Acr – 9760/pb – 2006.82.01.002033-0

Penal e processual penal. Apelação criminal. Crime de peculato-desvio (cp, art. 312). Comunicabilidade da condição de funcionário público (cp, art. 327) do autor às Coautoras (cp, art. 30). Cerceamento de defesa. Inexistência. Ausência de Comprovação de prejuízo à defesa. Autoria, coautoria e materialidade delitivas Comprovadas. Dosimetria. Higidez. Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Possibilidade. Circunstâncias judiciais desfavoráveis aos acusados (cp, art. 59). Individualização da pena. Observância aos comandos legais. Nulidade da sentença. Inocorrência. Sentença condenatória. Confirmação. 1- Instrução criminal que positivou que o acusado ROMUALDO SIMÕES BEZERRA, investido no Cargo Comissionado de Secretário de Saúde do Município de Teixeira/PB, no período compreendido entre 04/06/2004 a 01/07/2004 (fls. 978, 981/982), quando foi substituído por Francisco Carlos Elias de Oliveira e que, após sua exoneração, por lapso burocrático dos funcionários da Agência n.º1156-8, do Banco do Brasil S.A., referido acusado permaneceu dispondo do cartão de autógrafo de Ordenador de Despesas da Secretaria de Saúde. Valendo-se dessa condição, utilizou-se de diversos artifícios fraudulentos para induzir em erro os funcionários da Agência e desviar, em seu próprio proveito e em benefício de terceiros (as coautoras e também apelantes MARIA DO SOCORRO MARQUES JERÔNIMO, sua companheira, MARIA MADALENA DE SOUZA LEITE, servidora da Secretaria Municipal de Saúde à época dos fatos objeto da denúncia e MARIA DOS ANJOS DE SOUZA LEITE, irmã da anterior) recursos que eram destinados ao financiamento de programas da saúde pública do Município, tendo restado demonstrado, nos presentes autos, ter ele se apropriado, pelo menos, do montante de R$ 6.505,15 (seis mil, quinhentos e cinco reais e quinze centavos), bem como ter desviado em favor de sua companheira MARIA DO SOCORRO MARQUES JERÔNIMO o montante de R$ 10.566,28 (dez mil, quinhentos e sessenta e seis reais e vinte e oito centavos). 2- O acesso aos processos de pagamentos foi facilitado porque ato contínuo à sua exoneração do cargo que ocupava na pasta da Saúde, foi nomeado para o Cargo Comissionado de Tesoureiro do Município, possuindo vasta experiência no manejo de contas públicas. 3-O resultado das investigações indicam, mais, que o esquema de desvio foi posto em execução nos meses de julho a dezembro de 2004, por meio de emissão de cheques e recibos contendo falsas assinaturas dos favorecidos, ancorados em notas de empenho fictícias, destinadas a pagamento de supostos credores: fornecedores, prestadores de serviços, etc. Em suma, despesas que deveriam ser utilizadas nas diversas ações de promoção de saúde pública desenvolvida pela Secretaria de Saúde do Município. 4- A materialidade delitiva está comprovada em virtude do colacionado no procedimento administrativo nº 1.24.001.000086/2005-996 - apenso I), bem como o Relatório Final elaborado pelos membros da CPI instaurada no âmbito da Câmara Municipal de Teixeira/PB (fls.1.942/2.012 - apenso I - volume 8), bem como os extratos bancários, recibos e cheques acostados (fls.1.756/1.930 - Apenso I - volume 6). 5-Referidos documentos comprovam que os desvios atingiram recursos federais do SUS repassado à edilidade de Teixeira/PB, por meio de transferências inidôneas. Os acusados receberam em suas contas bancárias valores desviados de forma indevida, que tinham por fim, a princípio, a utilização legítima em programas de saúde pública daquela municipalidade. 6-Autoria delitiva demonstrada. Sentença recorrida que registra, em planilha explicativa (fls.1.796/1.770 - volume 10), dados atinentes às notas de empenho destinadas ao pagamento de credores e beneficiários dos programas de saúde do Município e que tiveram os cheques desviados pelo apelante ROMUALDO SIMÕES (referidas tabelas - fls.1.750/1.751 - demonstram que, do cotejo dos extratos bancários das contas correntes titularizadas pelo Réu ROMUALDO e pela corré MARIA DO SOCORRO, e dos valores desviados da Secretaria Municipal de Saúde, verifica-se que os créditos efetuados nas contas correntes do réu ROMUALDO direcionam aos mesmos valores desviados e em mesmas datas ou muito próximas daquelas em que foram emitidos os cheques. 