Execução penal. Crime hediondo cometido anteriormente à edição da Lei 11.464/2007. Vigência do entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal com referência à inconstitucionalidade do regime integralmente fechado. Progressão com o cumprimento de apenas 1/6 da pena no regime anterior. Inconstitucionalidade da retroatividade de norma prejudicial ao apenado.
Rel. Min. Jane Silva
RELATÓRIO - A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em benefício de MARCO AURÉLIO CÂNDIDO, por meio de procurador legalmente habilitado, no qual alegou suportar constrangimento ilegal exercido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Argumentou que foi condenado por crime hediondo cometido antes da edição da Lei 11.464/2007. Requerida a progressão para o regime semi-aberto, a benesse lhe foi indeferida em razão do entendimento segundo o qual os novos lapsos temporais previstos na novel legislação deveriam retroagir para alcançá-lo. Argüiu que, ante a declaração da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado pelo Supremo Tribunal Federal, a inovação é maléfica, não podendo retroagir. Deferida a liminar e dispensadas as informações (fl. 51), o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem (fls. 55/56). Em seguida, o Juízo de 1º Grau informou que, tendo em vista o deferimento da medida liminar e preenchidos os demais requisitos do artigo 112 da Lei de Execução Penal , foi concedida a almejada progressão ao paciente (fls. 58/63). É o relatório. Em mesa para julgamento.
VOTO - A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em benefício de MARCO AURÉLIO CÂNDIDO, por meio de procurador legalmente habilitado, no qual alegou suportar constrangimento ilegal exercido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Argumentou que foi condenado por crime hediondo cometido antes da edição da Lei 11.464/2007. Requerida a progressão para o regime semi-aberto, a benesse lhe foi indeferida em razão do entendimento segundo o qual os novos lapsos temporais previstos na novel legislação deveriam retroagir para alcançá-lo. Argüiu que, ante a declaração da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado pelo Supremo Tribunal Federal, a inovação é maléfica, não podendo retroagir. Verifiquei cuidadosamente as razões apresentadas pelo impetrante e, ao compará-las com a decisão ora impugnada, com as informações prestadas e com os documentos acostados aos autos, vejo que devo acolher sua pretensão. Segundo Guia de Recolhimento de fls. 10/11, o paciente foi condenado a sete anos de reclusão, em regime fechado, pela prática do crime previsto no artigo 213 do Código Penal. Consta que o crime foi praticado em 10 de janeiro de 2004. Cópias da denúncia (fls. 12/13) e da sentença condenatória (fls. 14/19) confirmam esses dados. Pleiteada a progressão para o regime semi-aberto, o Juízo da Execução Penal a indeferiu, ao entendimento de que, em se tratando de crime hediondo, a progressão somente poderá ocorrer depois de cumpridos 2/5 da pena no regime anterior, porquanto à época da prática do crime se encontrava em vigor o regime integralmente fechado, sendo a novel legislação mais benéfica, devendo, pois, retroagir (fls. 35 e 37). A Corte a quo, em sede de agravo em execução, manteve, por maioria, esse entendimento (fls. 43/48). O impetrante pretende a cassação do acórdão e da decisão de 1º Grau a fim de se considerar que o requisito objetivo para a progressão no caso em apreço é aquele previsto no artigo 112 da Lei de Execução Penal, isto é, o cumprimento de um sexto da pena. De fato, razão lhe assiste integralmente, posto que a lei nova não pode retroagir para prejudicar o agente, sendo evidente o constrangimento que lhe impôs os Juízos de 1º e 2º Graus. Antes mesmo da edição da Lei 11.464/2007, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 82.959, já havia entendido perfeitamente possível a progressão do regime nos crimes hediondos, porque a sua impossibilidade feria o princípio da individualização das penas, a qual compreende a dos regimes de seu cumprimento. A referida decisão, consoante disposição daquele Sodalício, alcançou não só o caso que se examinava, mas todas as penas ainda em