Habeas Corpus Nº 96.567/sp

Execução penal. Crimes de tráfico e de associação eventual para o tráfico ilícito de entorpecentes. Abolitio criminis quanto à associação eventual para o tráfico. Causa especial de aumento do art. 18, inciso III (parte inicial) da Lei 6368/76 revogada pela Lei 11.343/06. Aplicação do princípio da retroatividade da Lei penal mais benéfica. Regime inicial fechado para o cumprimento da pena. Impropriedade. Inobservância do disposto no art. 33, § 2º, alínea C e § 3º do CP. Pedido de manutenção das decisões que deferiram as sucessivas progressões de regime prisional julgado prejudicado.

Rel. Min. Laurita Vaz


RELATÓRIO - A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relator):
Trata-se de habeas corpus , com pedido liminar, impetrado em favor de MATEUS MOREIRA GOMES, preso e condenado à pena de 4 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao dar provimento ao agravo em execução do Ministério Público, cassou a decisão que progrediu o Paciente para o regime aberto, determinando o seu retorno ao regime prisional semi-aberto. Informa o Impetrante que o Paciente, em 26 de dezembro de 2006, teve deferida sua progressão ao regime semi-aberto e, logo após o cumprimento de mais 1/6 de sua pena, obteve o benefício da progressão ao regime aberto em 1º de junho de 2007. Até o julgamento do Agravo em execução n.º 1.075.987.3/0-00, que cassou a decisão do Juízo das Execuções Criminais. O Impetrante alega, em suma, que a ordem anteriormente concedida nesta Corte Superior, no Habeas Corpus n.º 53.647/SP, de minha relatoria, a qual afastou o óbice à progressão carcerária do Paciente, “está se tornando sem efeito“ (fl. 04), vez que o Tribunal a quo “cassou seu direito adquirido, líquido e certo, da progressão ao regime mais brando “ (fl. 04). Requer, assim, liminarmente e no mérito, que seja cassada a decisão proferida pela Corte Paulista, em sede de agravo em execução. O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 26/27. As judiciosas informações foram prestadas às fls. 32/57, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 59/60, opinando pela CONCESSÃO da ordem. É o relatório.

