Habeas Corpus Nº 41.497/go

Prisão preventiva. Hábito na prática do delito. Fundamentação. Revogação.

Rel. Min. Nilson Naves


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:
Em favor de Erlei Pimenta Fernandes, foi impetrado este habeas corpus, no qual se requer, por ausência de fundamentação e falta de necessidade da constrição cautelar, a revogação do decreto de prisão preventiva. Deferi o pedido liminar a fim de “suspender a execução do mandado de prisão até o julgamento do habeas corpus“. Foram a mim prestadas estas informações pela Juíza da comarca de Piracanjuba: “1. A ora paciente, Erlei Pimenta Fernandes, foi denunciada em 04/11/04, na primeira série pela prática de delito previsto no artigo 168, § 1°, III, do Código Penal, e, na segunda série pela prática de delito previsto no art. 171, caput, (quatorze vezes), na forma do art. 71, ambos do Código Penal, cujos autos foram autuados sob o n° 886/04, por ter, na primeira série, no início de 2001 apropriado de vinte e um (21) meses de benefícios atrasados que se encontravam retidos pelo INSS, de propriedade da vítima Joaquim Pereira Filho, que se encontrava preso na Cadeia Pública local. 2. A acusada, na condição de advogada, procurou a vítima Joaquim Pereira Filho, que se encontrava preso na Cadeia Pública local, sabendo que o mesmo possuía retidos no INSS vinte e um (21) meses de aposentadoria pendentes de recebimento e que não tinha parentes na comunidade, razão pela qual não podia pessoalmente tratar de seus interesses. 3. Com habilidade, inclusive dizendo que a vítima parecia com seu falecido pai, simulando choro, a acusada convenceu a vítima, semi analfabeta, a assinar uma procuração atribuindo-lhe amplos poderes, com a qual se comprometeu a fazer o levantamento da importância relativa a benefícios do INSS atrasados, combinando com a vítima, a título de honorários, R$ 1.000,00 (um mil reais) a ser abatido no valor recebido. 4. De posse da procuração a advogada repassou para a vítima R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) continuando a visitá-Ia na cadeia, enquanto ainda estava pendente a liberação da importância pelo INSS. Após receber os benefícios atrasados, no montante de vinte e um (21) salários mínimos, a acusada desapareceu, apropriando-se do valor. 5. Já, na segunda série, a acusada, embora desaparecida, a partir do recebimento dos benefícios em atraso, objeto do contrato, continuou valendo-se da procuração com amplos poderes, e, mediante fraude e sem autorização da vítima passou a receber e se apropriar do benefício do INSS todo mês, em prejuízo à esta, fato que se repetiu por 14 (quatorze) meses, até meados de 2002, totalizando 14 (quatorze) salários mínimos. 6. A autoridade policial (fls. 62/63) e o representante do Ministério Público (fls. 68/69) representaram pela decretação da prisão preventiva da acusada, sendo a decisão deste Juízo o seguinte teor: (........). 'Induvidosamente restou demonstrado a existência de indícios suficientes de autoria e participação da indiciada na prática do delito que lhe está sendo imputado, previsto no artigo 171 do Código Penal, constatando-se tal fato pelos depoimentos colhidos, coligidos com os demais documentos constantes dos autos, restando também comprovado a materialidade do delito. Além do mais, o decreto coercitivo acautelatório deve ser determinado sempre que se fizer necessário, ou seja, toda vez que subsistirem os motivos ensejadores do mesmo, seja para garantia da ordem pública, seja para assegurar a aplicação da lei penal, seja por conveniência da instrução criminal. In casu, a denunciada revelou ser pessoa habituada a prática deste delito, merecendo imediata censurabilidade sua conduta, pois existem provas inequívocas de que no exercício da profissão de advogada a indiciada pratica este tipo de crime contra o patrimônio, e, sua permanência em liberdade, põe em risco a ordem pública, porquanto acredita-se insofismavelmente que voltaram a delinqüir. Logo, a medida