Marcellus Polastri Lima / Renata Vitória O. Santos Trancoso -
I - Introdução.
Já fazendo 30 anos do advento da LEP, seja na experiência dos dois autores como advogados, e um deles, posteriormente, como membro do MP, notamos que muitos dos dispositivos da Lei não têm sido bem aproveitados pela defesa e, ainda, não bem analisados tecnicamente por juízes e promotores que militam na área da execução penal.
Nota-se que durante o processo de conhecimento condenatório a defesa técnica é mais atuante, mas no processo de execução, por vezes, deixa de utilizar todos os benefícios que podem melhorar a situação do apenado, e esse, às vezes, fica sem se beneficiar de todos os mecanismos que a Lei lhe faculta.
Um desses benefícios é a oportunidade de se ver unificada a pena em vista do reconhecimento da continuidade delitiva, mormente quando instaurados processos diversos para cada crime ou por grupo de crimes em continuação, resultando em várias condenações, cujas penas acabam sendo unificadas com a mera soma das penas individuais de cada processo, quando, na verdade, deveria ter sido considerada a pena mais grave com um mero acréscimo.
Este breve artigo procura demonstrar como pode ser feita essa unificação e como pode ser utilizada a interpretação técnica mais benéfica para o réu.
II - A Unificação de Penas e Lei de Execução Penal
De acordo com o art. 66 da LEP:
"Art. 66 - Compete ao Juiz da execução:
(...)
a) - soma ou unificação de penas." (grifamos)
Os poderes dados ao juiz da execução penal são amplos e, na verdade, um tanto desconhecidos, tanto assim que não é incomum se adentrar com recursos para se pedir reconhecimento de prescrição, aplicação de lei mais benigna, ou o reconhecimento de continuidade delitiva, o que levaria a uma unificação de penas em ultima ratio, o que na execução penal pode ser decisivo para melhorar significadamente a situação do apenado.
Ora, tecnicamente, isto se traduzira em até falta de interesse/necessidade do requerente, já que, na espécie, é possível que o benefício seja alcançado através de uma mera petição ao juiz da execução. Haverá, portanto, a nosso ver, em um pedido por outro meio impugnativo, verdadeira falta de interesse-utilidade em se recorrer, pois não se teria a necessidade da via recursal.
É sabido que o interesse se traduz em uma real necessidade e utilidade da via recursal, sendo imprescindível para se alcançar o desejado que se adentre com a impugnação, pois só dessa forma se terá a hipótese mais vantajosa para o interessado, ou seja, com o recurso.
Portanto, se podemos alcançar o benefício com uma mera petição ao juiz da execução, não se dá o interesse em recorrer, pois não haverá a necessidade de utilização, advindo, no caso de se recorrer, a carência do pedido.
De acordo com a jurisprudência, "o pedido de unificação de penas deve ser dirigido, originalmente, ao juízo das execuções criminais (art. 66, III, a, da LEP, Lei nº 7.210/84)" (STF, HC 73.268-2, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, RT 730/455).
E é evidente que a unificação das penas pode ser pedida a qualquer tempo (cf. HC 43.422/CE, 5ª T., Rel. Gilson Dipp, RT 843/533), e é ainda a jurisprudência que assevera que, quando se tratar de continuidade delitiva, "para o reconhecimento da unificação de penas, é necessária a presença do mesmomodus operandie mesmas características espaciais e temporais, pois são estes os requisitos previstos no art. 71 do CP (...)" (RTJ 79/344).
III - A Continuidade Delitiva
Como visto, para se dar a continuidade delitiva é necessário que tenhamos o mesmo modo de agir, as mesmas características de espaço e tempo, não importando, ainda, para o reconhecimento da fictio iuris da continuidade, se o crime tenha sido praticado mediante violência, pois, segundo a jurisprudência, "é possível a aplicação da continuidade delitiva mesmo que o bem lesado seja personalíssimo, podendo assim ocorrer em homicídio qualificado, visto que o art. 71 do CP, alterado pela Lei nº 7.209/2010, acrescentou o § 1º, revogando a Súmula nº 605 do STJ" (STF, HC 83.575-9/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, RT 823/514).
Assim, sendo os crimes da mesma espécie, no caso, v.g., do homicídio, não importa se irão conviver as figuras de crime consumado e tentado. Também o enquadramento de crimes da mesma espécie - na hipótese ainda do homicídio -, mesmo se forem consideradas qualificadoras distintas não se afastará o instituto da continuidade delitiva... devendo essa ser reconhecida pelo juiz-presidente e não pelos jurados (cf. TJSP, ACrim 220.636-3-8, 6ª Câm., Rel. Djalma Lofrano, RT 743/627).
