Habeas Corpus Nº 72.537/sp

Crime ocorrido antes da publicação da Lei 9099/95. Suspensão condicional do processo. Cabimento. Norma de caráter material e processual. Suspensão do prazo prescricional. Impossibilidade de se aplicar parcialmente o instituto. Prescrição da pretensão punitiva estatal. Inocorrência.

Rel. Min. Laurita Vaz


RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, sem pedido liminar, impetrado em favor de JOSÉ GOMES DA SILVA e MARIA LUCI MARQUES, condenados pela prática do crime de estelionato, contra acórdão denegatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Infere-se dos autos que, por fatos ocorridos em 15 de março de 1993, o Juízo processante recebeu, em 18 de maio de 1994, a denúncia ministerial imputando aos Pacientes a prática do delito tipificado no art. 171, caput, do Código Penal. Suspenso o processo de 12 de fevereiro de 1996 até 27 de agosto de 1997, com base no art. 89, § 1º, da Lei n.º 9.099/95, o benefício foi revogado, vez que não se localizou os acusados para o início do cumprimento das condições. Assim, por sentença prolatada no dia 22 de outubro de 1998, os Pacientes foram condenados às penas de 01 ano de reclusão, em regime aberto, e 10 dias-multa, concedido o sursis pelo prazo de 02 anos. A condenação transitou em julgado. Em atendimento à promoção do Parquet , em 22 de novembro de 2004, os apenamentos foram julgados extintos, pela ocorrência da prescrição da pretensão executória. Em face dessa decisão, a Defesa impetrou a ordem originária, pugnando pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, sob a alegação de ter transcorrido entre o recebimento da denúncia e a sentença condenatória lapso temporal superior a quatro anos, o que seria suficiente para a extinção da punibilidade pretendida. A Corte a quo, todavia, denegou a ordem. Repisando os argumentos da ordem originária, a Impetrante almeja, na presente oportunidade, a modificação do motivo do decreto judicial extintivo, porquanto, segundo alega, embora se tenha declarado a suspensão condicional do processo, nos termos da Lei n.º 9.099/95, não houve a suspensão da lapso prescricional. Afirma que, por se tratar de norma de direito material, evidentemente mais gravosa, a suspensão do prazo prescricional não pode ser aplicada aos Pacientes, uma vez que os crimes ocorreram antes da entrada em vigor da Lei n.º 9.099/95. As judiciosas informações foram prestadas às fls. 69/111, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 113/115, opinando pela concessão da ordem, em parecer assim ementado: “Processual Penal. Habeas Corpus. Estelionato. Fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n.º 9.099/95. Óbice à aplicação do seu art. 89, § 6º, que determina a suspensão do prazo prescricional em decorrência da suspensão do processo. Caráter nitidamente material da norma. Aplicação do princípio da irretroatividade de Lei Penal prejudicial ao acusado. Ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. Parecer pela concessão do writ.“ É o relatório.

