Recurso Em Habeas Corpus Nº 19.127/sp

Sentença condenatória (prisão provisória). Gravidade do delito e suposta periculosidade (motivação). Apelação em liberdade (possibilidade).

Rel. Min. Nilson Naves


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:
Pela prática de roubo qualificado, foi o acusado preso em flagrante, em 24.12.03. O então Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo relaxou-lhe a prisão em junho de 2004, por excesso de prazo. Quando da sentença condenatória, a prisão foi restabelecida. Eis os fundamentos adotados pela Juíza de Osasco: “O condenado não poderá recorrer em liberdade. A prática do crime de roubo qualificado pelo concurso de agentes, emprego de arma de fogo e privação da liberdade da vítima denota a periculosidade que é incompatível com sua permanência em sociedade, sem a segregação. Com efeito, abala, em muito, a ordem pública e gera insegurança coletiva, além de desrespeitar os direitos primordiais da vítima, assegurados constitucionalmente. Assim sendo, é inviável se conceder ao condenado o direito de recorrer em liberdade. Expeça-se, pois, o respectivo mandado de prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível.“ Apelou da sentença, como também impetrou habeas corpus na origem pleiteando poder aguardar em liberdade o julgamento da apelação. Até o momento, a apelação não foi nem mesmo distribuída. A ordem, no entanto, foi denegada pela 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça; confiram-se os termos do acórdão: “Verifica-se das informações prestadas pela D. autoridade impetrada e demais elementos dos autos, que, no dia 24 de dezembro de 2.003, o paciente e outros dois comparsas não identificados, mediante ameaças exercidas com emprego de armas de fogo, abordaram e subjugaram as vítimas que chegavam a residência de um familiar, subtraíram seus pertences, apoderaram-se do veículo, mantendo-as ali cativas, obrigaram a fornecer a senha do cartão de crédito e, com o auxílio de um terceiro comparsa, também não identificado, fizeram um saque de R$500,00 (quinhentos reais). Com a informação do êxito no saque, o paciente e seus comparsas libertaram as vítimas. Processado, acabou condenado, por incurso no artigo 157, § 2º, incisos I, II e V, do Código Penal, a 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e 28 (vinte e oito) dias-multa, vetado qualquer benefício, inclusive o de apelar em liberdade, diga-se, com forte e adequada fundamentação sobre a necessidade de fazê-lo retornar ao cárcere. Vale ressaltar que, no curso do processo, em junho de 2004, embora encerrada a instrução, a Col. Décima Câmara do extinto Tribunal de Alçada Criminal relaxou o flagrante, por reconhecer excesso de prazo na formação da culpa, ordenando a expedição de alvará de soltura. Nessas circunstâncias, embora em liberdade, os requisitos ensejadores da decretação da custódia provisória, no momento processual em que foi proferida a r. sentença condenatória encontravam presentes, portanto era lícito ao julgador negar o apelo em liberdade, como fez, sem que isso ofenda a garantia constitucional da presunção de inocência (Súmula 09 do STJ). Releva, ainda, como enfatizou o saudoso Prof. José Frederico Marques, que: 'Quando sobrevém condenação e o réu apela, a sentença condenatória se equipara, para efeitos de prisão do condenado, à pronúncia, é que existe um pronunciamento jurisdicional declarando provada a imputação, o que é mais que a sentença de pronúncia onde se encontra apenas um juízo de probabilidade. A situação jurídica que se configura na sentença recorrível justifica muito mais a prisão que a própria sentença de pronúncia' (Elementos de Direito Processual Penal, Forense, vol. IV, pág. 86). Na hipótese, o paciente, embora primário, cometeu crime gravíssimo, mantendo as vítimas privadas do direito de ir e vir, ameaçadas, tempo em que, com o auxílio dos comparsas, consumaram a extorsão do dinheiro, com saque em caixa eletrônico, a demonstrar o grau de periculosidade de que é portador, a recomendar o encarceramento, aliás, conseqüência natural da condenação, a teor do artigo 594 do Código de Processo Penal. Do exposto, por meu voto, denego a ordem impetrada.“ No Superior Tribunal, o recorrente limitou-se a reiterar o pedido formulado na origem. Em síntese, o impetrante lá alegou que “em nenhum momento a D. Magistrada, data venia, fundamentou a necessidade e conveniência da adoção de tão grave medida, qual seja, a prisão decorrente de sentença recorrível“. Parecer ministerial pelo provimento do recurso. Veja-se a ementa: “Recurso em habeas corpus . Prisão cautelar. Réu primário. Bons antecedentes. Apelação em liberdade. Provimento do recurso ordinário. 1. O recorrente foi preso em flagrante delito, tendo sua prisão relaxada, por excesso de prazo, pelo extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Portanto, por não estar preso durante toda a instrução criminal, se aplica nesta hipótese a regra do art. 594 do Código de Processo Penal. 2. O comportamento do recorrente, embora sendo de alta reprovabilidade social, devido à coação a qual submeteu as vítimas na restrição de sua liberdade e emprego de arma de fogo, não enseja sua custódia, devendo apelar em liberdade até o julgamento definitivo da ação. 3. Pelo provimento do recurso ordinário.“ É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR):