IV - O Grande Problema: o que Seriam "Crimes da Mesma Espécie"?
A doutrina brasileira diverge sobre o que seriam crimes da mesma espécie, sendo que a maior parte entende que seriam crimes descritos no mesmo tipo penal.
A divergência já tinha sido vislumbrada por Nilo Batista: "Os tribunais e autores brasileiros podem ser divididos em dois grupos: 1º) aqueles que somente reconhecem crime continuado em sequências reiterativas do mesmo tipo penal (admitindo incluir tipos derivados e formas tentadas); e 2º) aqueles que o reconhecem entre crimes estruturalmente assimiláveis, lançando mão de algum outro critério definitório (prevalece majoritariamente do bem jurídico ofendido) (...)"
Entretanto, apesar da tendência majoritária de adoção da primeira corrente, entendemos que esta não é a melhor solução, pois consoante Jair Leonardo Lopes, se é certo que nos concursos formal e material os crimes são cometidos "mediante mais de uma ação ou omissão, (...) no crime continuado os crimes sucessivos devem ser da 'mesma espécie', enquanto que, no concurso material, os crimes podem ser 'idênticos ou não'. O Código não diz o que são 'crimes da mesma espécie', mas é fora de dúvida que o legislador quis referir-se a outros crimes, que não aqueles mencionados nos dois artigos imediatamente anteriores, pois se quisesse referir-se àqueles mesmos teria adjetivado os crimes como 'idênticos' e não como da 'mesma espécie'".
Reconhece o autor mineiro, titular emérito da UFMG, que a doutrina se inclina por considerar que "da mesma espécie" significaria aqueles "previstos no mesmo tipo penal", mas rechaça tal posição, asseverando que "as penas do tipo básico são diversas das cominadas aos tipos qualificados ou privilegiados. Logo, a simples diversificação das penas não exclui o conceito de crimes da mesma espécie como sendo os previstos no mesmo tipo penal. O crime continuado é uma ficção jurídica concebida por razões de política criminal. Em verdade, não se trata de um só crime, porém, considerou-se que os subsequentes deveriam ser havidos como continuação do primeiro e instituiu-se uma forma especial de punir o autor do crime cometido nas circunstâncias descritas no art. 71. Daí entendermos nós que, quando os crimes da série são previstos no mesmo tipo legal e em suas formas derivadas, sejam consumadas ou tentadas, não há dúvida de que deverão ser todos havidos como crime da mesma espécie, porém, casos podem ocorrer de crimes não previstos no mesmo tipo legal, mas praticados contra o mesmo bem jurídico (...)"
Em monografia a respeito, Alcides da Fonseca Neto também assim conclui e assevera que, em se adotando a posição de que "crimes da mesma espécie" são os que atingem o mesmo bem jurídico, "permite-se que se dê o reconhecimento da continuidade delitiva, por exemplo, entre furto e entre roubo e extorsão, ou entre furto qualificado por abuso de confiança e crime de apropriação indébita, (...) a grande dificuldade consiste no fato de que o CP não define o que seja crimes 'da mesma espécie', por isso (...) recorreremos a uma interpretação histórica para encontrar as raízes dogmáticas que nortearam nosso legislador. Um de nossos principais modelos, o Código de Rocco, de 1930, valeu-se da expressão stessa dispozicione di legge (mesma disposição legal), e doutrina e jurisprudência italianas logo se apressaram a esclarecer que non equivale a medesimo articolo di legge (não equivale a idêntico artigo de lei), porquanto compreendia também os tipos derivados e a tentativa. O CP de 1940 e a reforma da Parte Geral, em 1984, não copiaram o texto italiano e preferiram, em vez da 'disposição de lei', a expressão 'crimes da mesma espécie', (...) a gênese desta interpretação restritiva está localizada, portanto, no Código italiano, porém, em terras brasileiras, a fonte direta de inspiração, Parte Geral do Código Penal de 1940, a incongruência do critério da rubrica se tornou ainda mais visível, à medida que o legislador disciplina o concurso material (...), a lei penal se valeu de tal expressão para disciplinar o concurso material e formal de delitos (arts. 69 e 70 do CP), quando explicitamente se utilizou da expressão 'crimes idênticos'. Ora, se a lei penal se valeu de tal expressão para disciplinar aquelas duas modalidades de concurso, é cristalino que 'a forma 'crimes da mesma espécie'', referida para o crime continuado, pode ser qualquer acepção, menos a da pura expressão idêntica, sob pena de chegarmos à absurda conclusão de que a lei possui palavras inúteis. O ponto de partida (...) deve ser aferível não só por intermédio do bem jurídico ofendido, mas principalmente pela verificaçãoin concretodas condutas praticadas e dos seus meios e modos de execução, que devem estar conectados numa relação espacial-temporal".