7-O favorecimento da Ré MARIA DO SOCORRO MARQUES JERÔNIMO com depósitos oriundos dos referidos cheques foi confirmada pelo Banco do Brasil S.A. em resposta a ofício da Câmara Municipal de Teixeira (fls. 1.666 e 1.678/1.680 do apenso 1). 8-Restou ainda comprovado que, desses recursos desviados pelo Réu ROMUALDO SIMÕES BEZERRA, pelo menos R$ 2.323,12 (dois mil, trezentos e vinte e três reais e doze centavos) o foram em benefício da Ré MARIA MADALENA DE SOUZA LEITE, agente administrativa do Município de Teixeira/PB (fls. 106/114 do apenso 2), em favor de quem foram emitidos os cheques 850345, 850368, 850678 e 850784, a despeito dos espelhos dos mesmos e das respectivas notas de empenho indicarem beneficiários diversos, conforme anteriormente explicitado. 9-Conclusão de que a Ré MARIA MADALENA DE SOUZA LEITE tinha ciência de que os valores a ela repassados pelo Réu ROMUALDO SIMÕES BEZERRA eram oriundos de desvios de verbas do Município de Teixeira/PB. Quanto à Ré MARIA DOS ANJOS DE SOUZA LEITE, irmã da Ré MARIA MADALENA DE SOUZA LEITE, foi emitido em seu favor o cheque nº 850384 (fls. 355/356 do apenso 1), no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), em que pese no espelho do referido cheque constar como favorecida a Secretaria Municipal de Saúde (fl. 339 do apenso 1). O mencionado cheque estava vinculado às notas de empenho nº 4988, 4989, 4991 e 4992, destinadas a ações do programa de saúde (fls. 340, 344, 349 e 352 do apenso 1), sendo que a Ré MARIA DOS ANJOS DE SOUZA LEITE não tinha qualquer vínculo com a Prefeitura Municipal de Teixeira (fl. 106 do apenso 2). Restou evidenciado que o depósito do referido cheque em sua conta-corrente, conforme se depreende das seguintes provas: ofício do Banco do Brasil S.A. confirmando o depósito em apreço (fl. 1.666 do apenso 1); no verso do referido cheque consta a assinatura da mencionada Ré (fl. 342/343 do apenso 1); e o extrato da sua conta bancária indica o depósito de R$500,00 (quinhentos reais) cinco dias após a emissão do referido cheque (fl. 58 do apenso 2). 10-Em relação aos demais cheques apontados pelo MPF na inicial desta ação, embora sua real destinação não possa ser extraída dos autos, especialmente em razão de não constarem as cópias das vias originais de muitos deles, é de se concluir que foram igualmente desviados, posto terem restado comprovados os expedientes fraudulentos empregados pelo Réu ROMUALDO SIMÕES BEZERRA na emissão de cheques/notas de empenho relacionados aos recursos da Secretaria de Saúde do Município de Teixeira-PB, bem como em face dos depoimentos prestados pelas pessoas indicadas como beneficiárias dos referidos cheques, junto à Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no âmbito daquele Município, no sentido de que não receberam os aludidos valores, nem apuseram suas assinaturas nos respectivos recibos, e, em alguns casos, mesmo no sentido de que sequer prestaram o serviço discriminado nos empenhos, conforme se vê do Relatório constante às fls. 1.942/2.012 do apenso 1. 11-Muitos desses supostos beneficiários, mais especificamente, JOSÉ BEZERRA DE ARAÚJO FERREIRA (fls. 774/775), ALEXANDRE HENRIQUE SOUSA MELO BRANDÃO (fls. 776/777), MARIA DA SALETE LUCENA BATISTA (fls. 963/964), ANTÔNIO NOVO MONTEIRO (fl. 965), PEDRO DE ALCÂNTARA (fl. 967), VALDECI NUNES LACET FILHO (fls. 968/969), MARIA EUNICE DOS SANTOS DIMITRATOS (fls. 970/971), MARIA DA CRUZ NUNES DE OLIVEIRA (fls. 972/973), JOSÉ CORDEIRO NETO (fls. 974/975), RITA MARIA MENDES (fls. 976/977) e MARIA DAS NEVES ARAÚJO MARTINS (fl. 978), JOSÉ NUNES DE LIRA (fl. 979), foram ouvidos como testemunhas no presente feito e prestaram depoimento corroborando suas afirmações no sentido de que tiveram suas assinaturas falsificadas em muitos dos recibos emitidos pela Secretária de Saúde, e de que não teriam recebido os valores respectivos. 11- Confirmação do delito de peculato, previsto no art. 312 do CP, caracterizado no caso em apreço pelo desvio por funcionário público de dinheiro público de que tem a posse em razão do cargo em proveito próprio ou alheio, tanto em relação ao Réu ROMUALDO SIMÕES BEZERRA, como, nos termos do art. 29 do CP, em relação à Ré MARIA MADALENA DE SOUZA LEITE, também funcionária pública, e às Rés MARIA DOS ANJOS DE SOUZA LEITE e MARIA DO SOCORRO MARQUES JERÔNIMO, comunicando-se a estas duas últimas, nos termos do art. 30 do CP, a condição pessoal “funcionário público“, uma vez que elementar do crime de peculato. 