Acr – 7393/pe – 2004.83.00.010815-1

Penal. Inserção de dados falsos. Conduta realizada antes do advento do Art. 313-a do cp. Não aplicação. Denúncia que enquadrou o fato na moldura típica do Art. 312, do cp. Inclusão do 313-a no cp, pela lei 9.983/2000, não torna atípico o fato na Época em que ocorreu. Obtenção de vantagem indevida mediante meio fraudulento Que induziu em erro a administração pública. Subsunção do fato ao disposto no art. 171, §3º, cp. Emendatio libelli. Possibilidade. Não configuração de reformatio in pejus. Reforma da sentença para condenar o réu na figura típica do art. 171, §3º, cp. 1. A história do presente feito, exposta na peça acusatória e confirmada pela sentença de primeiro grau, demonstra que o acusado Geraldo José dos Santos Filho, ex-auxiliar de informática no Serviço de Programação e Logística - Sepol (órgão vinculado à Secretaria da Receita Federal), utilizando o Sistema Integrado de Cobrança (Sincor), inseriu dados fraudulentos com a utilização de sua senha pessoal, advindo, em decorrência de tal fato, a extinção irregular de créditos tributários. O montante dos mencionados créditos, atualizado em junho de 2005, expressava a quantia de R$ 295.373,04 (duzentos e noventa e cinco mil, trezentos e setenta e três reais e quatro centavos). O referido acesso deu-se em bases de dados da Receita Federal estranhas e incompatíveis às atribuições funcionais que possuía, durante os meses de fevereiro e julho de 1999, 2. O dolo revelou-se presente no agir do réu que, voluntariamente, ingressou nos bancos de dados da SRF, neles inserindo dados falsos que apresentavam falsa quitação de tributos e acessórios de exercícios anteriores, para fraudar o Fisco. O réu favoreceu-se do cargo público que ocupava, agindo consciente e deliberadamente, por reiteradas 23 (vinte e três) vezes, de sorte a permitir que os empresários envolvidos obtivessem vantagem com a exclusão do passivo tributário. 3. As inserções dos dados fraudulentos decorreram do uso de senha pessoal do réu, não havendo prova que o isentasse de qualquer responsabilidade. Os relatórios de acessos às bases de dados registram as atividades do réu, estranhas às suas responsabilidade funcionais (fls. 12/86, 100/107, 108/145, 146/159, 179/198, e 229). Em certas ocasiões, os períodos on-line das alocações manuais irregulares e transferências de pagamentos destinados à extinção de crédito tributário eram de várias horas diárias. Não logrou a defesa provar que outro funcionário teve acesso ao terminal de computador utilizado pelo réu. 4. A mera alegação de que outra pessoa pudesse ter utilizado a senha pessoal não tem o dom de desconstituir a prova dos autos. De igual modo, também a alegação de que outra pessoa tenha se aproveitado da senha sem a sua autorização, em seus afastamentos momentâneos do setor ou ausência por motivo de férias, também não parece ser verossímil. Já à época dos fatos era comum entre os usuários de informática o cuidado em proteger a senha, de uso restrito e pessoal. 5. Nesse aspecto, a sentença de primeiro grau reconheceu, enfaticamente, a materialidade e autoria da conduta narrada na denúncia, entendendo, entretanto, que, à época dos fatos, por não haver a previsão do crime hoje previsto no art. 313-A, do Código Penal, o fato seria atípico. O deslinde da questão cinge-se, portanto, em definir o enquadramento jurídico da conduta praticada pelo réu. 6. A sentença entendeu que a conduta, embora comprovada, não se adequava ao tipo penal do art. 312, § 1o, do Código Penal, mas sim no art. 313-A (que, à época da consumação do crime, ainda não existia no ordenamento jurídico), razão por que, considerando o princípio da irretroatividade, o magistrado absolveu o acusado. O apelo do MPF cinge-se a postular a condenação pela prática do crime de estelionato qualificado, art. 171, § 3o, do Código Penal, sob a justificativa de que tal crime abarcaria com perfeição as condutas do ora apelado. O magistrado sentenciante absolveu o réu por entender que os fatos não constituíam crime à época em que foram praticados, ao fundamento de que os tipos penais dos artigos 313-A e 313-B do Código Penal, introduzidos pela Lei 9.983/2000, não poderiam ser “utilizados por força do art. 5o, XL, da CF, que prevê o princípio da irretroatividade e, no caso, impede a utilização do instituto previsto no art. 383 (emendatio libelli), do CPP.