execução, sendo que tal alcance foi tomado por unanimidade, passando os senhores Ministros a retirar o óbice por simples decisão monocrática, não mais levando tal matéria ao exame em plenário de julgamento, posicionamento que também passou a ser feito neste Superior Tribunal de Justiça. A Lei 11.464/2007 adaptou a Lei dos Crimes Hediondos à decisão do Pretório Excelso, todavia, criou novos parâmetros para a progressão. No entanto, os novos limites não alcançam os crimes cometidos anteriormente à sua edição, que permanecem sob a regência dos limites determinados outrora para a progressão de regime, dispostos no artigo 112 da Lei de Execução Penal, sob pena de se ferir o preceito constitucional que determina a irretroatividade da norma maléfica em relação aos delitos cometidos anteriormente à sua vigência. No caso em exame, o delito foi cometido antes da vigência da Lei 11.464/2007, consoante Guia de Recolhimento de fls. 10/11, logo, para fim de progressão de regime não são aplicáveis os novos prazos ali determinados, mas sim o cumprimento de um sexto da pena privativa de liberdade no regime anterior, desde que obedecidos os demais requisitos legais. Saliente-se que a questão já é pacífica neste Superior Tribunal de Justiça, o mesmo ocorrendo no Supremo Tribunal Federal, consoante os seguintes precedentes: HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. PRISÃO: REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO: PROGRESSÃO. PRECEDENTES. DEFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO DO PEDIDO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA GARANTIR AO PACIENTE NOVA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE PROGRESSÃO. 1. Deficiência da instrução do pedido por inexistência da comprovação de que, na impetração dirigida ao Superior Tribunal de Justiça, tenha sido requerido o direito de progressão nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal motivo que inviabiliza o conhecimento da presente impetração. 2. No mérito, a Lei n. 11.464/07 – no ponto em que disciplinou a progressão de regime – trouxe critérios mais rígidos do que os anteriormente estabelecidos na Lei de Execução Penal, vigente à época do fato. Não se aplica o cumprimento da pena imposta pelos critérios da Lei n. 11.464/07, o que significaria afronta ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5º, inc. XL, da Constituição da República e art. 2º do Código Penal). 3. Habeas corpus concedido de ofício para garantir ao Paciente que o Juízo das Execuções aprecie novamente o pedido de progressão de regime lá formulado. (STF – HC 91.631/SP – Relator: Ministra Cármen Lúcia – Primeira Turma – DJ de 09.11.2007, p. 426). (Grifo nosso). PENAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS . CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO. POSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 DECLARADA PELO STF. APLICAÇÃO DO PRAZO ESTABELECIDO NO ART. 112 DA LEP. LEI Nº 11.464/07. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. APLICAÇÃO RESTRITA AOS CASOS OCORRIDOS APÓS SUA VIGÊNCIA. I - O Plenário do Pretório Excelso, no julgamento do HC 82.959/SP, concluiu que a norma contida no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime para os condenados por crimes hediondos, era inconstitucional. E, a partir dessa decisão, tomada em sede de controle difuso de constitucionalidade, tanto o Supremo Tribunal Federal, como a Terceira Seção desta Corte, passaram a não mais admitir a aplicação da norma contida no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. II - Impende ressaltar que, nesses casos, uma vez afastada a aplicação desta norma, voltou a regular a hipótese, mesmo em se tratando de crime hediondo, o art. 112 da LEP, que prevê, como requisito objetivo para a progressão de regime, o cumprimento de um sexto (1/6) da pena. III - Destarte, estabelecido o confronto entre a Lei nº 11.464/07 e a regra prevista na LEP, verifica-se que a novel legislação estabeleceu prazos mais rigorosos para a progressão prisional, não podendo, dessa forma, ser aplicada aos casos anteriores à sua vigência. Ordem concedida. (STJ – HC 85.528/SP – Relator: Ministro Felix Fischer – Quinta Turma – DJ de 17.12.2007, p. 256). AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 263 DO RISTJ. DEFENSORIA PÚBLICA. PRAZO EM DOBRO. FÉRIAS FORENSES. PRORROGAÇÃO. TEMPESTIVIDADE. DECISÃO QUE DEFERE PEDIDO DE EXTENSÃO. OMISSÃO. LEI N.