 
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
Não assiste razão ao Impetrante. O Tribunal a quo, denegando a ordem originária, não reconheceu a prescrição da pretensão punitiva estatal porque entendeu que “o período em que o processo permaneceu suspenso, nos termos do art. 89 da Lei n.º 9.099/95, não pode ser computado no lapso prescricional. Há previsão expressa nesse sentido, que não pode agora ser desconsiderada. Mesmo porque, os próprios pacientes de seus defensores concordaram com a incidência dos dispositivos da Lei dos Juizados Especiais Criminais na ação penal enfocada no writ, quanto aceitaram ab initio, o benefício da Lei Especial“ (fl. 111). A Douta Subprocuradoria-Geral da República, por sua vez, opinou no sentido de que “o § 6º do art. 89 da Lei n.º 9.099/95 possui nitidamente caráter de direito material, pois se trata de matéria atinente à prescrição, sendo assim, não poderia retroagir para prejudicar o réu“ (fl. 115). Pois bem, cumpre ressaltar, inicialmente, que é pacífica a jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a aplicabilidade da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9099/95, aos crimes cometidos antes de sua vigência, uma vez que, embora possua características eminentemente processuais, a medida é de caráter despenalizador, enquadrando-se no conceito de lex mitior. Por todos, o seguinte precedente: “RECURSO ESPECIAL - LESÕES CORPORAIS LEVES - LEI NUM. 9.099/95 - ART. 76 E 89 - APLICAÇÃO RETROATIVA. 1. HÁ DE SE APLICAR, RETROATIVAMENTE, AS DISPOSIÇÕES DE CARATER MATERIAL DA LEI NUM. 9.099/95, TAIS AS QUE DIZEM RESPEITO A PUNIBILIDADE. 2. NESSE ASPECTO, RESSAEM OS COMANDOS INSERTOS NOS ARTS. 76 E 89 DO REFERIDO DIPLOMA, IMPONDO-SE, DESTARTE, A BAIXA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM, PARA QUE ALI SEJAM IMPLEMENTADAS AS PROVIDÊNCIAS INDICADAS NOS DISPOSITIVOS EM REFERÊNCIA. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.“ (REsp 122.239/RS, 6ª Turma, Rel. Min. ANSELMO SANTIAGO, DJ de 04/05/1998.) De outro lado, é preciso considerar que, como esta norma possui caráter processual e material, vedada sua aplicação apenas em parte, cindindo seu conteúdo. Com efeito, não se pode aplicar apenas parte da norma, excluindo dispositivo que seja, em tese, mais gravoso ao acusado, sob pena de esvaziar a efetividade do instituto. Frise-se que a suspensão do prazo prescricional, trazida pelo art. 89 da Lei n.º 9.099/95, é conseqüência da suspensão condicional do processo, instituto, sabidamente, mais benéfico ao acusado. Entender que, quando os crimes houverem sido cometidos antes da edição da Lei dos Juizados Especiais, o prazo prescricional não se interrompe durante o período da suspensão do processo, contraria o espírito da norma, visto que torna quase certa a prescrição. Afinal, basta o denunciado aceitar o benefício e furtar-se ao cumprimento das condições, com na espécie, para que se torne inviável prolatar um decreto condenatório antes de transcorrido o lapso prescricional. Ora, o tempo em que o processo fica suspenso equivale ao prazo prescricional estabelecido para os crimes em que é cabível o benefício: 02 anos, na maioria das vezes, ou, no máximo, 04 anos, considerando-se a pena mínima aplicada à conduta criminosa. Essa, com certeza, não foi a intenção do legislador. A Lei n.º 9.099/95 visa, com base nos critérios da oralidade, simplicidade e informalidade, dar celeridade aos procedimentos criminais como forma, justamente, de viabilizar a aplicação da lei penal aos casos em que, pela pena reduzida, o procedimento previsto no Código de Processo Penal não se apresentava adequado à aplicação da justiça. Assim, ao contrário do parecer ministerial, entendo que a pretensão punitiva estatal não foi atingida pela prescrição na espécie, porque, como entendeu o acórdão impugnado, deve-se excluir do cálculo prescricional, o período no qual o processo esteve suspenso, nos exatos termos do art. 89 da Lei n.º 9.099/95. Ante o exposto, DENEGO a ordem. É o voto.

 
EMENTA -
HABEAS CORPUS . PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME OCORRIDO ANTES DA PUBLICAÇÃO DA LEI N.º 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CABIMENTO. NORMA DE CARÁTER MATERIAL E PROCESSUAL. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE APLICAR PARCIALMENTE O INSTITUTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. INOCORRÊNCIA. 1. Embora possua características eminentemente processuais, a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9099/95, é medida de caráter despenalizador, enquadrando-se no conceito de lex mitior, aplicável, portanto, aos crimes cometidos antes de sua vigência. 2. Tratando-se de norma de caráter processual e material, vedada sua aplicação apenas em parte, cindindo seu conteúdo, sob pena de esvaziar a efetividade do instituto. 3. A pretensão punitiva estatal não foi atingida pela prescrição, porque se deve excluir do cálculo prescricional o período no qual o processo esteve suspenso, nos exatos termos do art. 89 da Lei n.º 9.099/95. 4. Ordem denegada.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Felix Fischer e Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 13 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento)


 

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