Tráfico de entorpecentes (prisão em flagrante). Sentença condenatória recorrível (superveniência). Apelação em liberdade (indeferimento. Fundamentação (ausência). Coação (ilegalidade).
Rel. Min. Nilson Naves
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Trata-se de habeas corpus em favor de Gisele Rocha e Luzia Maria da Rocha, que respondem, elas e outros, a processo por fatos previstos na Lei nº 6.368, de 1976, e lá já existe sentença condenatória, uma de suas conclusões é a seguinte: “... foram presos em flagrante delito e responderam ao processo na mesma situação, sendo assim, os ora acusados permaneceram presos para recorrerem desta sentença condenatória, não sendo necessário expedição de mandado de prisão em desfavor dos mesmos, visto já estarem presos.“ O que aqui se quer, pelo que me foi dado entender da inicial, é que as pacientes respondam ao processo em liberdade: “Após a lavratura do flagrante, as pacientes ficaram custodiadas na sede da Polícia Federal de Goiás e após foram transferidas para a Casa de Prisão Provisória de Goiânia – Goiás, onde se encontra até hoje. Por conseguinte, sentenciar as pacientes a continuarem presas, quando o próprio órgão acusador (MP), já requereu a absolvição das mesmas, é 'quantificar e multiplicar', o sofrimento humano das duas, sem uma justa motivação legal. De conseqüência, requer a expedição dos competentes alvarás de soltura e que seja determinado que o Juiz 'a quo', que se abstenha de emitir Juízo de valor...“ Vieram estas informações (15.8.07): “Em atenção ao que me foi solicitado através do TLG nº MCD6T-14872/2007, datado de 27 de julho de 2007, informo a Vossa Excelência que Cassius Soares de Oliveira, advogado militante, impetrou, junto a este Tribunal, ordem de habeas corpus em proveito de Gisele Rocha e Luzia Maria da Rocha, julgada e denegada, à unanimidade de votos, pelos integrantes da 2ª Câmara Criminal, em 19 de junho de 2007, com base nos fundamentos que se vêem explicitados no acórdão respectivo, cuja cópia passo-lhe às mãos (doc. j.), para avaliação de seu conteúdo, e aos quais me reporto, à inocorrência de qualquer fato novo com força para modificá-los, em face do que foi alegado pelo impetrante.“ É de ementa seguinte o referido acórdão: “Habeas corpus . Tráfico de entorpecentes. Direito de apelar em liberdade. Inviabilidade. O direito de apelar em liberdade de sentença condenatória não se aplica ao réu preso cautelarmente, desde o início da instrução criminal, em decorrência de flagrante. Precedentes. Ordem denegada.“ Parecer ministerial com esta conclusão: “Sendo inafiançáveis os crimes previstos nos citados dispositivos legais, vedada a liberdade provisória – devendo ser denegado o pedido.“ É o relatório.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Foram oito os denunciados. A um deles – Benedito Aparecido de Paula – já concedemos ordem, mesmo após a sentença, em acórdão para o qual escrevi esta ementa (HC-67.131, sessão do dia 26.6.07): “Prisão em flagrante (tráfico de entorpecentes). Liberdade provisória (indeferimento). Fundamentação (caráter hediondo do crime). Sentença condenatória recorrível (superveniência). Coação ilegal preexistente (protraimento). 1. Sendo lícito ao juiz, no caso de prisão em flagrante, conceder ao réu liberdade provisória (Cód. de Pr. Penal, art. 310, parágrafo único), o seu ato, seja ele qual for, não prescindirá de fundamentação. 2. Tratando-se de ato (negativo) sem suficiente fundamentação, é de se reconhecer, daí, que o paciente sofre a coação ensejadora do habeas corpus. 3. Se o indeferimento da liberdade provisória está apoiado apenas no caráter hediondo do crime, tal aspecto é insuficiente para justificar, a contento, a manutenção de medida de índole excepcional. 4. A superveniência de sentença condenatória recorrível – espécie de prisão provisória – não atrapalha o raciocínio relativo à prisão cautelar sem efetiva fundamentação. Quando existente, a ilegalidade vai à frente, protraindo-se no tempo. 5. Ordem concedida.“ A Benedito Aparecido, já que previamente por ele requerido, fora-lhe, no entanto, pelo Juiz do processo indeferido o benefício da liberdade provisória. Lembrem-se de que se trata de caso de prisão em flagrante. Mas Gisele e Luzia não pleitearam ao Juiz o dito benefício. Foram ao Tribunal, vimos, inconformadas, é verdade, com a prisão, mas decorrente da sentença. A propósito, este trecho do relatório do acórdão “... a pretexto de estarem as pacientes padecendo constrangimento ilegal a suas liberdades de locomoção, em face da manutenção de suas custódias pelo 2º Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da comarca de Goiânia.“ É preciso saber, então, se há ilegalidade no tópico transcrito da sentença condenatória, ei-lo em repetição: “... foram presos em flagrante delito e responderam ao processo na mesma situação, sendo assim, os ora acusados permaneceram presos para recorrerem desta sentença condenatória, não sendo necessário expedição de mandado de prisão em desfavor dos mesmos, visto já estarem presos.“ A mim se me afigura que sim, que aqui há ilegalidade à míngua de real fundamentação. Isto é, a sentença não se fundamentou, levando-se em conta que a prisão dela resultante é também prisão provisória. O raciocínio é o mesmo, mesmíssimo, aplicado a outras espécies de prisão, por exemplo, para a preventiva, não se requer fundamentação? Requer-se sim, observem estes textos: (I) “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente“ (Constituição, art. 5º, LXI); e (II) “o despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado“ (Cód. de Pr. Penal, art. 315). Impõem-se, pois, leituras segundo o texto constitucional, tratando-se, e aqui se trata, obviamente, de ato judicial que impôs restrição – restrição à liberdade da pessoa humana; logo, à dignidade da pessoa humana. Onde se lê que um dos efeitos da sentença condenatória recorrível é ser o réu preso ou conservado na prisão, há de se acrescentar “por ordem fundamentada da autoridade judiciária“. Em suma, toda e qualquer prisão haverá, sempre e sempre, de ter a sua razão, o seu porquê, a sua finalidade, enfim, a fundamentação. Voto pela concessão da ordem; tal o decidido no HC-67.131, concedo às pacientes liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.
EMENTA - Tráfico de entorpecentes (prisão em flagrante). Sentença condenatória recorrível (superveniência). Apelação em liberdade (indeferimento). Fundamentação (ausência). Coação (ilegalidade). 1. A prisão oriunda de sentença condenatória recorrível é espécie de prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada. Ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. 2. No texto processual, onde se lê que um dos efeitos da sentença condenatória recorrível é ser o réu preso ou conservado na prisão, há de se acrescentar que assim será, desde que devidamente motivada. 3. No caso, a negativa da apelação em liberdade está apoiada apenas no fato de que as pacientes responderam ao processo presas, fato insuficiente para justificar, a contento, a imposição de medida de índole excepcional, decorrendo daí ilegal coação. 4. Carecendo a sentença de persuasiva motivação, o melhor dos entendimentos é o de que podem as rés apelar em liberdade. 5. Há ainda a ressalva de que foi a um dos co-réus deferida liberdade provisória pela 6ª Turma. 6. Ordem concedida.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 17 de dezembro de 2007 (data do julgamento).