Corrupção passiva. Competência determinada pela conexão. Ofensa ao princípio do juiz natural. Inocorrência. Aplicação do art. 76, I e III do CPP.
Rel. Min. Ricardo Lewandowski
RELATÓRIO - O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Cristiano de Souza Mazeto em favor de EMERSON YUKIO IDE, contra decisão da 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 18.915/SP. Transcrevo a ementa do julgado (fl. 15): “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA MAJORADA. COMPETÊNCIA. CONEXÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Verificada a conexão, intersubjetiva ou probatória (instrumental), não há falar em ilegalidade no processamento da ação penal em foro diverso do local da infração, em estrita consonância com o art. 76, I e III, do CP. 2. Recurso a que se nega provimento.“ Narra o impetrante, em síntese, que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 317, § 1º, do Código Penal (corrupção passiva qualificada). Diz, mais, que a conexão probatória foi firmada ao argumento de que os corruptores ativos consumaram o crime em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Sustenta, em suma, que a consumação do crime, em tese considerado, ocorreu em Marília, no mesmo Estado, razão pela qual a competência para o conhecimento da causa é da Subseção Judiciária de Marília. Argumenta, mais, que a violação ao princípio do juiz natural implica a nulidade absoluta da ação. Alega, ainda, que a ação penal trata de delito e fatos autônomos relativamente aos demais processos e que, embora tenham sido deflagrados da mesma investigação, não possuem qualquer ligação com aqueles. Conclui que o simples vínculo material não gera substrato suficiente para configurar a conexão (fl. 10). Postula, ao final, a concessão da ordem para que se estabeleça a competência da Justiça Federal de Marília, anulando-se a ação penal desde o seu início. Indeferi a medida liminar em 26.04.06 (fls. 30-31). As informações prestadas pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 39-40) foram complementadas com cópias da integralidade do processo, encaminhadas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fl. 56 e apenso). O Ministério Público Federal, em parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República, Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denegação do habeas corpus (fls. 44-46). É o relatório.
VOTO - O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Senhor Presidente: Busca-se a anulação da ação penal em razão da alegada incompetência absoluta do juízo pelo qual ela tramita. A impetração não merece acolhimento. Com efeito, a unidade de processos fundou-se na conexão intersubjetiva (art. 76, I, do CPP) e na conexão probatória (art. 76, III, do CPP).1 Como bem ressaltou o parecer ministerial às fls. 44-46, referindo-se à decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “(...) malgrado o delito de corrupção passiva imputado ao paciente tenha sido consumado, em tese, em Marília (SP), encontra-se presente a conexão probatória prevista no art. 76, III, do Código de Processo Penal. Isso porque a denúncia da Ação Penal nº 2004.61.02.101444- 9 imputa aos co-réus Wilson Alfredo Perpétuo e César Valdemar dos Santos Dias, Delegados de Polícia Federal em Ribeirão Preto, a prática do delito de corrupção ativa, cuja consumação teria ocorrido em Ribeirão Preto, local em que realizadas as promessas de vantagem indevida ao paciente.“ (fl. 46) Ademais, conforme transcrito no voto do acórdão impugnado, a decisão da Exceção de Incompetência oposta pelo paciente ao juízo processante é irretocável (fls. 45-46): “(...) Há mais de dois anos, iniciou-se procedimento investigatório, a pedido do Setor de Coordenação de Ações de Inteligência, do Departamento de Polícia Federal, para apurar eventuais ilícitos cometidos por delegados e agentes de Polícia Federal, lotados na delegacia de Polícia Federal em Ribeirão Preto/SP. O monitoramento telefônico autorizado por este Juízo permitiu a conclusão de que a delegacia de Polícia Federal em Ribeirão Preto havia se transformado numa central criminosa, uma verdadeira ‘agência de prestação de serviços criminosos’, com a participação de delegados, agentes e terceiros. Em razão das investigações, intitulada como ‘Operação Lince’, ainda em curso nos autos do Procedimento Criminal Diverso nº 2002.61.02.003194-2, foram coletadas provas da participação de agentes, delegados de polícia federal e várias outras pessoas, envolvidas com a prática de diversos crimes, ensejando a propositura, pelo Ministério Público Federal, até agora, de mais de vinte ações criminais, além de diversos pedidos de decretação de prisão preventiva, todos em trâmite por esta 4ª Vara Federal, em razão da prevenção originada dos citados autos nº 2002.61.02.003194-2. Há de se ressaltar que, muito embora as denúncias tenham sido autuadas por dependência, justamente para garantir o melhor exercício do direito de defesa, em verdade, poderia ter o Ministério Público Federal se valido de uma única exordial acusatória, abrangendo todos os delitos até aqui apurados. Portanto, a questão deve ser analisada de maneira bem mais ampla do que sugere a defesa, já que os autos que originaram a presente argüição pertencem a uma cadeia delitiva vinculada aos demais delitos da citada ‘Operação Lince’. Assim, as regras ordinárias de competência devem ceder diante daquelas hipóteses previstas nos artigos 76 e seguintes do Código de Processo Penal, que justamente prevêem a prorrogação da competência quando verificado o nexo entre diversos delitos, que aconselha a junção dos processos, de forma a propiciar ao julgador uma perfeita visão do panorama probatório. (...).“ Registro, por fim, trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence que, no julgamento do HC 81.811/RJ, assim decidiu: “(...) É certo que a orientação do Tribunal, nos precedentes referidos, não se contenta, na caracterização da conexão instrumental, com o que, no primeiro deles, o HC 67.769, chamei de ‘mera utilidade probatória de reuniões de ações, como a prática forense tenta fazer’, mas, ao contrário - na esteira de lição invocada de Xavier de Albuquerque - reclama que entre os crimes distintos haja vínculo objetivo, ‘que se insinua por entre infrações em si mesmas’, de tal modo que a prova de uma influa na da outra.“ Não vejo, portanto, das argumentações deduzidas, qualquer afronta ao princípio do juiz natural. Diante do exposto, denego a ordem.
EMENTA - HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. COMPETÊNCIA DETERMINADA PELA CONEXÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 76, I e III, do CPP. ORDEM INDEFERIDA. I. Verificada a conexão, intersubjetiva ou probatória, afigura-se lícito o processamento da ação penal em foro diverso do local da infração. II. Inocorrência de ofensa ao princípio do juiz natural, diante de expressa previsão legal. III. Aplicação das hipóteses do art. 76, I e III, do CP. IV. Ordem indeferida.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, indeferir o pedido de habeas corpus. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio. Brasília, 06 de março de 2007.