Com razão o doutrinador carioca, pois a doutrina e a jurisprudência italiana assim já entendem há décadas, mesmo que o Código italiano deixe transparecer que seriam crimes previstos na "mesma lei".
Vejamos Giorgio Gregori, em tese apresentada na Itália e transformada em livro no país peninsular:
"É o caso da procura da identidade do concurso de normas. O art. 15 do Código Penal italiano prevê que, quanto mais leis penais regulem a 'mesma matéria', a 'lei ou disposição de lei especial' derroga aquela lei ou disposição da lei geral. Desta forma, para que exista concurso de normas e não concurso ideal de crimes, a lei de caráter geral deve ser cedida passo para a lei de caráter especial, e, antes de tudo, é necessário que as duas normas tenham o objeto da 'mesma matéria'. Tal expressão é opinião recorrente, significa que a lei se refere a gênero e espécie, devendo essa ser colocada à disposição e garantia de um mesmo bem jurídico. Assim se dá também com o crime continuado. O art. 81 do CP italiano, no primeiro parágrafo, define a conduta de quem, com mais de uma ação ou omissão executiva de um mesmo desenho criminoso, comete em tempo diverso mais violações da 'mesma ou diversa disposição de lei'. Esta noção do problema é o conceito da 'mesma disposição de lei'. Isto não se resolve considerando-se o mesmo artigo do Código. A identidade do preceito não exclui, desta forma, que tal significa a possibilidade de serem consideradas disposições formalmente diversas ou distintas. Se é verdade que a disciplina do crime continuado se dá pela política do favor rei, devemos entender que existe continuação quando existam elementos comuns nos delitos, lesando o mesmo bem jurídico da mesma categoria (...)".
IV - 1 - O Bem Jurídico
Como último elemento necessário do tipo objetivo, temos o bem jurídico protegido, sendo que "o tipo requer sempre a afetação de um bem jurídico, que pode consistir em uma lesão ou uma exposição a perigo do mesmo. Quando o bem jurídico ou sua afetação não existir, não haverá tipicidade".
Os tipos penais são elaborados com base no bem jurídico a ser protegido. Assim, condutas que a princípio seriam lícitas e irrelevantes penalmente, ao serem dirigidas contra um bem jurídico penalmente tutelado, tornam-se ilícitas e típicas, como o exemplo da relação sexual com uma menor. A relação sexual de um homem com uma mulher que, a princípio, é lícita, se realizada com uma menor de 14 anos, v.g., mesmo tendo consentimento da menor, na forma que forem tipificadas no Código Penal, será típica e ilícita.
Ensina Jescheck: "El tipo es llamado a esclarecer el bien juridico que el legislador ha contemplado como sentido de norma penal, los objetos de la acción relevantes, el grado de realización de hecho injusto, que debe tener lugar y las modalidades de ataque que han de compreenderse".
Portanto, no mais das vezes, na narrativa da denúncia, o bem jurídico lesionado ou a ação dirigida à lesão do bem jurídico estará subentendido ou implícito, pois, ao se narrar que Antônio subtraiu o relógio de propriedade de Pedro, implicitamente se estará dizendo que foi lesionado um patrimônio, bem jurídico protegido.
Porém, no exemplo citado, estando o tipo penal teleologicamente voltado para a proteção do bem jurídico patrimônio, justificando, assim, o fim da tipificação penal, somente será imputável a ação de subtrair que atinja bens que possam ser considerados como patrimoniais, em suas múltiplas facetas.
Consoante já acentuamos, "isto é de grande importância na prática, pois, ao fazermos a adequação do fato ao tipo, sabendo-se que o legislador adotou o critério da objetividade jurídica, temos que a primeira operação mental necessária é a identificação do bem jurídico lesado ou exposto a perigo".
Consoante Gregori, "la dottrina dell'oggetto giuridico serve, insomma, da teoria paradigmatica per la soluzione di ogni problema di classificazione presente nell'ordinamento penale, dalla generale sistemazione della parte speciale, alla determinazione di concetti che interessano gruppi di fattispecie".
