Juizados especiais criminais. Audiência preliminar. Ausência de advogado. Nulidade. Ocorrência. Hipótese em que o acusado não foi amparado por defesa técnica nem lhe foi nomeado defensor público.
Rel. Min. Eros Grau
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO EROS GRAU (Relator): Adoto como relatório a parte expositiva do parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República MARIO JOSÉ GISI: “Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Flávio da Silva Bernardo contra decisão da 1ª Turma Recursal Criminal do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio de Janeiro (fls. 21/23), que deu provimento a recurso do Ministério Público, reformando, assim, sentença que não homologara transação penal, nos termos da seguinte ementa: ‘RECUSA, PELO JUIZ, EM HOMOLOGAR TRANSAÇÃO PENAL ACEITA PELO AUTOR DO FATO. 1. Uma das funções jurisdicionais é recusar a homologação da proposta de transação penal quando o fato for atípico. 2. No caso dos autos, não é manifestamente atípica a conduta do autor do fato. Provimento do recurso.’ A impetrante aponta a inobservância dos artigos 68 e 72 da Lei n. 9.099/95, já que o paciente não foi amparado por defesa técnica na audiência preliminar em que proposta e aceita a transação penal. Nesse sentido, requer a concessão da ordem para que seja anulado o processo desde a referida audiência. É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO EROS GRAU (Relator): É também do seguinte trecho do parecer ministerial que se extrai a solução para o caso: “Depreende-se da assentada da audiência preliminar (fl. 08 e do termo de transação penal (fl. 09) que, de fato, tanto o paciente quanto as vítimas da suposta infração a que se refere o art. 331 do Código Penal comparecerem perante a Promotoria de Justiça dos Juizados Especiais Criminais da Comarca de Nova Iguaçu desacompanhadas de advogados, não lhes tendo sido nomeados, na ocasião, defensores públicos para auxiliá-los no procedimento. A Lei n. 9.099/95, em seus artigos 68, 72 e 76, § 3º, denota, com clareza a imprescindibilidade da defesa técnica na audiência preliminar. Vejamos: ‘Art. 68. Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser lhe-á designado defensor público.’ ‘Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade de composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.’ ‘Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. [...] § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.’ A tal respeito, é necessário ressaltar que os princípios norteadores da Justiça Consensual, a exemplo da oralidade, informalidade e celeridade, não têm o condão de afastar a cláusula do devido processo legal, da qual o direito à ampla defesa é corolário. Sobre a matéria, leciona melhor a doutrina. ‘A lei exige expressamente a presença dos advogados do autuado e da vítima na audiência de conciliação, para que se resguarde sua livre vontade na transação e haja a devida orientação técnica por parte de quem é comprometido com a defesa. Ainda que se trate de fase pré-processual, anterior mesmo ao oferecimento da denúncia, a presença do defensor técnico é indispensável quanto à transação penal, em que o autuado poderá consentir na imediata aplicação de uma sanção penal, ainda que não privativa da liberdade. Se assim não se fizesse, aí sim ficariam vulneradas as garantias constitucionais, aplicáveis não só ao processo jurisdicional, mas a qualquer processo administrativo em que haja conflito de interesses. Tanto assim que, como visto, o art. 68 dispõe expressamente que do ato de intimação do autor do fato deverá constar a necessidade de seu comparecimento à audiência (de conciliação) em companhia de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor público.’ E ainda: ‘Cabe assinalar que a anuência pessoalmente manifestada pelo réu há de estar acompanhada de igual assentimento de seu defensor, como aliás, deixa claro o art. 76 da Lei 9.099/95. Tal tratamento legal vincula-se ao atendimento da exigência de correta formação da vontade do réu em torno da anuência pessoalmente expressada. Esta correta formação de vontade do réu, indispensável à validade do ato de disposição por ele praticado, naturalmente estará a depender de uma avaliação da situação jurídica dada, para a qual, sem dúvida, se faz necessário o conhecimento técnico do profissional que exerce a defesa.’2 Dessa maneira, uma vez observada nulidade de caráter absoluto, pertinente o pedido da impetração para que o processo seja anulado desde a audiência preliminar, a fim de que outra seja realizada nos moldes legalmente previstos. Ante o exposto, opina-se pelo deferimento do writ.“ Acolho o parecer ministerial e concedo a ordem.
EMENTA - HABEAS CORPUS. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. AUDIÊNCIA PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO E DE DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE. Os artigos 68, 72 e 76, § 3º, da Lei n. 9.099/90 exigem, expressamente, o comparecimento do autor do fato na audiência preliminar, acompanhado de seu advogado ou, na ausência deste, de defensor público. A inobservância desses preceitos traduz nulidade absoluta. Hipótese em que o paciente não foi amparado por defesa técnica nem lhe foi nomeado defensor público na audiência preliminar na qual proposta a transação penal. Ordem concedida.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 22 de agosto de 2006.
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