º 11.464/07. LAPSOS TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. IRRETROATIVIDADE. EMBARGOS ACOLHIDOS. 1. O prazo para a interposição de embargos de declaração, de acordo com o art. 263 do RISTJ, é de dois dias, contados em dobro quando forem opostos pela Defensoria Pública, nos termos da Lei n.º 1.060/50. 2. In casu, é de se reconhecer a tempestividade dos embargos opostos, tendo em vista que o termo final do prazo ocorreu no período de férias forenses, quando os prazos processuais encontravam-se suspensos, restando prorrogado para o primeiro dia útil subseqüente. 3. A Lei n.º 11.464/07, apesar de banir expressamente a vedação ao cumprimento progressivo da pena, estabeleceu lapsos temporais mais gravosos para os condenados pela prática de crimes hediondos alcançarem a progressão de regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira novatio legis in pejus, cuja retroatividade é vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março de 2007. 4. Agravo regimental provido para acolher os embargos declaratórios, para afastar a incidência dos lapsos temporais previstos na Lei n.º 11.464/07, devendo o juízo das execuções criminais analisar os requisitos objetivos e subjetivos do paciente e do co-réu para a obtenção da progressão de regime de acordo com o regramento do art. 112 da Lei de Execuções Penais. (STJ – AgRg nos EDcl no PExt no HC 79.072/MS – Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura – Sexta Turma – DJ de 15.10.2007, p. 358). Por fim, note-se que esse entendimento restou vencido no acórdão prolatado pela Corte Mineira (fls. 43/48). O eminente Desembargador Fernando Starling, cujas brilhantes decisões vem sendo reiteradamente elogiadas perante este Superior Tribunal de Justiça, se posicionou no sentido de que os novos patamares para a progressão de regime aos condenados por crimes hediondos ou assemelhados não podem retroagir, por esbarrar na garantia constitucional prevista no artigo 5º, XL da Carta Magna, entendimento este, como visto, encampado pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte. Ante tais fundamentos, ratificando a liminar anteriormente deferida, concedo a ordem impetrada para reconhecer que o requisito objetivo para a progressão de regime no caso em questão é aquele previsto no artigo 112 da Lei de Execução Penal. É como voto.
EMENTA - EXECUÇÃO PENAL – CONSTITUCIONAL – HABEAS CORPUS – CRIME HEDIONDO COMETIDO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI 11.464/2007 – VIGÊNCIA DO ENTENDIMENTO ESPOSADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REFERÊNCIA À INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO – PROGRESSÃO COM O CUMPRIMENTO DE APENAS UM 1/6 DA PENA NO REGIME ANTERIOR – INCONSTITUCIONALIDADE DA RETROATIVIDADE DE NORMA PREJUDICIAL AO APENADO – ORDEM CONCEDIDA, RATIFICANDO-SE A LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA. 1. Após o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, é permitida a progressão de regime para apenados por crimes hediondos ou equiparados. 2. A decisão do Tribunal Maior atingiu todas as penas em execução e as que viessem a ser impostas por crimes cometidos sob a vigência da Lei 8.072/1990. 3. Os novos prazos para progressão de regime não se aplicam aos crimes cometidos antes da edição da Lei 11.464/2007, posto que não se admite a retroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu (artigo 5º, XL da Constituição da República). 4. Se o crime hediondo foi cometido antes da Lei 11.464/2007, a progressão de regime de cumprimento da pena se faz depois de efetivamente cumprido um sexto da punição privativa de liberdade no regime anterior, desde que presentes os demais requisitos objetivos e subjetivos. Precedentes do STF e do STJ. 5. Ordem concedida, ratificando-se a liminar anteriormente deferida.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 06 de março de 2008.(Data do Julgamento)
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