Substância entorpecente (técnica de cultivo). Incitação ao crime (investigação). Internet (veiculação). Competência (justiça estadual).
Rel. Min. Nilson Naves
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Foi em Curitiba que o Procurador da República (João Francisco) pronunciou-se nestes termos: “1. O presente procedimento foi instaurado nesta Procuradoria da República em virtude da notícia formulada por Luiz Augusto de Abreu, pela qual se noticia a suposta incitação pública do crime descrito no artigo 12, parágrafo 1º, inciso II, da Lei n. 6.368/76, promovida por intermédio do sítio http://de.geocities.com/hiphopmusikde/HTML/ comoplantarmaconha.htm, consistente na instrução de técnicas ao cultivo de plantas destinadas à preparação de entorpecente, conduta esta tipificada no artigo 286 do Código Penal. 2. Ocorre que em relação ao crime em espécie, a competência para apreciar tal delito é da Justiça Estadual, já que a conduta delituosa descrita não se amolda a nenhuma das hipóteses elencadas no inciso IV, do art. 109, da Constituição Federal, porquanto não se traduz, de modo específico, em detrimento de interesses da União. 3. Ante o acima exposto, diante da inexistência de fatos que possam caracterizar crime da alçada federal, este Órgão Ministerial requer o encaminhamento do presente feito ao Ministério Público Estadual, para que tome as medidas julgadas pertinentes quanto ao crime tipificado no artigo 286 do Código Penal.“ E lá disse a Juíza Federal (Anne Karina), em resumo, o seguinte (18.11.04): “Os Tribunais têm decidido que, inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União, afasta-se a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento de crimes de incitação à prática de crime. (...). Assim, como no presente feito não houve prejuízo a bem, serviço ou interesse da União, com fulcro nas disposições do artigo 69, inciso III, do Código de Processo Penal, declino da competência para o processo e julgamento dos presentes autos em favor do MM. Juízo de Direito da Vara de Inquéritos da Comarca de Curitiba/PR, a quem determino a remessa dos autos, após baixa na distribuição e anotações necessárias.“ Indo-lhe então os autos, o Juiz de Direito da Vara de Inquéritos Policiais - região metropolitana de Curitiba - suscitou o conflito (15.3.06): “Assiste razão à D. Promotora, pois como é um crime cometido através da internet, sendo difícil a identificação do(s) autor(es) de tais delitos vez que a titularidade do domínio do site está localizada na Califórnia, EUA, e considerando a abrangência proporcionada pela rede mundial de computadores, está caracterizado o interesse da União no deslinde da causa, pelo que a prática dos crimes noticiados nos presentes autos deverá ser analisada pela Justiça Federal. O endereço eletrônico continua em atividade e considerando o delito noticiado ter origem nos Estados Unidos da América, está claro a extraterritorialidade devendo, portanto, os fatos serem investigados pela Polícia Federal, como previsto no artigo 144, § 1º, inciso I, da Constituição Federal. Portanto, como reputo que compete à Justiça Federal a apreciação dos delitos noticiados nestes autos, é que suscito o presente conflito negativo de competência.“ O parecer do Ministério Público Federal é pela competência do suscitante. É o relatório.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Cuida-se de preliminares ou de fase preparatória de futura ação penal, mas já jurisdicionalizada – tanto que aqui se trata de conflito de cunho negativo entre juízes. A investigação – procedimento preliminar ou preparatório – vem orientando-se no sentido de se apurar fato pertinente à incitação ao crime – “Incitar, publicamente, a prática de crime“ (Cód. Penal, art. 286). Como se viu do relatório, o fato foi trazido a lume por meio eletrônico – isto é, de endereço na internet no qual se encotram instruções sobre “como plantar maconha“. Confiramos o pronunciamento do Ministério Público paranaense (pronunciando-se pela competência federal): “No entanto, em se tratando de crime praticado por meio eletrônico, é de notório conhecimento a grande dificuldade em se identificar seus autores, vez que muitos domínios utilizados para tais práticas delituosas estão localizados no exterior, como no caso dos autos, dificultando a individualização e identificação de seu responsável. É tão usual a situação, que a diligência efetuada junto à FAPESP-REGISTRO.BR, na tentativa de se localizar a hospedagem de tal endereço eletrônico, terminou infrutífera, vez que conforme se constata do ofício de fls. 40/41, o titular do domínio em apreço (geocities.com) se localiza no estado da Califórnia, no distante país norte americano. Ademais, é impossível se afirmar, a priori, em qual localidade específica do vasto território nacional estaria localizado o computador do qual partiram as informações reputadas incitações ao crime. Portanto, não seria razoável que a autoridade policial do estado do Paraná efetuasse diligências no sentido de localizar, junto a órgãos estrangeiros, informações sobre crime que poderia ter ocorrido em São Paulo, Alagoas, Amazonas, Rio Grande do Sul, etc. Também, cabe ressaltar que tal endereço eletrônico, até a presente data, continua em pleno funcionamento, incitando tal prática delituosa por todo o território nacional. Por fim, como bem ressaltou a autoridade policial no verso de fls. 40, tal fato tem repercussão internacional, eis que o hospedeiro do endereço eletrônico em questão tem sede nos Estados Unidos da América.“ As informações são, pois, no sentido de hospedeiro fora do âmbito nacional - hipoteticamente, na Califórnia. Malgrado tal acontecimento - se verdadeiro -, o fato repercutiu mesmo foi no território nacional - repitamos: “... em qual localidade específica do vasto território nacional estaria localizado o computador do qual partiram as informações reputadas incitações ao crime.“ Dessarte, o meu entendimento é o de que se cuida de ação de incitar restrita ao território nacional, daí não virem à colação os incisos IV e V do art. 109 da Constituição: de um lado, por que não se trata de infração em detrimento de bens, serviços ou interesses da União; de outro, porque a eventual ação de incitar ocorreu internamente. Voto pela competência estadual - do Juízo de Direito da Vara de Inquéritos Policiais de Curitiba (o suscitante).
EMENTA - Substância entorpecente (técnica de cultivo). Incitação ao crime (investigação). Internet (veiculação). Competência (Justiça estadual). 1. A divulgação, pela internet, de técnicas de cultivo de planta destinada à preparação de substância entorpecente não atrai, por si só, a competência federal. 2. Ainda que se trate, no caso, de hospedeiro estrangeiro, a ação de incitar desenvolveu-se no território nacional, daí não se justificando a aplicação dos incisos IV e V do art. 109 da Constituição. 3. Caso, pois, de competência estadual. Conflito do qual se conheceu, declarando-se competente o suscitante.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o suscitante, o Juízo de Direito da Vara de Inquéritos Policiais de Curitiba, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Felix Fischer, Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Medina. Brasília, 11 de outubro de 2006 (data do julgamento).
0 Responses