Tráfico de entorpecentes. Provas obtidas no inquérito e confirmadas em juízo. Contraditório. Nulidade. Afastamento. Materialidade e autoria. Comprovação. Análise de provas. Súmula 07/STJ. Regime prisional. Lei 11.464/2007. Nova redação do art. 2º, § 1º, da Lei 8072/90.
Rel. Min. Gilson Dipp
RELATÓRIO - EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por MÁRIO NELSON DUARTE ORTIZ, com fundamento nas alíneas “a“ e “c“ do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que negou provimento ao recurso de apelação criminal, nos termos da seguinte ementa: “EMENTA - APELAÇÃO CRIMINAL - ENTORPECENTE - TRÁFICO ILÍCITO - PRELIMINAR - NULIDADE DO PROCESSO - DROGA APREENDIDA - OBEDIÊNCIA AO ART. 41 DO CPP - FATOS NARRADOS DE MANEIRA CLARA E PRECISA - RÉU PODE SE DEFENDER DA ACUSAÇÃO - REJEITADA - PRELIMINAR - NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL - ALEGAÇÃO DE QUE HOUVE MERA RATIFICAÇÃO DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS NA FASE INQUISITORIAL - DEPOIMENTOS CONFIRMADOS EM JUÍZO - NULIDADE AFASTADA - REJEITADA - MÉRITO - SENTENÇA CONDENATÓRIA - ALMEJADA ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS - PRISÃO EM FLAGRANTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA - NEGATIVA PELO RÉU - IRRELEVÂNCIA - FIRMES DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS - AMPARO NOS DEPOIMENTOS DE UM MENOR E DE UMA TRAFICANTE - PROVA SUFICIENTE DA TRAFICÂNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO PRA USO PRÓPRIO - IMPOSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - PENA-BASE - REDUÇÃO - ALGUMAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - AUMENTO JUSTIFICADO - PREQUESTIONAMENTO IMPROCEDENTE - RECURSO IMPROVIDO. Não há falar em inépcia da denúncia que não descreve a quantidade de substância entorpecente apreendida em poder do réu, mormente se a exordial descreve de maneira precisa os fatos ocorridos, permitindo ao acusado que entenda e se defenda do crime pelo qual está sendo acusado, e se a quantidade de droga apreendida em seu poder mostrou-se evidenciada pelos laudos acostados aos autos. Rejeita-se a preliminar de nulidade do processo se os depoimentos colhidos durante a fase inquisitorial foram todos lidos às testemunhas, que os confirmaram perante a autoridade judicial, principalmente se foram formuladas novas perguntas pelo magistrado, bem como se permitiu a realização das reperguntas, não havendo nenhuma ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Os firmes depoimentos prestados pelos policiais militares, aliados ao depoimento de um menor e de uma traficante, que confirmou que adquiria droga do réu, são provas mais do que suficientes para sustentar a condenação pelo delito previsto no art. 12 da Lei 6.368/76, não havendo falar em desclassificação para uso próprio. O magistrado está autorizado a aumentar a pena-base acima do mínimo quando algumas circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao acusado.“ (fls. 170/171). O recorrente foi condenado à pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime integralmente fechado e ao pagamento de 81 dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 12 da Lei 6.368/76. Em sede de apelação, na qual a defesa alegava preliminar de nulidade do processo e, no mérito, pugnava pela absolvição do acusado ou pela desclassificação do delito, bem como pela redução da pena, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul manteve a sentença condenatória por seus próprios fundamentos. No presente recurso especial, reitera a argumentação em torno da nulidade do processo por cerceamento de defesa, na medida em que a condenação teria se baseado exclusivamente nas provas produzidas no inquérito policial. No mérito, alega que a traficância não restou demonstrada e que o conjunto probatório não permite a conclusão de que o réu tenha praticado os fatos descritos na peça acusatória. Sustenta-se que houve confronto entre os depoimentos prestados, gerando incerteza da infração do disposto no art. 12 da Lei 6.368/76, o que aponta para a desclassificação do delito para o previsto no art. 16 da mesma lei. Insurge-se contra o regime prisional fixado, apontando a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Foram apresentadas contra-razões (fls 213/225). Admitido o recurso (fl. 228/230), a Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo seu parcial conhecimento e provimento (fls. 284/290). É o relatório.
