Conflito de competência. Desmatamento e queimada. Propriedade particular. Inexistência de autorização dos órgãos competentes. Área de proteção ambiental instituída por decreto federal. Competência da Justiça Federal.
Rel. Min. Paulo Gallotti
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: Versam os autos sobre conflito negativo de competência entre o Juiz Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais e o Juiz de Direito de Aiuruoca, naquele Estado, relativamente à ação penal instaurada contra Eduardo Mendes Vilela para apurar a suposta prática do delito referido no artigo 40 da Lei nº 9.605, de 12/2/1998, em razão dele ter sido surpreendido pela Polícia Militar promovendo queimada na “Fazenda Barro“, localizada dentro da Área de Proteção Ambiental da Mantiqueira, sem a devida autorização dos órgãos competentes. O Juiz de Direito, nos autos da exceção em apenso, acolhendo o parecer do Ministério Público Estadual (fls. 23/24), declinou de sua competência em favor da Justiça Federal (fl. 25). Por sua vez, também adotando parecer ministerial (fls. 32/35), o Juiz Federal disse não ser competente e devolveu os autos à Justiça Estadual, que os remeteu a esta Corte. A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela competência da Justiça Estadual. É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI (RELATOR): Inicialmente, tenho que o conflito deve ser conhecido. No mérito, observa-se que, a partir de 1998, com a edição da Lei nº 9.605/98, os delitos contra o meio ambiente passaram a ter disciplina própria, não se definindo contudo a Justiça competente para conhecer das respectivas ações penais, certamente em decorrência do contido nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, que estabelecem ser da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proteger o meio ambiente, preservando a fauna, bem como legislar concorrentemente sobre essas matérias. Resta, portanto, verificar, no caso, se o delito teria sido praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, a teor do disposto no artigo 109, IV, da Carta Magna, de forma a firmar ou não a competência da Justiça Federal. Nas hipóteses de crimes contra a flora, a competência será firmada analisando-se o tipo de área atingida pela ação considerada delituosa. Tratando-se de Áreas de Proteção Ambiental, impõe-se avaliar sua origem, pois, de acordo com Constituição Federal, a criação de espaços especialmente protegidos é competência comum atribuída a todos os entes federativos. Assim, se o ato de criação for federal, haverá o interesse da União, atraindo a competência da Justiça Federal; se for estadual ou municipal, será da Justiça Estadual a competência para a apreciação de possível crime ambiental. A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, regulamentadora do artigo 255, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, nos dá a definição de Áreas de Proteção Ambiental, constando de seu artigo 15: “Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. § 1º. A Área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou privadas. § 2º. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental. § 3º. As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade. § 4º. Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas as exigências e restrições legais. § 5º. A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgão públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.“ No caso, aponta-se a ocorrência, em tese, de degradação na Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira, criada através do Decreto Federal nº 91.304, de 3 de junho de 1985, atraindo a competência da Justiça Federal, não obstante privado o local dos fatos. Assim, meu voto é no sentido de declarar a competência da Justiça Federal.
EMENTA - PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESMATAMENTO E QUEIMADA. PROPRIEDADE PARTICULAR. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL INSTITUÍDA POR DECRETO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Tratando-se de Áreas de Proteção Ambiental, impõe-se avaliar sua origem, pois, de acordo com Constituição Federal, a criação de espaços especialmente protegidos é competência comum atribuída a todos os entes federativos. 2. Se o ato for de criação for federal, haverá o interesse da União, atraindo a competência da Justiça Federal; se for estadual ou municipal, será da Justiça Estadual a competência para a apreciação de possível crime ambiental. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juiz Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, o suscitante.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa, Arnaldo Esteves Lima, Nilson Naves, Felix Fischer e Hamilton Carvalhido. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Brasília (DF), 22 de fevereiro de 2006. (data do julgamento)
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