12-Afasta-se a arguição das apelantes de cerceamento de defesa, tendo em vista que suas participações nos fatos delituosos foram demonstradas de forma clara e com base no arcabouço probatório coligido aos autos. Ação penal processada e arrimada nas normas constitucionais expressas acerca do due process of law. 13- Ausência de demonstração de quais provas (produzidas ou não, deferidas ou indeferidas) teriam trazido prejuízo às suas defesas. “Alegações genéricas de nulidade, desprovidas de demonstração do concreto prejuízo, não podem dar ensejo à invalidação da ação penal. É imprescindível a demonstração de prejuízo, pois o art. 563, do Código de Processo Penal, positivou o dogma fundamental da disciplina das nulidades - princípio do pas de nullité sans grief“ (STJ, HC 198.377/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 02/10/2013). 14- A fixação da pena-base acima do mínimo legal restou suficientemente fundamentada na sentença penal condenatória, em razão do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, inexistindo ilegalidade a ser sanada (Precedente do STJ). 15- Higidez na dosimetria da pena, que atendeu aos comandos do Artigo 59, 68 e 71 do Código Penal, revelando-se necessárias as apenações impostas ante o reclamo da sociedade em face deste tipo de crime contra a administração pública e aos próprios particulares lesados. Confirmação das penas impostas: (i)Romualdo Simões Barbosa pela prática do crime de peculato em continuidade delitiva (CP, Artigo 312 c/c 71) à pena de 10(dez) anos de reclusão, em regime fechado, e 290 dias-multa. Foi negada a substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos e facultado ao réu o direito de apelar em liberdade, visto inexistir motivo que justifique a prisão preventiva (CPP, Art. 312) [em relação a esse acusado, que teve pena mais gravosa foi ponderado a existência de circunstâncias judiciais razoavelmente desfavoráveis (culpabilidade, as circunstância ( tendo em vista o modus operandi por ele empregado na prática do crime, levado a cabo mediante a falsificação de assinaturas, notas de empenho, cheques e recibos), conseqüências do crime (de grau alto, considerando que foram desviados R$39.431,00 (trinta e nove mil, quatrocentos e trinta e um reais) de recursos da Secretaria Municipal de Saúde de Teixeira/PB e o porte dessa municipalidade). A pena-base (fixada em 5 anos) equivalente ao termo médio entre a pena mínima e o termo médio entre as penas máxima e mínima legais. Em face da continuidade delitiva foi majorada em 1/2 (metade), nos termos do art. 71 do CP, passando a dosá-la em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Como ocupava cargo em comissão (fls. 1.021/1.023 do apenso 1) quando da prática do delito em apreço, foi aplicada a causa de aumento (1/3) de pena prevista no §2º do art. 327 do CP, restando em definitivo em 10 (dez) anos de reclusão. (ii) Maria Madalena de Souza Leite pela prática do crime de peculato em continuidade delitiva (CP, Artigo 312 c/c 71) à pena de 03(três) anos e 06(seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 62 dias-multa. A pena de reclusão foi substituída por restritivas de direitos e facultado o direito de apelar em liberdade, visto inexistir motivo que justifique a prisão preventiva (CPP, Art. 312). (iii) Maria do Socorro Marques Jerônimo pela prática do crime de peculato em continuidade delitiva (CP, Artigo 312 c/c 71) à de 03(três) anos e 06(seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 62 dias-multa. A pena de reclusão foi substituída por restritivas de direitos e facultado o direito de apelar em liberdade, visto inexistir motivo que justifique a prisão preventiva (CPP, Art. 312); (iv) Maria dos Anjos de Souza Leite pela prática do crime de peculato (CP, Artigo 312 c/c 71) à de 02(dois) anos de reclusão, em regime aberto, e 10 dias-multa. A pena de reclusão foi substituída por restritivas de direitos e facultado o direito de apelar em liberdade, visto inexistir motivo que justifique a prisão preventiva (CPP, Art. 312). 16-Manutenção da sentença condenatória em todos os seus termos. 17-Apelação dos réus improvidas.

Rel. Des. Rogério Fialho Moreira

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