Habeas Corpus Nº 56.416/rj

Pena privativa de liberdade (inferior a 4 anos). Maus antecedentes (não-ocorrência). Substituição da pena (possibilidade).

Rel. Min. Nilson Naves


EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:
Em 29.3.06, assim deferi, nestes autos, o pedido de liminar: “Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de Amarílio de Souza Lima Rocha. Processado por infração dos arts. 5º da Lei nº 7.492/86 e 340 do Cód. Penal, em concurso material, foi o paciente condenado, em primeiro grau, a 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão no regime semi-aberto e a 30 (trinta) dias-multa, não sendo substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos dizeres do magistrado, porque 'os antecedentes e a culpabilidade dos acusados impedem a benesse legal'. Irresignado, apelou ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que confirmou tal entendimento, ao fundamento de que 'a benesse alternativa da Lei nº 9.714/98 só fazem jus aqueles que preencham, simultaneamente, todos os requisitos elencados no art. 44 do Código Penal. In casu, os apelantes não satisfazem, conforme precisamente anotado em a r. sentença de primeiro grau, aqueles constantes do inciso III da referida norma, a tornar inviável a pretendida substituição'. Impetrado habeas corpus aqui no Superior Tribunal, eis o que requer, liminarmente, a impetrante: 'Diante do exposto, requer seja concedida liminar ao paciente a fim de que aguarde em liberdade o julgamento do mérito, expedindo salvo conduto, e ao final seja concedida ordem de habeas corpus , confirmando a liminar, determinando-se que o regime de pena seja o restritivo de direito, anulando assim a decisão monocrática.' 2. Tal o pedido, defiro a liminar a fim de sustar o cumprimento do mandado de prisão, devendo o paciente permanecer em liberdade até o julgamento deste habeas corpus.“ Recebi parecer da Subprocuradora-Geral Helenita Caiado, de conclusão seguinte: “7. In casu, o impetrante sustenta que inexistem antecedentes criminais que subsidie a vedação da substituição da pena corpórea por pena restritiva de direitos. 8. Ocorre que a aludida substituição não está somente fundada nos antecedentes criminais do paciente, mas também na sua culpabilidade; culpabilidade esta similar à insculpida no art. 59 do Código Penal, a qual deve ser entendida como o grau de reprovabilidade da conduta delitiva. 9. Veja-se a sentença condenatória (fls. 12/20) confirmada pelo aresto atacado (fls. 21/28) -, verbis : Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela denegação da ordem.“ É o relatório.

