Interceptação telefônica autorizada pelo juízo federal. Declinação de competência para o juízo estadual. Não invalidação da prova colhida.
Rel. Min. Laurita Vaz
RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado em favor de WAGNER SIQUEIRA, JOÃO NUNES PIMENTEL, LUIZ CARLOS LOMBARDI e DAVILÇO GRAMINHA, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, ao denegar o writ originário, deixou de declarar a nulidade da ação penal instaurada contra os Pacientes. Infere-se dos autos que os Pacientes foram denunciados, perante a Justiça Federal, pela prática de crimes contra a ordem econômica e formação de quadrilha, pois, supostamente, utilizavam-se de artifícios para inibir a concorrência, com a finalidade de manter o preço dos combustíveis na cidade de Bauru-SP em patamares idênticos. Impetrado habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, sob alegação de que a Justiça Federal seria absolutamente incompetente para processar e julgar aquela suposta infração penal, a ordem foi concedida, declinando-se, conseqüentemente, a competência em favor da Justiça Estadual. Os autos foram, então, distribuídos ao Juízo da 3.ª Vara Criminal de Bauru-SP. Após, o representante do Ministério Público Estadual ratificou os termos da denúncia então oferecida pelo Ministério Público Federal, a qual fora recebida pelo mencionado Juízo de direito. Inconformada, a Defesa impetrou o writ originário, buscando o reconhecimento da nulidade do processo, uma vez que a denúncia estaria lastreada, precipuamente, em material probatório decorrente da quebra de sigilo telefônico decretada por Juiz absolutamente incompetente. Denegada a ordem, foi impetrado o presente habeas corpus, onde os Impetrantes repisam as alegações da impetração originária, no sentido de que a escuta telefônica realizada durante o inquérito policial fora realizada por determinação de autoridade incompetente, tornando ilícita a prova. O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 81/82. As judiciosas informações foram prestadas às fls. 86/87, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 147/150, opinando pela denegação da ordem. É o relatório.
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora): Não assiste razão aos Impetrantes. As investigações realizadas na fase inquisitorial, quando se procedeu à interceptação telefônica, foram conduzidas de forma regular, obedecendo-se ao disposto na Lei n.º 9.296/96, pelo Juiz até então competente. O fato de se ter declinado, posteriormente, a competência, do Juízo Federal para o Estadual, não invalida a prova colhida na fase policial, pois, repita-se, até aquele momento o Juízo Federal detinha poder jurisdicional para decidir sobre a quebra do sigilo telefônico, conforme dispõe a Lei n.º 9.296/96. Não há falar, portanto, em nulidade da prova por incompetência em razão da matéria, ou ausência de poder jurisdicional, do Juiz Federal responsável pelo acompanhamento do inquérito policial. De igual modo, não há falar em violação ao art. 1o da Lei 9.296/96. O Supremo Tribunal Federal já enfrentou a questão suscitada pelo recorrente quando do julgamento do Habeas Corpus n.º 81260/ES, cujo Relator foi o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em acórdão publicado no DJ de 19/04/2002. Confira-se a ementa do julgado: “EMENTA: I. (...).IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do “juiz competente da ação principal“ (L. 9296/96, art. 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da L. 9296/96: só ao juiz da ação penal condenatória - e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais , a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a ordem judicial de interceptação - não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia, eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal - aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão - que, posteriormente, se haja declarado incompetente , à vista do andamento delas“. No mesmo sentido, os seguintes precedentes desta Corte: “CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. HOMICÍDIO. QUADRILHA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELO JUÍZO ESTADUAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO FEDERAL. NÃO-INVALIDAÇÃO DA PROVA COLHIDA. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. PERICULOSIDADE DO AGENTE. RAZÕES DO DECRETO RATIFICADAS PELO JUÍZO COMPETENTE. EXCESSO DE PRAZO. FEITO COMPLEXO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTO. TRÂMITE REGULAR. DEMORA JUSTIFICADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALHAS NÃO-VISLUMBRADAS. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE E DA DIVISIBILIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÕES DE CERCEAMENTO DE DEFESA. OMISSÃO DO ACÓRDÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. Não procede o argumento de ilegalidade da interceptação telefônica, se evidenciado que, durante as investigações pela Polícia Civil, quando se procedia à diligência de forma regular e em observância aos preceitos legais, foram obtidas provas suficientes para embasar a acusação contra o paciente, sendo certo que a posterior declinação de competência do Juízo Estadual para o Juízo Federal não tem o condão de, por si só, invalidar a prova até então colhida. [...] Ordem denegada.“ (HC 27119/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 25/08/2003.) “CRIMINAL. RHC. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA EMBASADA EM MATERIAL PRODUZIDO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO CONDUZIDO PELO PARQUET. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZ DA CENTRAL DE INQUÉRITO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. RECURSO DENEGADO. [...] V. Quando a interceptação telefônica constitui medida cautelar, no curso da investigação criminal, a exigência de que a autorização seja feita pelo juiz competente da ação principal deve ser entendida e aplicada com temperamento, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça. Precedente do STF. [...] IX. Recurso desprovido.“ (RHC 15128/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 07.03.2005) Portanto, quando a interceptação telefônica constitui medida cautelar, no curso da investigação criminal, como no caso dos autos, a exigência de que a autorização seja feita pelo juiz competente da ação principal deve ser entendida e aplicada com temperamento, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça. Verifica-se, então, que, na hipótese, a prova decorrente da interceptação telefônica se mostra lícita, porquanto deferida, atendendo representação feita pelo Ministério Público, por Autoridade Judicial competente até então, de maneira fundamentada e em observância às exigência legais. Diante do exposto, DENEGO a ordem. É como voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELO JUÍZO FEDERAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO ESTADUAL. NÃO-INVALIDAÇÃO DA PROVA COLHIDA. 1. Não se mostra ilícita a prova colhida mediante interceptação telefônica, se evidenciado que, durante as investigações pela Polícia Federal, quando se procedia à diligência de forma regular e em observância aos preceitos legais, foram obtidas provas suficientes para embasar a acusação contra os Pacientes, sendo certo que a posterior declinação de competência do Juízo Federal para o Juízo Estadual não tem o condão de, por si só, invalidar a prova até então colhida. Precedentes do STF e do STJ. 2. Ordem denegada.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 11 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento)
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