Assim, por exemplo, apesar das ações serem similares, apropriar-se pessoa comum de valores de que tem a posse se traduzirá em crime de apropriação indébita (art. 168 do CP), e se a apropriação for obra de funcionário público que tinha a posse desses bens (...) em razão do cargo, será peculato (art. 312 do CP). No primeiro caso, foi lesado o patrimônio; no segundo, o bem jurídico atingido foi o bom funcionamento e o patrimônio da Administração Pública (patrimonial e moral). A questão, portanto, se resolve pela objetividade jurídica.
Por outro lado, é imprópria a imputação de ação que se amolde ao crime de desobediência a funcionário público, pois este delito somente pode ser atribuído a particular contra a Administração Pública (Capítulo II do Título XI do CP), e, assim, a ação, em tese, só poderá ser amoldada nos delitos do Capítulo I, crimes praticados por funcionário público contra a Administração (no caso, a prevaricação).
Fica claro, assim, que é importante a consideração do bem jurídico para a identificação e narrativa do crime continuado, pois a ação deve atingir delitos que visem ao mesmo bem jurídico, uma vez que o art. 71 exige que os crimes sejam "da mesma espécie".
A questão, portanto, de se saber se os crimes são da mesma espécie só pode ser resolvida pela análise do bem jurídico lesionado, pois, segundo Giorgio Gregori, "se é a continuazione, lá dove più fatti con elementi essenziali comuni, ledano lo stesso bene giuridico di categoria".
O ex-professor titular da UFMG, Jair Leonardo Lopes, como já visto, com a autoridade de ser um dos revisores da Reforma Penal de 1984, ao comentar o art. 71, citando Hungria, conclui que crimes da mesma espécie não são somente os que atingem o mesmo tipo ou dispositivo de lei, mas os que lesam o mesmo bem jurídico.
Destarte, a denúncia que imputar o crime continuado deve se ater ao bem jurídico lesionado, pois, caso os bens jurídicos sejam diversos na ação ficticiamente tida como continuada, não será cabível o seu reconhecimento, mas, em caso contrário, mesmo descritos os fatos em tipos diversos, haverá continuidade se lesionado, com os vários crimes praticados em continuação, o mesmo bem jurídico.
Consoante Gregori, "la dottrina dell'oggetto giuridico serve, insomma, da teoria paradigmatica per la soluzione di ogni problema di classificazione presente nell'ordinamento penale, dalla generale sistemazione della parte speciale, alla determinazione di concetti che interessano gruppi di fattispecie".
IV - 2 - A Utilidade do Argumento Defensivo com Base no Bem Jurídico para Reconhecimento da Continuidade, para Fins do Procedimento de Unificação de Penas
Para a unificação de penas considerando a continuidade, se dá a operação pelo juiz da causa se tal continuidade é evidente na mesma ação penal, mas, se, todavia, se deu a tramitação da apreciação dos vários crimes em processos penais diversos, a competência será do juiz prevalente pela conexão ou continência, levando-se em conta a prévia distribuição (art. 75 do CP). Por fim, se já existe a sentença do primeiro grau, a unificação de penas será realizada pelo juiz da execução penal, já que este possui a competência para tal, como já vistosupra. E isso se dá mesmo que algumas sentenças já tenham sido revistas em apelação ou modificadas por Tribunal Superior em recurso excepcional.
De acordo com Fonseca Neto, "(...) a sentença que decide a unificação de penas possui a natureza jurídica de uma decisão interlocutória mista, pois ela não resolve questão atinente ao mérito da causa e tem a peculiaridade de dispor relativamente a outras decisões prolatadas por magistrados do mesmo grau de jurisdição, (...) portanto, pode o juiz da execução alterar a decisão por ele proferida e realizar uma nova unificação, caso um fato novo venha a motivar o reexame da matéria, como, por exemplo, o surgimento de novos crimes integrantes da mesma continuidade delituosa. De fato, a revocabilidade da sentença que unifica as penas, respeitada somente a preclusão, é uma característica que não ofende o princípio dares judicata, haja vista que tal decisão, como examinado, não tem a natureza de uma sentença de mérito e, assim, não faz coisa julgada. Por derradeiro, (...) o recurso cabível que indefere a unificação de penas não é o recurso em sentido estrito, mas, sim, o agravo.
Aliás, isso se dá por expressa determinação dos arts. 66, III, a, e 197 da LEP. Como já visto, através de mera petição, poderá o juiz da execução reconhecer a continuidade delitiva e fazer a unificação das penas.