 
VOTO - EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR):
Se os réus estavam em liberdade – em liberdade, apelaram da sentença condenatória –, em liberdade haveriam, então, de permanecer, daí a liminar por mim foi concedida. Trata-se de condenação fundada nos arts. 5º da Lei 7.492/86 e 340 do Cód. Penal, e disse o Juiz da sentença que Amarílio, o ora paciente, “... possui antecedentes criminais (fls. 79 e 115/116) já que várias pessoas teriam sido lesadas por procedimento similar ao que foi apurado nestes autos e, ainda, que sua culpabilidade foi intensa, posto que possuía perfeito conhecimento da ilicitude de sua conduta e, tinha plenas condições de determinar sua atuação de forma regular e lícita e, ainda, que as conseqüências do crime foram sérias posto que além de afrontar a segurança e credibilidade do sistema financeiro nacional o acusado ainda causou, de forma reflexa, ofensa ao patrimônio de particulares e também à honra alheia, entendo necessário e suficiente para a repressão e prevenção da prática do crime fixar a pena-base acima do mínimo legal, fazendo-o em 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 30 (trinta) dias-multa, cada um deles no valor de 3 (três) salários mínimos vigentes na data dos fatos, atualizados, considerando a situação financeira confortável do réu para o delito do artigo 5º da Lei nº 7.492/86 e em 3 (três) meses para o delito do artigo 340 do CP. À míngua de outros moduladores legais, torno a pena-base definitiva. Nos termos do artigo 69 do CP, somo as duas penas atingindo, dessarte, a pena definitiva de 3 (três) anos e 9 (nove) meses e 30 (trinta) dias-multa, no valor já determinado acima. Fixo o regime semi-aberto par ao cumprimento da pena, considerando a análise das circunstâncias judiciais procedida acima, que levaram-me a fixar a pena-base acima do mínimo legal, nos termos do artigo 33, § 3º, do CPB. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade imposta aos réus (artigos 43 e 44 do CPB com a redação dada pela Lei nº 9.714/98) posto que ausente a hipótese prevista no artigo 43, inciso III do Estatuto Repressivo, na forma já fundamentada acima, posto que os antecedentes e a culpabilidade dos acusados impede a benesse legal. Pelos mesmos motivos, deixo de suspender condicionalmente a pena (artigo 77 do CPB).“ Já no Tribunal Regional, o Relator, Feltrin Corrêa, disse o seguinte: “Por fim, no concernente à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, a insatisfação melhor sorte não merece. À benesse alternativa da Lei nº 9.714/98 só fazem jus aqueles que preencham, simultaneamente, todos os requisitos elencados no art. 44 do Código Penal. In casu, os apelantes não satisfazem, conforme precisamente anotado na r. sentença de primeiro grau, aqueles constantes do inciso III da referida norma, a tornar inviável a pretendida substituição.“ Tenho outra compreensão da espécie, que se me representa, ao contrário das decisões de origem, favorável à substituição da pena por restritivas de direitos. O fato de alguém responder a processo não significa que tenha maus antecedentes, porque só se considera a pessoa culpada após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Há precedentes, por exemplo, entre os por mim relatados, o HC-54.705, DJ de 30.10.06. Mas existem, na sentença, referências à culpabilidade do paciente e às conseqüências do crime. Aquela, talvez, porque “possuía perfeito conhecimento da ilicitude de sua conduta e, tinha plenas condições de determinar sua atuação de forma regular e lícita“, estas, quem sabe, porque teriam o poder de “afrontar a segurança e credibilidade do sistema financeiro nacional“. Creio que as conseqüências apontadas pelo Juiz são próprias do objeto tutelado pela norma primária, o que conduz à constatação de que foram inadequadamente consideradas. Não creio, entretanto, tratar-se, um e outro, de fatos impeditivos da substituição, considerando que se cuida de pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos. Aliás, não se recomenda, tanto hoje quanto ontem, que se evite “a ação criminógena cada vez maior do cárcere“? Escrevi eu (HC-32.498, DJ de 17.12.04): “Ora, não são de hoje nem de ontem, mas de anteontem os apelos no sentido de que se deve, por uma série de razões de todos nós amplamente conhecidas, incentivar sejam adotadas sanções outras para os denominados delinqüentes sem periculosidade. Por exemplo, confiram-se os seguintes tópicos de três exposições de motivos: (I) 'Parece fora de dúvida que a gravidade da situação exige a imediata reformulação de alguns dispositivos legais, de modo a reservar o recolhimento a prisão para os criminosos de maior periculosidade, possibilitando aos estabelecimentos existentes dedicar-se com maior rigor àqueles cuja conduta representa mais acentuado perigo, quer para as pessoas, individualmente, quer para a sociedade, orientação que se coaduna com as recomendações de vários organismos internacionais' (Exposição de Motivos da Lei nº 6.416/77); (II) 'Esse questionamento da privação da liberdade tem levado penalistas de numerosos países e a própria Organização das Nações Unidas a uma 'procura mundial' de soluções alternativas para os infratores que não ponham em risco a paz e a segurança da sociedade' (Exposição de Motivos da nova Parte Geral do Cód. Penal); (III) 'O espírito que norteou a Reforma de 1984 continua presente nesta parte, principalmente quando reafirmamos que 'uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, com o meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para crimes de pequena e média gravidade, se assim considerar o juiz ser medida justa. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade'' (Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 3.473/00, que altera a Parte Geral do Cód. Penal). Então, se razão estritamente jurídica não houvesse, mas há, sem dúvida que há, razões de política criminal igualmente existem, ótimas e suficientes razões. Nos últimos dias – e isso já aconteceu em outros momentos, inclusive através de palavras minhas –, a imprensa escrita e falada dedicou páginas e páginas, palavras e palavras ao sistema prisional brasileiro, que passa, segundo as reportagens, 'por uma crise sem precedentes'. Confira-se, entre outras, a edição 316 da Revista Época, que constata, primeiro, que 'cerca de 30% da população prisional poderia estar cumprindo penas alternativas. A aplicação não chega, porém, a 10% dos casos, enquanto na Europa atinge 70%'; segundo, que 'a desorganização prolonga a estada de quem já podia ter saído da prisão'. Confira-se, também, o artigo de Janio de Freitas publicado na Folha de S. Paulo de 6.6.04, que afirma: 'No Brasil enraizou-se a idéia de que a cadeia é escola do crime. Será a cadeia? Ou a escola do crime é a sociedade que, por suas representações políticas e institucionais, cria e preserva condições das quais o ser humano é levado a sair como ser desumano, se ainda não o era depois das experiências precedentes?' Já disse, mais de uma vez, mais vale o Penal preventivo que o Penal repressivo; aliás, o agravamento das penas, por si só, não constitui fator de inibição da criminalidade. Estou entre aqueles que defendem a necessidade de um Direito Penal humanitário.“ Sendo eu, pois, favorável ao benefício, voto pela concessão da ordem para substituir a pena privativa de liberdade por (I) prestação de serviços à comunidade e (II) prestação pecuniária. Fica a cargo do Juiz da execução estabelecer o que for necessário para a implementação das restritivas de direitos. Estendo os efeitos ao outro réu, Luiz Waldeck Ozório. Conseqüentemente, fica sem efeito a liminar de 29.3.06.

 
EMENTA -
Pena privativa de liberdade (inferior a 4 anos). Maus antecedentes (não-ocorrência). Substituição da pena (possibilidade). 1. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere. 2. O simples fato de estar o paciente respondendo a outros processos criminais não implica a existência de antecedentes. Presume-se que toda pessoa não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 3. Ordem concedida com extensão ao co-réu, a fim de se assegurar a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, cuja implementação fica a cargo do Juiz das execuções.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, estendendo os efeitos ao outro réu, Luiz Waldeck Ozório, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Maria Thereza de Assis Moura e Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 27 de setembro de 2007 (data do julgamento).

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