Quer o recorrente se lhe assegure a apelação em liberdade. Como se viu, reportou-se a Juíza de Osasco tão-somente à gravidade abstrata do delito, a circunstâncias do próprio fato criminoso e à periculosidade - presumida, diga-se de passagem - do réu. Estava, aí, restaurada a prisão, sem fundamentação alguma - é evidente -, pela sentença. De igual modo, o acórdão do habeas corpus conservou o réu no cárcere. Repitamos, no pormenor, tais atos judiciais: (I) “a prática do crime de roubo qualificado pelo concurso de agentes, emprego de arma de fogo e privação da liberdade da vítima denota a periculosidade que é incompatível com sua permanência em sociedade, sem a segregação“; (II) “o paciente, embora primário, cometeu crime gravíssimo, mantendo as vítimas privadas do direito de ir e vir, ameaçadas, tempo em que, com o auxílio dos comparsas, consumaram a extorsão do dinheiro, com saque em caixa eletrônico, a demonstrar o grau de periculosidade de que é portador, a recomendar o encarceramento, aliás, conseqüência natural da condenação, a teor do artigo 594 do Código de Processo Penal“. Ora, venho escrevendo e escrevendo o seguinte: “Sentença condenatória (prisão provisória). Apelação (em liberdade). Fundamentação (necessidade). 1. A prisão provisória só há de ser imposta por meio de decisão fundamentada, por exemplo, no caso da preventiva, o despacho (ou a decisão) que a decretar 'será sempre fundamentado'. 2. Tal é o que, de igual sorte, acontecerá com a sentença penal, se e quando o juiz entender que o réu, para apelar, haverá de ser recolhido à prisão. 3. Faltando à sentença persuasiva motivação, o melhor dos entendimentos é o de que o réu, já em liberdade, pode apelar em liberdade. 4. Recurso ordinário provido em parte.“ (RHC-17.412, DJ de 7.11.05.) “Prisão (recolhimento). Réu (em liberdade). Apelação (expedição de mandado). Prisão (caráter provisório). Sentença (trânsito em julgado). 1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória - classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc. 2. O ato que determina a expedição de mandado de prisão - oriundo de juiz ou proveniente de tribunal (do relator de apelação, por exemplo) - há de ser sempre fundamentado. 3. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico. 4. É da jurisprudência do Superior Tribunal que o réu, já em liberdade, em liberdade permanecerá até que se esgotem os recursos de índole ordinária e extraordinária. 5. Ordem concedida a fim de se garantir liberdade ao paciente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.“ (HC-45.416, DJ de 10.4.06.) Em suma, o que ando escrevendo - e ando contando com o honroso apoio da Turma - é que, de um lado, a prisão de índole cautelar só se justifica se amplamente fundamentada; de outro, o fato de se tratar de crime grave e o de ter o réu sido considerado perigoso - conclusão a que se chegou sem amparo em dados concretos - não impedem a liberdade provisória. Aliás, sobre a prisão, o que está escrito aqui, ali e acolá é que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada. Também já se escreveu, inúmeras vezes, que o que se privilegia, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é o status libertatis. Não há falar, portanto, em prisão como efeito automático da condenação recorrível, como querem fazer crer o Ministério Público e o Tribunal de São Paulo. Em casos assemelhados ao destes autos, a Turma concedeu, desde logo, a liberdade provisória mediante a assinatura do termo de comparecimento. Entre tantos precedentes, confiram-se estes: “Processual Penal. Habeas corpus . Sentença condenatória. Prisão para apelar. Periculum libertatis . Motivos concretos. Imprescindibilidade. Inexistência. Falta de fundamentação. Constrangimento ilegal caracterizado. No ordenamento constitucional vigente, a liberdade é regra, excetuada apenas quando concretamente se comprovar, em relação ao indiciado ou réu, a existência de periculum libertatis . A exigência judicial de ser o réu recolhido à prisão para manejar recurso