado no artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e V, do Código Penal. Alega o impetrante que a defesa técnica deve prevalecer sobre a autodefesa quando aquela pretende interpor recurso e esta não, mormente quando o recurso não acarretará nenhum prejuízo ao condenado. A ordem é de ser concedida. Em sede de garantia da ampla defesa, o novo ordenamento constitucional não mais se compadece com a outrora sustentada renunciabilidade do direito de recorrer em matéria penal, notadamente quando
a defesa técnica do réu, detentora de conhecimentos técnicos necessários para a aferição da melhor medida a ser tomada em seu favor, expressa, tempestivamente, o seu inconformismo. Daí por que “(...) Na hipótese de conflito entre a vontade do réu e a de seu defensor, no que se refere à interposição de recurso, tendo em vista a renúncia do acusado ao direito de recorrer, prevalece a vontade do defensor, constituído ou nomeado, em razão do conhecimento técnico para avaliar as conseqüências da não impugnação da decisão penal condenatória. (...)“ (HC 23.045/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 3/2/2003). No mesmo sentido, a iterativa jurisprudência deste Tribunal: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONFLITO DE VONTADES. RÉU QUE RENUNCIA AO SEU DIREITO DE RECORRER X DEFENSOR QUE INTERPÕE APELAÇÃO. PREVALÊNCIA DA VONTADE TÉCNICA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em homenagem ao princípio da ampla defesa, deve prevalecer a vontade da defesa técnica sobre a autodefesa, já que, sendo o defensor um profissional dotado de conhecimento técnico especializado para atuar no processo, possui melhores condições de avaliar a conveniência ou não da impugnação da sentença condenatória. 2. Ademais, há de se ressaltar que a interposição do recurso de apelação em nada poderá acarretar prejuízos ao réu, em virtude do ne reformatio in pejus. 3. Ordem concedida.“ (HC 26.244/MS, Relatora Ministra Laurita Vaz, in DJ 31/3/2003). CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO. RENÚNCIA. DIVERGÊNCIA ENTRE RÉU E DEFENSOR. PREVALÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. - Em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa, na hipótese de conflito entre o réu, que renunciou ao direito de recorrer da sentença condenatória, e seu defensor, prevalece a vontade da defesa técnica, com idoneidade para avaliar as conseqüências da não impugnação da decisão condenatória. - Habeas-corpus concedido.“ (HC 18.400/SP, Relator Ministro Vicente Leal, in DJ 6/5/2002). “PROCESSO PENAL. DIREITO IRRENUNCIÁVEL DO RÉU DE RECORRER. 1. Pode o defensor interpor recurso, embora o réu tenha se manifestado em sentido contrário, posto que irrenunciável o seu direito de recorrer, em face do princípio da ampla defesa, devendo aquele decidir sobre a conveniência ou não do exercício da faculdade de apelar. 2. Recurso do MP não conhecido.“ (Resp 120.170/DF, Relator Ministro Fernando Gonçalves, in DJ 30/6/97). Pelo exposto, concedo a ordem para que a Corte Estadual conheça do recurso de apelação e o julgue como de direito. É O VOTO.
EMENTA - HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. AMPLITUDE DA DEFESA. RECUSA DO RÉU AO RECURSO. PREVALÊNCIA DA VONTADE DA DEFESA TÉCNICA. ORDEM CONCEDIDA. 1. “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.“ (Constituição Federal, artigo 5º, inciso LV). 2. A ampla defesa, como na letra da Constituição de 1988, abrange a autodefesa e a defesa técnica, devendo prevalecer, no caso de recusa do réu, a vontade do defensor quanto à interposição do recurso, detentor que é de conhecimentos técnicos indispensáveis à aferição da melhor medida a ser adotada em favor do imputado (Precedentes). 3. Ordem concedida.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus , nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Paulo Medina e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Brasília, 19 de outubro de 2004 (Data do Julgamento)
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