“ (Fl. 460). 7. Penso diferente, para compreender que a inclusão do art. 313-A no Código Penal, pela Lei 9.983/2000, não torna o fato atípico na época em que ocorreu. Também discordo, nesse ponto, da conclusão do parecer do nobre Procurador Regional da República, no sentido de que a conduta amoldar-se-ia ao tipo do art. 312, § 1o, do Código Penal, crime de peculato, na modalidade furto, no qual foi o réu incurso na Denúncia. 8. Entendo, na esteira do que fora argumentado pelo Ministério Público Federal de 2º Grau, que o apelado obteve vantagem ilícita para os empresários envolvidos (vantagem essa configurada na exclusão de seu passivo tributário), mantendo, por meses, a União em erro, mediante meio fraudulento. Nesse sentido, a própria sentença expressa essa conclusão, no trecho em que o magistrado sentenciante aduz que o terceiro teve “vantagem indevida com a conduta do réu, devido à ausência de pagamento do tributo...“ (fls 459). A conjuntura fática narrada, portanto, destoa do enquadramento típico previsto no art. 312, ou mesmo seu parágrafo primeiro, inserindo-se, em todos os seus elementos, na estrutura do tipo inscrito no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal. 9. Com efeito, o réu atuou na condição de servidor para fraudar os registros constantes nos bancos de dados da Receita Federal, induzindo em erro a Administração Pública (que, à vista da base de dados fraudulenta, não cobrou nos tributos efetivamente devidos pelos empresários) permitindo que os empresários fossem beneficiados com a vantagem indevida, causando prejuízo ao Fisco, o que caracteriza a prática de peculato. 10. Não se constatando nos autos forma de exclusão de antijuridicidade ou de culpabilidade, acolho a pretensão do apelo do MPF, para condenar o réu. 11. Tem aplicabilidade ao caso a hipótese, ventilada no parecer opinativo, de nova definição jurídica aos fatos, com amparo na emendatio libelli, princípio que permite, inclusive, a imposição de pena mais grave. Note-se que não se tolhe a correção do enquadramento típico da conduta, notadamente quando se trata de mera adequação quanto à subsunção do fato à norma e não verificação de existência de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, o que é obstado em sede de segunda instância, consoante súmula 453 do STF. Não há que se cogitar, entretanto, de hipótese de reformatio in pejus eis que pretensão recursal do MPF (deferida neste voto), é voltada a condenação pelo crime estelionato qualificado (art. 171, § 3o, do CP), cujas penas são mais brandas do que as previstas na capitulação denúncia (art. 312, CP). 12. Na primeira fase, reconheço serem desfavoráveis ao réu as circunstâncias relativas à culpabilidade, em grau mediano, em face da reprovabilidade da conduta, e as consequências do crime, considerando o valor da fraude, atualizado no ano de 2005 em quase 300 mil reais. As demais circunstâncias não podem ser aferidas (personalidade do agente e comportamento da vítima), revelam-se favoráveis ao réu (antecedentes - fls. 356 e 359 e conduta social) ou são intrinsícas ao tipo (motivos e circunstâncias do crime). Assim, considerando a pena prevista para o crime (1 a 5 anos), fixo a pena-base em 2 (dois) anos. Aplico a causa de aumento prevista no parágrafo 3º do art. 171 (1/3). Na terceira fase, reconheço a incidência da causa de aumento pela continuidade delitiva (art. 71 do CP), que aplico na fração de 2/3 (dois terços), na linha de entendimento do colendo STJ,8 considerando que a conduta se repetiu durante os meses de fevereiro e julho de 1999, restando uma pena de 4 anos, tornando definitiva a pena privativa de liberdade em 5 (cinco) anos e 4 (meses) meses de reclusão. Estabeleço o regime inicialmente semiaberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, § 2º, b, do Código Penal). 13. Apelo ministerial provido.

Relator: Desembargador Federal Fernando Braga

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