A DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E A MALICIOSA CONTAGEM NÃO ARITMÉTICA

Por Gabriel Ferreira dos Santos e Tayana Pedroso - 

O instituto da prisão preventiva é tema recorrente na produção científica do Direito. É também a modalidade de prisão cautelar com maior impacto no sistema prisional do país. Os efeitos de uma prisão dessa natureza são inequívocos e, invariavelmente, mais severos do que a própria prisão pena, entendida esta como consequência do trânsito em julgado de uma condenação criminal. A jurisprudência é uníssona no sentido de que a prisão preventiva é compatível com a presunção de inocência. E isso não se ignora.

A reflexão que se propõe é para a racionalização de sua aplicação e não a defesa de sua extirpação do sistema de Justiça. Ainda no ano de 2001, o Projeto de Lei 4208 — convertido na Lei nº 12403/11 — reverberava a alta taxa de encarceramento de presos provisórios, alcançando 44% de toda a população carcerária brasileira. A introdução do artigo 319 no CPP (medidas cautelares diversas à prisão preventiva) se apresenta(va) como importante e potente alternativa ao excessivo número de presos que aguardam julgamento. Após completar dez anos de vigência, a promessa ainda não foi cumprida. Os números só aumentaram. Desde 2011 o número de presos provisórios segue alto e contribuindo para que o Brasil ostente a terceira posição em número de população carcerária mundial. Se a resistência à adoção de medidas cautelares diversas à prisão já se mostra suficiente para causar profunda inconformidade, estarrecedora se apresenta a passividade com que o tema da duração da prisão preventiva (não) é tratado pela jurisprudência pátria.

Mesmo após 79 anos de vigência do CPP, a prisão preventiva segue sem prazo máximo de duração em nosso ordenamento jurídico. E não há que se falar em substancial alteração deste quadro com a entrada em vigor do pacote "anticrime" e o novel artigo 316, parágrafo único. A necessidade de revisão dos motivos ensejadores da dita prisão a cada 90 dias, mesmo que absolutamente clara em sua disposição, teve pelas cortes superiores [1], a interpretação de que "o prazo de 90 dias para reavaliação dos fundamentos da prisão não é peremptório, isto é, eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado em liberdade".

Por conseguinte, o entendimento dos tribunais estaduais segue o mesmo padrão, não há como esperar movimento diverso se os superiores trilham tal caminho. Contudo, imprescindível o questionamento: qual a razão de existir do parágrafo único do artigo 316, então? Qual a consequência de seu descumprimento? Ao que tudo indica, mais uma vez, frustrada está a tentativa de tornar o processo penal mais humanizado, mais democrático, menos punitivista. Tornar a prisão cautelar instituto de ultima ratio na vida real, o que se fala nas doutrinas desde a democratização do processo penal brasileiro.

A partir do momento em que se lança a analisar os números carcerários (e aqui damos destaque ao quantum de presos provisórios), percebe-se o quão falha são nossas diretrizes e legislação. Isso porque, além dos mesmos aumentarem assustadoramente ano após ano, atualmente, parecem se tratar de dados sigilosos. Após uma rápida pesquisa no site do CNJ, é possível verificar que no ano de 2017, após uma reunião realizada entre presidentes (do STF, CNJ e tribunais estaduais), os dados do sistema carcerário brasileiro foram publicizados [2], dando conta de que pelo menos 221.054 dos 433.318 encarcerados eram presos provisórios, representando 34% do total. Nenhuma informação, no entanto, quanto ao prazo médio de duração de uma prisão preventiva.

Em agosto de 2018 [3], o número havia subido para 241.090, representando 40% da população carcerária. Desde então, os dados se apresentam confidenciais ou inexistentes. No site Infopen [4], a última tabela disponibilizada (2019), além de desatualizada, é extremamente confusa, dificultando o entendimento de qualquer interessado.

