Penal. Apelação criminal. Envio de criança recém-nascida ao exterior. Art. 239, caput, Da lei 8.069/90. Autoria e materialidade. Comprovação. Atipicidade da conduta, Observância das formalidades da adoção, estado de necessidade e erro de proibição. Não reconhecimento. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Desclassificação Para o art. 237 do eca. Impossibilidade. Nulidade da sentença. Violação ao princípio do Juiz natural. Inocorrência. Princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Ofensa. Reconhecimento. Pena-base. Redução. Prescrição retroativa. Reconhecimento Ex officio. Extinção da punibilidade quanto a um dos acusados. 1- Trata-se de recursos de Apelação Criminal interpostos por MARIA DE FÁTIMA LEITE FERREIRA, MARIANGELA FERREIRA VELOSO e FERNANDO VELOSO DE OLIVEIRA JÚNIOR, contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara/PE que, julgando parcialmente procedente a ação penal, condenou os acusados às sanções de 07 (sete) anos e 11 (onze) meses, 05 (cinco) anos e 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão, respectivamente, a serem cumpridos em regime semi-aberto, pela prática do crime tipificado no artigo 239, parágrafo único, da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (tráfico internacional de criança), combinado com o artigo 29 do Código Penal. 2- Os recorrentes foram denunciados como incursos no art. 239, caput, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), por tentarem promover, no mês de julho de 1991, o envio de criança recém-nascida para o exterior. 3- Narra a exordial acusatória, em suma, que os recorrentes foram denunciados por tentarem promover o envio do neonato Luiz Felipe da Silva para o exterior, sendo adotado pelo casal de franceses Patrick Jean Pierre Bras e Claudie Lise Jacqueline Baray Bras, sem a observância das formalidades legais. 4- Autoria e materialidade delituosa comprovadas. Alegações de atipicidade da conduta e observância das formalidades legais da adoção afastadas. Excertos da sentença transcritos. 5- O juízo a quo fixou pena-base em montante igual ou superior a 6 (seis) anos de reclusão, donde se infere que, de fato, houve a aplicação indevida do parágrafo único, art. 239 do ECA, porquanto tal dispositivo, além de trazer pena mais gravosa, foi introduzido por lei promulgada em data posterior aos fatos delituosos (Lei nº 10.764, de 12.11.2003). Reconhecida a alegação de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Sentença que merece reforma neste ponto. 6- Diante do reconhecimento da condenação dos recorrentes nas sanções do art. 239, caput, do ECA, ao invés do parágrafo único do mesmo dispositivo legal, resta sem objeto a discussão da tese de nulidade da sentença por ausência de correlação entre a imputação e o veredicto. 7- Nos casos de convocação, licença, promoção ou de outro motivo que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de sentenciar o feito, por analogia (art. 3º do CPP), deverá ser aplicada a regra contida no artigo 132 do Código de Processo Civil, que dispõe que os autos passarão ao sucessor do magistrado, o que ocorreu no caso dos autos. Ofensa ao princípio da identidade física do juiz não reconhecida. Precedentes do STJ. 8- Não há que se admitir terem os acusados agido sob estado de necessidade porquanto a doença infecciosa da criança foi detectada quando esta já se encontrava na casa da recorrente MARIA DE FÁTIMA e em razão de o estado de saúde do recém-nascido ter se agravado, provavelmente por falta de cuidados adequados, colocando-o em situação de risco, que resultou em internação hospitalar. Excertos da sentença transcritos. 9- Tampouco merece acolhida a aventada ocorrência de erro de proibição porquanto, para uma advogada e Defensora Pública (MARIA DE FÁTIMA), um ex-bancário (FERNANDO VELOSO) e uma comerciante (MARIÂNGELA VELOSO), não se pode admitir a total ignorância acerca das formalidades exigidas num processo de adoção, diariamente veiculadas nos meios de comunicação. Ainda que os dois últimos não tenham familiaridade com o mundo jurídico, certamente, tinham ao menos noção da ilicitude de suas condutas. 10- Não se admite a aplicação do princípio da insignificância dadas as graves consequências da prática delituosa em foco, a uma, por expor a risco a saúde da criança; a duas, por expor a idoneidade e credibilidade das instituições brasileiras tanto nacional quanto internacionalmente; a três, por expor a risco também a segurança e certeza do estado de filiação do menor. 11- Inadmitido o pedido de desclassificação da conduta delituosa descrita na exordial acusatória (art. 239, caput, do ECA) para o tipo descrito no art. 237 do ECA, porquanto o caso não versa sobre “subtração“ de criança ou adolescente, mas sim de entrega voluntária de criança recém-nascida aos acusados para envio ao exterior, mediante paga a ser efetivada por casal adotante estrangeiro. 12- Diante do reconhecimento da condenação dos recorrentes nas sanções do art. 239, caput, do ECA, ao invés do parágrafo único do mesmo dispositivo legal, merece reproche a sentença no ponto em que fez incidir para os acusados MARIA DE FÁTIMA, FERNANDO VELOSO e MARIÂNGELA VELOSO as penas previstas no parágrafo único, do art. 239 do ECA, razão pela qual reputo escorreita e proporcional à participação dos acusados a fixação da pena em definitivo em 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, para a primeira, e 04 (quatro) anos de reclusão para os dois últimos. 13- Considerando que a ocorrência do delito se deu antes da edição da Lei nº 12.234, de 2010, segue que entre o recebimento da denúncia, em 26/02/1998, e a publicação da sentença condenatória (dezembro/2009), transcorreu lapso superior a oito anos, tempo necessário para a configuração da prescrição retroativa. Reconhecimento, ex officio, da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa apenas relativamente aos acusados FERNANDO VELOSO e MARIÂNGELA VELOSO, nos termos do art. 107, IV, c/c art. 109, IV, art. 110, com a redação anterior à Lei nº 12.234, de 2010, todos do CP. 14- No mais, não merece reproche o comando decisório de 1º grau, porquanto o Magistrado seguiu, com precisão e ponderação, todas as três etapas que devem anteceder à cominação da penalidade, em estrita observância às circunstâncias judiciais (art. 59 do CPB), agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição de pena, sem deixar de atentar para qualquer detalhe. Excertos da sentença transcritos. Apelações criminais interpostas por MARIA DE FÁTIMA LEITE, FERNANDO VELOSO e MARIÂNGELA VELOSO providas em parte, com o reconhecimento, ex officio, da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa apenas relativamente a FERNANDO VELOSO e MARIÂNGELA VELOSO.
Rel. Des. José Maria De Oliveira Lucena
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