pleiteada também se apresenta como garantia da ordem pública. Acresçam-se a estas considerações, o fato de que a acusada não possui residência fixa, encontrando-se, atualmente, em lugar incerto e não sabido. O representante do Ministério Público entendeu estarem presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, demonstrando a existência de interesse de garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, sendo, portanto, cabível a concessão da medida invocada. Desta forma, não só por estas razões, mas também para que melhor fiquem deslindados os seus atos, a custódia cautelar da acriminada se impõe por conveniência da instrução criminal, como garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Diante do exposto, com fundamento nos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal, julgo procedente a representação formulada pela Autoridade Policial, e, decreto a prisão preventiva, de Erlei Pimenta Fernandes, já qualificada nos autos, e, de conseqüência, determino que expeça-se, imediatamente, o competente mandado de prisão, enviando cópia do mesmo às delegacias de Polícia desta Comarca e à Delegacia de Capturas do Estado. Intimem-se. Cumpra-se.' (.......). 7. A denúncia foi recebida pelo despacho de fls. 89, em 17/11/04, oportunidade em que foram deferidas as diligências requeridas pelo representante do Ministério Público e determinada a expedição de carta precatória citatória e interrogatória à acusada. 8. Às fls. 94/109, foi anexada cópia do fax do ofício requisitório de informações do habeas corpus , interposto perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, o que foi cumprido, às fls. 112/117. 9. Acostados, às fls. 125, ofício oriundo da Primeira Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, informando que o pedido de habeas corpus foi julgado improcedente (10/12/04). 10. Juntada, às 130/151, cópia do acórdão proferido no feito de Habeas Corpus nº 23771-7/217, onde o Tribunal conheceu do pedido e denegou a ordem impetrada, por maioria dos votos (26/01/05). 11. Às fls. 152/179, foi juntado o ofício requisitório destas informações, acompanhado de cópia da petição inicial do habeas corpus a que se reporta (22/02/05). 12. Convém ressaltar que, a acusada, ora paciente, interpôs três (03) pedidos de revogação de prisão preventiva, perante este Juízo, que foram autuados sob os n° 878/02, 911/04 e 920/05, em apenso aos autos principais, sendo todos os pedidos indeferidos. 13. Data máxima vênia, o pedido em tela merece ser denegado, pois acaso deferido porá em descrédito o Poder Judiciário local, posto que restou claro e evidente a existência do crime em questão e os indícios de autoria da acusada que, em liberdade, porá em risco a ordem pública voltando a delinqüir, eis que constam nos autos que é contumaz em dar golpes em vários lugares, através de ardil e artifícios para ganhar dinheiro e outras coisas ilicitamente, existindo diversos mandados de prisão contra a mesma expedidos por outros Juízos, eis que responde a processos similares em Barões dos Cocais–MG, inquéritos em Rancharia-SP, Brotas-SP e Catalão-GO, além de estar a residir em lugar incerto e não sabido, posto que inclusive no endereço fornecido por ela na petição do presente habeas corpus e já constante dos autos da ação penal em trâmite neste Juízo, a mesma não foi localizada.“ Opinou o Ministério Público Federal pela denegação da ordem. Eis a ementa do parecer: “Penal e Processual Penal. Habeas corpus . Estelionato praticado pelo ré, na qualidade de advogada. Prisão preventiva. Revogação. Impossibilidade. Fundamento na garantia da ordem pública. Informação de que a paciente responde a outros inquéritos e ações penais, inclusive pela prática de outros delitos da mesma natureza. Risco à ordem pública configurado. Parecer pela denegação da ordem.“ Por fim, há informações de que a paciente, acompanhada de seu advogado, compareceu à audiência designada pelo Juiz de Caldas Novas – Juiz deprecado. É o relatório.

