Crime hediondo. Prisão em flagrante. Proibição de liberdade provisória. Inteligência.
Rel. Min. Sepúlveda Pertence
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - O Paciente foi preso em flagrante por infração dos arts. 12 e 18, III, da L. 6.368/76. Após fugir, foi citado por edital, mas não compareceu, nem constituiu defensor. Donde a seguinte decisão do Juízo de origem, de 23.03.98 (f. 17): “Vistos, etc. Trata-se de feito em que o(s) réu(s) foi(ram) citado(s) por edital e decretada(s) sua(s) revelia(s); Assim, em atenção à Lei 9.271/95, suspendo o processo, bem como decreto a prisão preventiva do(s) acusado(s) por conveniência da instrução. Expeça(m)-se mandado(s) de prisão; lance-se o feito em livro próprio, anotando-se na distribuição e arquive-se em cartório“. Impetrou-se então habeas estes fundamentos, verbis (f. 24): “(...) A privação da liberdade aplicada ao paciente não foi objeto de ação preventiva, mas sim de medida cautelatória prevista no art. 301 do CPP, porquanto preso em flagrante. (...) Ora, se estava o paciente preso e fugiu, desnecessária a decretação de prisão preventiva, porquanto o que se busca é a satisfação do flagrante, recolhendo o paciente fugitivo com a recaptura, desfigura, assim, qualquer tentativa de alegação de constrangimento ilegal reparável via habeas corpus, acarretando a impossibilidade de ser processado em liberdade provisória. A subsistência da prisão em flagrante pelo decreto de prisão preventiva só pode ocorrer na hipótese daquela ser relaxada. A medida preventiva é incogitável no caso de fuga do preso em flagrante. Por tais motivos e acolhendo, em parte, o parecer do Ministério Público, denego a ordem de habeas corpus, mantendo-se a prisão originária de flagrante (...)“. Impetrou-se, então, novo habeas corpus, desta vez ao STJ, que o denegou nos termos da ementa transcrita (f. 28): “HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. FUGA DO RÉU QUANDO LEVADO PARA TRATAMENTO EM HOSPITAL. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. 1. O ato de evadir-se depois de preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas mostra-se razão suficiente para decretar-lhe a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da lei penal, na medida em que denota nítido intento de esquivar-se da Justiça. Precedentes. 2. Ordem denegada.“ Alega-se que a prisão em flagrante foi substituída pelo decreto de prisão preventiva, que constitui novo título da prisão. A preventiva, ademais - aduz o impetrante -, não se ampara em nenhuma fundamentação cautelar válida. Requer a concessão da ordem, para que seja revogada a prisão preventiva e, em conseqüência, concedida liberdade ao Paciente. Indeferida a liminar, sobreveio o parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Il. Subprocurador-Geral Mário Gisi, que opinou pela denegação da ordem (f. 42/45). É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Relator): A prisão preventiva, no caso, era desnecessária. Conforme precedente indicado no parecer do Ministério Público Federal, como o Paciente - preso em flagrante por crime hediondo “ estava “foragido, a qualquer tempo poderia ser recapturado, sem necessidade de decretação da prisão preventiva“ (v.g., HC 87.526, 2ª T., Ellen Gracie, DJ 20.4.06). O fato, contudo, é que ela foi decretada “por conveniência da instrução“ E o decreto, para tanto, apenas implicitamente se fundou na fuga do Paciente, quando fez referência à citação por edital e à decretação da revelia. À falta de explicitação dos fatos concretos que justificariam a medida, deve o decreto, por isso, ser revogado. Isso não significa, todavia, que o paciente deva ser colocado em liberdade. Subsiste, no caso, a manutenção da prisão fundada no art. 2º, II, da L. 8.072/90: a revogação do decreto de prisão preventiva, ao contrário do que pretende a impetração, restabelece o título da prisão antecedente. Ademais, firme a jurisprudência do Tribunal em que da “proibição da liberdade provisória nos processos por crimes hediondos - contida no art. 2º, II, da L. 8.072 e decorrente, aliás, da inafiançabilidade imposta pela Constituição -, não se subtrai a hipótese de não ocorrência no caso dos motivos autorizadores da prisão preventiva“ (v.g., HHCC 83.468, 1ª T., j. 11.9.03, Pertence, DJ 27.2.04; 82.695, 2ª T., j. 13.5.03, Velloso, DJ 6.6.03; 79.386, 2ª T., j. 5.10.99, Marco Aurélio, DJ 4.8.00; HC 78.086, 1ª T., j. 11.12.98, Pertence, DJ 9.4.99). Este o quadro, defiro a ordem, em parte, apenas para, mantida a prisão em flagrante do Paciente, revogar a prisão preventiva posteriormente decretada: é o meu voto.
EMENTA - I. Crime hediondo: prisão em flagrante: proibição da liberdade provisória: inteligência. Da proibição da liberdade provisória nos processos por crimes hediondos - contida no art. 2º, II, da L. 8072/90 e decorrente, aliás, da inafiançabilidade imposta pela Constituição -, não se subtrai a hipótese de não ocorrência no caso dos motivos autorizadores da prisão preventiva. II. Prisão preventiva: ausência de fundamentação cautelar idônea: revogação e restabelecimento do título da prisão antecedente.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 08 de agosto de 2006.
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