Surge o questionamento: há interesse dos órgãos responsáveis em publicizar dados carcerários atualizados? Ou isso implicaria na adoção de medidas alternativas para estancar uma das chagas centrais do nosso país e consequentemente um empenho ao qual não se está disposto?

Mais uma vez o que se extrai é que não há informação alguma fidedigna do tempo de prisão preventiva que se cumpre.

O desejo de punir é exageradamente maior que o de solução. Se os dados estão sendo motivos de cobrança de adoção de novas medidas, escondem-se eles então. Se a nova legislação contempla medidas de desencarceramento, por convicção se escolhe não adotar. As ressalvas então se acumulam e tomam progressões geométricas. Onde está escrito "x", se lê "y". E, ao final, os números aumentam, dobram, triplicam... Mas a responsabilidade é sempre transferida.

O texto constitucional é explícito ao assegurar a razoável duração do processo como garantia individual. A legislação infra prevê prazos para perfectibilização dos atos. Há muito que a extrapolação do tempo do processo nas hipóteses de acusado preso vem originando requerimentos de soltura sob o argumento do excesso de prazo. Afinal, se não há sanção para o Estado pelo descumprimento dos prazos, não deve(ria) o acusado ser privado de sua liberdade por mais tempo que o "razoável" justamente pelos motivos que não pode gerir.

E é nesse prisma que as cortes superiores sistematicamente ratificam decisões que refutam o excesso de prazo sob o argumento de que este não deve ser contado de maneira aritmética (!).

Os caminhos da racionalidade se mostram ineficientes para compreender o argumento de que no processo penal os prazos não devem ser contados dessa forma. Pois bem! Como se deve contar então? O que é a intempestividade recursal, por exemplo, se não a conclusão lógica e aritmética de que a parte inobservou um prazo? Admitido está o argumento de que quando a legislação refere cinco dias não se faz necessário contar cinco dias? Dessa forma, interposto o recurso no sexto dia, pode ser ele tempestivo. Afinal, cinco pode ser igual a seis. Depende de quem diz!

Se a discussão deve se pautar na relativização do tempo, então que se admita a premissa de que este não transcorre para o preso na mesma medida que transcorre para quem não está encarcerado. Ora, um ano no sistema prisional não transcorre nos mesmos padrões de tempo daquele que não está.

Segundo dados do CNJ disponibilizados no ano de 2017 [5], um preso provisório permanece no sistema carcerário uma média de 368 dias. Esse tempo, pelas cortes superiores, é considerado absolutamente normal. Uma vez que o excesso de prazo, por exemplo, foi considerado no HC nº 174.741 do STF após transcorridos mais de 570 dias [6] de segregação cautelar. No mesmo sentido foram as decisões prolatadas quando do julgamento dos Habeas Corpus nº 635.884 (STJ) [7] e 172.321 [8] (STF).

Vale lembrar que é direito fundamental o tratamento como inocente até o trânsito em julgado da condenação criminal. Mas a repulsa se alarga na realidade processual daquele que não tem contra si, sequer, uma decisão interlocutória de pronúncia. Daquele em que os atos processuais foram frustrados repetidamente seja pela ignorância tecnológica, pela falta de servidores, pela falta de viaturas, greves e recessos. No entanto, essa realidade parece ser desprezada pela jurisprudência dominante, que se posiciona em verdadeiro efeito anestésico, diante do cotidiano caótico das regras processuais não escritas.

Na discussão do excesso de prazo, o ponto de partida para negação da liberdade busca na defesa eventual causa de atraso. Depois, funda-se no preso. Se estes não contribuíram, a contagem do prazo então passa a não ser aritmética. Assim, quando da revisão nos termos do artigo 316, parágrafo único, os motivos ensejadores da prisão se mostrarão inalterados. Mantida estará a prisão, que ao cabo não excede prazo algum, razão pela qual as deficiências estruturais devem ser suportadas unicamente pelo preso.

 

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