 
VOTO
- O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Repitamos o que disse a Juíza de Piracanjuba no decreto preventivo de 29.3.04: “In casu, a denunciada revelou ser pessoa habituada a prática deste delito, merecendo imediata censurabilidade sua conduta, pois existem provas inequívocas de que no exercício da profissão de advogada a indiciada pratica este tipo de crime contra o patrimônio, e, sua permanência em liberdade, põe em risco a ordem pública, porquanto acredita-se insofismavelmente que voltaram a delinqüir. Logo, a medida pleiteada também se apresenta como garantia da ordem pública. (...) Acresçam-se a estas considerações, o fato de que a acusada não possui residência fixa, encontrando-se, atualmente, em lugar incerto e não sabido.“ No caso de que ora estamos cuidando, a ordem pública, segundo o decreto local, apoiar-se-ia em indícios suficientes de autoria, também na existência de outros processos. Mas indícios e ordem são coisas diferentes, e isso se verifica pela simples leitura do art. 312 do Cód. de Pr. Penal. Não se misturam: uma coisa é garantir a ordem pública, outra, haver indícios suficientes de autoria. Quanto a outros processos – fala-se até em habitualidade –, é situação que vem sendo, ali e aqui, questionada pelo impetrante; além disso, a simples existência de outros processos não é suficiente à custódia de caráter cautelar, visto que a ordem pública – foi ela que aqui motivou a prisão – diz respeito a coisas que poderão acontecer, e não a coisas já acontecidas. A propósito dos antecedentes – se bons, se maus –, receio, se maus, tê-los nessa conta simplesmente por se encontrar alguém respondendo a processos criminais. Foi escrito nas informações: “... em liberdade, porá em risco a ordem pública voltando a delinqüir, eis que constam nos autos que é contumaz em dar golpes em vários lugares, através de ardil e artifícios para ganhar dinheiro e outras coisas ilicitamente, existindo diversos mandados de prisão contra a mesma expedidos por outros Juízos, eis que responde a processos similares em Barões dos Cocais-MG, inquéritos em Rancharia-SP, Brotas-SP e Catalão-GO.“ Ao que cuido, esses apontamentos não bastam para o encarceramento provisório. Quanto ao fato de a paciente encontrar-se em lugar incerto e não-sabido, já não se pode nisso falar, visto que, após deferida a liminar, compareceu ela em Juízo, o que demonstra seu interesse em responder a todos os atos do processo. Note-se que, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 3.473/00, que altera a Parte Geral do Cód. Penal, ao cuidar da prisão-pena, foi dito que “uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para crimes de pequena e média gravidade, se assim considerar o juiz ser medida justa. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade“. Ora, se a necessidade do encarceramento deve ser provada em se tratando de prisão definitiva, sobretudo quando se cuida de prisão provisória, a qual tem natureza de medida cautelar. A propósito do tema, venho escrevendo o seguinte (por exemplo, o HC-40.617, DJ de 10.4.06): “Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.“ Diante dessas aligeiradas linhas, é de se questionar se se justifica a prisão antes que a sentença penal condenatória transite em julgado. A mim me parece que os elementos dos autos são indicativos de que estamos diante de prisão não-necessária. Caso, portanto, de coação ilegal. Ratificando a liminar, voto pela concessão da ordem com o intuito de revogar a prisão recaída sobre a paciente. Imponho-lhe, no entanto, o compromisso de comparecer a todos os atos do processo, sob pena de renovação da prisão.

 
EMENTA -
Prisão preventiva (requisitos). Hábito na prática do delito (motivação). Fundamentação (insuficiência). Revogação (caso). 1. O simples fato de estar a paciente respondendo a outros processos criminais não implica a existência de antecedentes, tampouco basta ao encarceramento provisório. 2. Não se pode afirmar que a paciente encontra-se em lugar incerto e não-sabido se, após deferida a liminar, compareceu ela em Juízo, o que demonstra seu interesse em responder a todos os atos do processo. 3. Presume-se que toda pessoa não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 4. De mais a mais, os elementos dos autos são indicativos de que estamos diante de prisão não-necessária. 5. Habeas corpus concedido.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina. Brasília, 6 de março de 2007 (data do julgamento).

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