VOTO - EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por MÁRIO NELSON DUARTE ORTIZ, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que negou provimento ao recurso de apelação criminal. Em razões, reitera a argumentação em torno da nulidade do processo por cerceamento de defesa, na medida em que a condenação teria se baseado exclusivamente nas provas produzidas no inquérito policial. No mérito, alega que a traficância não restou demonstrada e que o conjunto probatório não permite a conclusão de que o réu tenha praticado os fatos descritos na peça acusatória. Sustenta-se que houve confronto entre os depoimentos prestados, gerando incerteza da infração do disposto no art. 12 da Lei 6.368/76, o que aponta para a desclassificação do delito para o previsto no art. 16 da mesma lei. Insurge-se contra o regime prisional fixado, apontando a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Considerando o prazo em dobro de que dispõe a Defensoria Pública, o recurso é tempestivo. A Defensoria Pública foi intimada na pessoa de seu representante legal no dia 06/06/2005 (fl. 174), e a petição de interposição do recurso especial foi protocolada em 07/07/2005 (fl. 178). A matéria foi devidamente prequestionada. A divergência jurisprudencial não restou comprovada nos moldes determinados do art. 255 do RISTJ. O recorrente deixou de juntar cópias dos acórdãos recorrido e paradigmas e não logrou demonstrar os pontos em que os julgados se assemelham ou diferenciam, o que veda a admissibilidade do recurso pela alínea “c“. O recorrente pugna pela nulidade do processo, por ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, porque o decreto condenatório teria se baseado exclusivamente nas provas obtidas no inquérito policial. Para tanto, aponta dissídio jurisprudencial. Não obstante a ausência de comprovação da divergência jurisprudencial, cumpre asseverar que, pela análise dos autos, embora a condenação tenha se lastrado em provas obtidas na fase inquisitorial, vislumbra-se, pelo teor da sentença, que as mesmas foram submetidas ao crivo do contraditório, justificando a condenação do réu e afastando a hipótese de nulidade do processo. Quanto à alegação de que a autoria e a materialidade não restaram demonstradas, com o pedido de desclassificação da conduta para o tipo previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, percebe-se a pretensão de revolvimento de matéria fático probatória dos autos, o que é inviável na via especial, nos termos da Súmula 07 do STJ. No tocante ao regime de cumprimento da pena, melhor sorte socorre o recorrente. O Magistrado sentenciante fixou o regime integralmente fechado de cumprimento da pena pela prática de crime equiparado a hediondo, com fundamento no art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90. Esta Corte, entretanto, em acolhimento à recente julgado proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal - que declarou, incidenter tantum , a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90 - vinha decidindo pelo afastamento do óbice do referido dispositivo, para reconhecer o direito aos apenados pela prática de crimes hediondos do benefício da progressão de regime prisional. Com a edição da novel legislação acerca do tema - Lei 11.464, de 28 de março de 2007 - que deu nova redação ao referido dispositivo, a questão restou dirimida para estabelecer o regime inicialmente fechado de cumprimento das penas por crimes ali previstos. Sendo assim, deve ser determinada a aplicação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 na redação dada pela Lei 11.646/2007. Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso para lhe dar provimento, nos termos da fundamentação acima. É como voto.
EMENTA – CRIMINAL. RESP. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVAS OBTIDAS NO INQUÉRITO E CONFIRMADAS EM JUÍZO. CONTRADITÓRIO. NULIDADE. AFASTAMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. ANÁLISE DE PROVAS. SÚMULA 07/STJ. REGIME PRISIONAL. LEI 11.464/2007. NOVA REDAÇÃO AO ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/90. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. I. Condenação lastreada em provas obtidas na fase inquisitorial, posteriormente submetidas ao crivo do contraditório, justificando a condenação do réu e afastando a hipótese de nulidade do processo. II. Pleito de desclassificação da conduta para o tipo previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, que revela pretensão de revolvimento de matéria fático probatória dos autos, inviável na via especial, nos termos da Súmula 07 do STJ. III. Com o advento da Lei 11.464, de 28 de março de 2007, que deu nova redação ao art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, o regime de cumprimento das penas previstas no dispositivo é o inicialmente fechado. IV. Recurso parcialmente conhecido e provido.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. “A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.“Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Napoleão Nunes Maia Filho e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília (DF), 19 de junho de 2007 (Data do Julgamento).
0 Responses