 
VOTO - A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relator):
De início, compulsando os termos do acórdão condenatório, que deu provimento ao apelo ministerial para condenar o ora Paciente como incurso nas sanções do art. 12, caput, c.c. o art. 18, III, ambos da Lei n.º 6.368/76, vislumbra-se a ocorrência de ilegalidade flagrante a justificar a concessão da ordem de ofício. Verifica-se que, na terceira fase de individualização da pena, a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo elevou a reprimenda em 1/3, em face da majorante relativa à associação eventual do Paciente com a co-ré MARIA TERESA MOREIRA para o tráfico de entorpecentes, nos termos do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, que assim dispõe: “Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços): [...] III - se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação;“ (grifei) Vê-se, pois, que a nova legislação, Lei n.º 11.343/06, revogou expressamente o disposto na Lei n.º 6.368/76, definindo novos crimes e penas, não prevendo, em nenhum momento, a incidência de majorante na hipótese de concurso eventual para a prática dos delitos nela previstos. A propósito, confira-se a redação do art. 40 da Lei 11.343/06, ad litteratum : “Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.“ Nesse sentido, os seguintes precedentes: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 18, INCISO III, DA LEI Nº 6.368/76. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO. REVOGAÇÃO. LEI Nº 11.343/2006. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. A Lei nº 11.343/2006, que revogou expressamente a Lei nº 6.368/76, não prevê como causa de aumento de pena a associação eventual de agentes para o cometimento dos crimes nela previstos, o que demonstra o reconhecimento expresso por parte do legislador da insubsistência jurídico-penal da circunstância majorante insculpida no artigo 18, inciso III, da Lei nº 6.368/76. 2. Habeas corpus de ofício. Agravo regimental prejudicado.“ (AgRg no REsp 364.453/DF, 6.ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 25/06/2007.) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PLEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. ÓBICE AFASTADO. PEDIDO DE PROGRESSÃO QUE DEVERÁ SER EXAMINADO PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO ART. 18, INCISO III (PARTE INICIAL), DA LEI N.º 6.368/76 REVOGADA PELA LEI 11.343/06. ABOLITIO CRIMINIS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. [...] 3. Em se considerando que a causa especial de aumento pela associação eventual de agentes para a prática dos crimes da Lei de Tóxicos, anteriormente prevista no art. 18, inciso III (parte inicial), da Lei n.º 6.368/76, não foi mencionada na nova legislação, resta configurada, na espécie, a abolitio criminis, devendo, pois, ser retirada da condenação a causa especial de aumento respectiva, em observância à retroatividade da lei penal mais benéfica. [...] 6. Habeas corpus concedido de ofício, para excluir da condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente da associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.“ (HC 81.778/DF, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJ de 06/08/2007.) Dessa forma, como a causa especial de aumento pela associação eventual de agentes para a prática dos crimes da Lei de Tóxicos, anteriormente prevista no art. 18, inciso III (parte inicial), da Lei n.º 6.368/76, não foi mencionada na nova legislação, resta configurada, na espécie, a abolitio criminis , devendo, pois, ser retirada da condenação a causa especial de aumento respectiva, em observância à retroatividade da lei penal mais benéfica. Retirado o acréscimo equivalente a 1/3 pela majorante respectiva, fica a pena quantificada, definitivamente, em 03 anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, consoante o disposto no art. 33, § 2.º, alínea c, do Código Penal. Tendo em vista a alteração do regime inicial de cumprimento de pena para o aberto, ora promovida, resta prejudicada a impetração, em que se pretendia a manutenção das decisões que deferiram ao Paciente sua progressão para o regime prisional semi-aberto e, posteriormente, aberto. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do writ, mas CONCEDO habeas corpus DE OFÍCIO, com fulcro no art. 203, inciso II, do RISTJ, para excluir da condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente da associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, nos termos acima delineados, bem como para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente, mediante as condições a serem estabelecidas pelo juízo das execuções. Por se encontrar em idêntica situação, estendo as benesses à co-ré. É o voto.

 
EMENTA -
HABEAS CORPUS . PENAL. EXECUÇÃO PENAL. CRIMES DE TRÁFICO E DE ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ABOLITIO CRIMINIS QUANTO À ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO ART. 18, INCISO III (PARTE INICIAL), DA LEI N.º 6.368/76 REVOGADA PELA LEI 11.343/06. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. IMPROPRIEDADE. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, § 2.º, ALÍNEA C, E § 3.º DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DAS DECISÕES QUE DEFERIRAM AS SUCESSIVAS PROGRESSÕES DE REGIME PRISIONAL JULGADO PREJUDICADO. 1. Como a causa especial de aumento pela associação eventual de agentes para a prática dos crimes da Lei de Tóxicos, anteriormente prevista no art. 18, inciso III (parte inicial), da Lei n.º 6.368/76, não foi mencionada na nova legislação, resta configurada, na espécie, a abolitio criminis , devendo, pois, ser retirada da condenação a causa especial de aumento respectiva, em observância à retroatividade da lei penal mais benéfica, devendo a pena ser cumprida em regime aberto, consoante o disposto no art. 33, § 2.º, alínea c, do Código Penal. 2. Tendo em vista a alteração do regime inicial de cumprimento de pena para o aberto, ora promovida, resta prejudicada a impetração, em que se pretendia a manutenção das decisões que deferiram ao Paciente sua progressão para o regime prisional semi-aberto e aberto. 3. Habeas corpus não conhecido. Concedida a ordem de ofício para excluir da condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente da associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, bem como para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente, mediante as condições a serem estabelecidas pelo Juízo das execuções. Com extensão dos benefícios à co-ré.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido, concedendo “Habeas Corpus“ de ofício, com extensão à co-ré, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.“ Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 26 de fevereiro de 2008 (Data do Julgamento)

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