de apelação deve, necessariamente, ser calcada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado deve apontar os elementos concretos ensejadores da medida. A Súmula 09 desta Corte deve ser compreendida no sentido de que a prisão para apelar, quando revestida de necessária cautelaridade, não afronta o princípio constitucional da presunção de inocência. Não compreende, portanto, os decretos prisionais que impõem, de forma automática e sem fundamentação, a obrigatoriedade da prisão para que o réu exerça seu direito de recorrer. Se o paciente ostenta primariedade, tendo comparecido aos atos do processo e, por outro lado, não havendo indicação judicial a demonstrar o periculum libertatis , apontando o acórdão, tão-somente, textos legais impeditivos da existência concomitante do direito ambulatório e direito de recorrer, não há como subsistir o decisum prisional. A gravidade do crime não pode servir como motivo extra legem para decretação da prisão provisória. Precedentes do STJ e STF. Ordem concedida para revogar a prisão decretada, reabrindo o prazo para que o paciente possa recorrer, em liberdade, da sentença penal condenatória.“ (HC-31.685, Ministro Paulo Medina, DJ de 12.9.05.) “Habeas corpus . Direito processual penal. Crimes contra a ordem tributária e formação de quadrilha. Organização criminosa. Indeferimento do apelo em liberdade. Ausência de fundamentação. Constrangimento ilegal. Caracterização. 1. A excepcionalidade da prisão cautelar, dentro do sistema de direito positivo pátrio, é necessária conseqüência da presunção de não-culpabilidade, insculpida como garantia individual na Constituição da República, somente se a admitindo no caso de sua necessidade, quando certas a autoria e a existência do crime. (.................). 3. De outro lado, é sabido que na letra do artigo 393, inciso I, do Código de Processo Penal, um dos efeitos da sentença penal condenatória recorrível é ser o réu preso ou conservado na prisão. 4. Essa regra, no entanto, à luz da disciplina constitucional da liberdade, vem sendo mitigada pela moderna jurisprudência pátria, que, reiteradamente, à luz, por certo, do reconhecimento implícito da presunção relativa da necessidade da constrição cautelar, tem afirmado que, se o réu respondeu solto a todo o processo da ação penal, assim deve permanecer mesmo após o édito condenatório, ressalvadas as hipóteses de presença dos pressupostos e motivos da custódia cautelar (artigo 312 do Código de Processo Penal), suficientemente demonstrados pelo magistrado sentenciante. 5. As normas processuais que estabelecem a prisão do réu como condição de admissibilidade do recurso de apelação são incompatíveis com o direito à ampla defesa, porque, às expressas, o é com todos os recursos a ela inerentes, não havendo falar, em caso tal, em prisão pena ou prisão cautelar. 6. É caso, pois, assim como o é também o da regra de deserção determinada pela fuga do réu, de conflito manifesto e intolerável entre a Lei e a Constituição, que se há de resolver pela não recepção ou inconstitucionalidade da norma legal, se anterior ou posterior à Lei Fundamental. 7. A prisão do réu, na espécie, somente poderia ter lugar, para que se pudesse afirmá-la conforme à Constituição, se fosse de natureza cautelar e, como tal, decretada fundamentadamente nos seus pressupostos e motivos legais, elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal. 8. Ordem concedida.“ (HC-38.158, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 2.5.06.) Acolhendo, a mais, o parecer ministerial, dou provimento ao recurso ordinário a fim de assegurar ao recorrente a apelação em liberdade, porque lhe é lícito apelar em liberdade.

 
EMENTA -
Sentença condenatória (prisão provisória). Gravidade do delito e suposta periculosidade (motivação). Apelação em liberdade (possibidade). 1. Toda e qualquer prisão provisória só há de ser imposta por meio de decisão fundamentada. Tal é o que acontecerá com a sentença penal, se e quando o juiz entender que o réu, para apelar, haverá de ser recolhido à prisão. 2. No caso, a gravidade do delito e a suposição de ser o réu perigoso - conclusão a que se chegou sem amparo em dados concretos - não impedem a apelação em liberdade. 3. Faltando à sentença persuasiva motivação, o melhor dos entendimentos é o de que o réu, já em liberdade, em liberdade deve permanecer. 4. Conclusivamente, não há falar em prisão como efeito automático da condenação recorrível. 5. Recurso ordinário provido a fim de assegurar ao recorrente a apelação em liberdade.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 14 de dezembro de 2006 (data do julgamento).

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