Portanto, utilizando a teoria mais abalizada e técnica sobre o significado de "crimes da mesma espécie", teremos caracterizada a continuidade com práticas de crimes que atentem contra o mesmo bem jurídico e, assim, poderemos ter a possibilidade de unificar penas de furtos com penas de roubo ou, ainda com penas de crimes de extorsão (crimes contra o patrimônio), ou, ainda, ato obsceno com estupro (crimes contra a liberdade sexual), falsificação de documentos públicos e particulares, falsidade ideológica e uso de documento falso (crimes contra a fé pública) e, por que não, em leis especiais, no exemplo dos crimes da Lei de Tóxicos, uso, tráfico e associação para o tráfico (todos crimes da Lei de Tóxicos).
Daí se verifica que muitos dos presos que estão cumprindo pesadas penas podem ser beneficiados com a unificação, sendo consideradas penas de vários crimes uma só pena, com o devido aumento. Basta que se dê a aplicação da tese mais técnica a respeito, o que tem sido olvidado por aplicadores do direito brasileiro. Evidente que tal resulta em grande utilidade para a defesa técnica, pois pode-se obter a liberdade de inúmeros apenados, ou, no mínimo, obter benefícios em grau de execução. E tudo isto rápido e com uma só petição 16. E mais, poderíamos resolver com isso um crônico problema de inútil lotação carcerária no Brasil.
E aqui se faz importante o exame do art. 111 da LEP, que dispõe: "Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processo distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação de penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição" (grifo nosso).
Daí ressaltar a jurisprudência que "a unificação de todas as penas impostas deve levar em consideração o disposto nos arts. 111 da LEP e 33 do CP, para fins de apuração do regime resultante" (STJ, HC 20.512/SP, 5ª T., Relª Laurita Vaz, DJU 30.06.03).
Destarte, com a unificação das penas, não só poderemos diminuir drasticamente a exacerbada pena aplicada ao apenado, advinda em razão de uma apenação exagerada, por vezes até por culpa do Estado, que, ao invés de aplicar o instituto de política criminal da continuidade prevista em lei em um só processo, reconhecendo a continuidade delitiva, ao invés de se instaurar processos separados em processos como se faz, mas também, mesmo nos processos findos distintos na VEP, reconhecer a continuidade, que antes já deveria ter sido levada em conta, o que resultará em possível soltura do apenado, mas, mesmo que tal não se dê, se poderá obter vantagens como a detração, remição de penas, ou uma progressão, o que possibilitará se chegar a outros benefícios como o livramento condicional.
V - Conclusão
Muitos dos dispositivos da LEP não têm sido bem aproveitados pela defesa e não bem analisados tecnicamente por juízes e promotores. Um destes benefícios é a unificação da pena em vista do reconhecimento da continuidade delitiva, mormente quando instaurados processos diversos para cada crime ou grupo de crimes em continuação, o que acaba resultando em várias condenações, unificadas com a mera soma das penas individuais de cada processo, quando, na verdade, deveria ter sido considerada a pena mais grave com um mero acréscimo.
O art. 66, III, da LEP autoriza que a unificação seja feita através de uma mera petição ao juiz da execução, não necessitando de recurso, através de uma solução célere.
Ora, o crime continuado é uma ficção jurídica, que tem por base a política criminal. Por ficção, considera-se um só crime, quando são vários os praticados, mas a lei entende que os delitos subsequentes ao primeiro devem ser havidos como continuação daquele, e, consoante a melhor doutrina (não há dúvida), é a de que crimes consumados, tentados, qualificados, ou não, deverão ser havidos como "crimes da mesma espécie", e, ainda, crimes diversos, não previstos no mesmo tipo legal, mas praticados contra o mesmo bem jurídico.
Existindo a sentença do primeiro grau, a unificação de penas será realizada pelo juiz da execução penal, já que este possui a competência para tal, mesmo que algumas sentenças já tenham sido revistas em apelação ou modificadas por Tribunal Superior em recurso excepcional.
Portanto, utilizando a teoria mais abalizada e técnica sobre o significado de "crimes da mesma espécie", teremos caracterizada a continuidade com práticas de crimes que atentem contra o mesmo bem jurídico e, assim, poderemos ter a possibilidade de unificar penas de furtos com penas de roubo ou, ainda, com penas de crimes de extorsão (nos casos, v.g., de crimes contra o patrimônio).
Fica então patente que muitos dos presos que estão cumprindo altas penas podem ser beneficiados com a unificação, sendo consideradas várias penas uma só pena, com o devido aumento. Tal deve ser motivo de atenção de juízes da execução, membros do MP, que são fiscais da lei, e, sem dúvida, é de grande utilidade para a defesa técnica, pois poderá se obter a liberdade de inúmeros apenados, ou, no mínimo, conseguir benefícios no juízo da execução. E tudo muito célere, bastando uma só petição.