Por Marco Antônio Ferreira Lima -
Dentro da teoria geral da prova no processo, como um todo, essa se constitui como toda e qualquer representação material ou imaterial de um fato que tenha relevância jurídica e que guarde esse valor probatório. Daí se difere do "vestígio" ou "indício", que pode ser interpretado como "pré-prova" ou "perspectiva de prova".
Por integrar o devido processo legal, que é uma consequência e derivado do devido processo legislativo, gera outras garantias constitucionais, entre essas, o contraditório.
Esse implica numa função precípua de impugnar a um fato, que se concentra no ponto controvertido do processo como um todo, sem suas ramificações de forma (procedimentos).
Sendo o contraditório não só uma garantia, mas uma função recíproca, não delimita a acusação — que já é contida pela denúncia ou pela queixa crime — e nem torna absoluta a ampla defesa. Essa, mesmo quando exercida de forma plena — caso em que se expressa na forma garantista pura (Tribunal do Júri) — contém-se por contornos formais, a exemplo da licitude e mesmo do prazo, gerando, como efeito, sua imprestabilidade, na primeira hipótese e, na segunda, a preclusão. A prova, enfim, é o meio que, dentro do devido processo legal, integrante do contraditório, implica numa função precípua de impugnação relevante, para que, pela persuasão racional, atinja-se o livre convencimento na prestação jurisdicional. Mais do que destinada ao juiz, que é o destinatário da prova, essa integra o próprio processo, até mesmo para assegurar o duplo grau de jurisdição. A prova, a vista de suas mais diferentes personificações, pode se materializar documentalmente e nesse caso, a depender, deixando vestígios, de avaliação pericial. A forma obtida deve se pautar pela estrita legalidade, ainda que fortuita ou decorrente de meios judicialmente autorizados que possam implicar em violações a princípios constitucionais, implícitos ou não, como a prisão temporária (e até a preventiva para preservá-la), a censura telefônica, a fiscal, a bancária e até mesmo a preservação do domicílio. Num ponto em que a denominada "paridade de armas", em que até a investigação defensiva quer conquistar espaço, temos a teoria da cadeia de custódia das provas. Cadeia de custódia, numa interpretação estrita e contida, é controlada pela legalidade, implicando na documentação cronológica (temporal e espacial) com a criação de um histórico que registra a sequência de custódia, controle, transferência, análise e disposição de evidências físicas, eletrônicas ou até "imaterializadas", em relação à própria prova testemunhal. Sua principal finalidade está em, formalmente, garantir a integridade da prova, sua idoneidade e rastreabilidade dos vestígios, selando por sua transparência e até disponibilidade (permitindo uma contraprova, por exemplo) até que o processo seja concluído, ou, até mesmo, para uma eventual rescisória. A sua "quebra" pode comprometer ou contaminar a prova dela derivada, mas não a prova em si. Observa-se, nesse sentido, que a preclusão consumativa ainda integra os atos processuais, até mesmo para assegurar a duração razoável do processo e preservar o polo passivo dos efeitos conquanto ônus e constrangimento, que geram o próprio processo. Enquanto trata de prova, a cadeia de custódia não é um atributo de defesa, mas uma integração ao próprio contraditório. Dessa forma, rompida, prejudicaria, demonstrado o prejuízo explícito ou implícito a prova, no objetivo a que se preste ou se destine. Em nenhum momento se pode reduzir a cadeia de custódia a um integrante isolado do exercício exclusivo da ampla defesa, mas, sim, uma garantia do contraditório. A Lei 13.964/19 (pacote "anticrime"), que deu nova redação e acréscimos aos artigos 158-A até 158-F do Código de Processo Penal, definiu a cadeia de custódia e o reconhecimento de sua relevância.
A cadeia de custódia das evidências (ou vestígios) compreenderia procedimentos formais e fases, a saber:
"I — Reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova;
II — Isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas (preservação, controle do local do crime, por exemplo);
III — Fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito (geografia);
IV — Coleta: ato de recolher o vestígio, respeitando suas características e natureza;
V — Acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta (uso de lacres, se necessários);
VI — Transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas, de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse (para assegurar uma perícia idônea);
VII — Recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado (tradição);
VIII — Processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada (respeitando-se a expertise);
IX — Armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado;
X — Descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, mediante autorização judicial (destruição no caso de ilicitude primária)".
De acordo com o artigo 158-A, §2º, "o agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação".
Não há menção a quem detenha um dado privado e, assim, disponível.
Adotada no âmbito da responsabilidade civil, quanto a critérios de conveniência e de oportunidade, sem afastar a preclusão, surge a teoria de perda da chance. Enquanto teoria, considera que quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa, a oportunidade de um eventual (possível) benefício, deve responder pelo fato (dano). Destaca-se, de forma intencional e em benefício. Trata de uma possibilidade.
No julgamento do REsp 1.291.247, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou que a teoria foi desenvolvida na França (la perte d'une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.
Segundo o ministro, o precedente mais antigo no Direito francês foi um caso apreciado em 17 de julho de 1889 pela Corte de Cassação, que reconheceu o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um funcionário, o qual impediu que certo procedimento prosseguisse e, assim, tirou da parte a possibilidade de ganhar o processo.
Perder a chance, no processo penal, gera preclusão consumativa ou exauriente. E principalmente naqueles meios de prova que podem ser perdidos pela própria ação do tempo ou prejudicados pela própria cadeia de custódia de provas.
Portanto, estender a perda da chance ao processo penal não seria permissivo ou verdadeiro "salvo-conduto" a se dar extensão ilimitada e incontida ao instituo e garantia da ampla defesa — deixando-a a critério de prazos indefiníveis, infindáveis (mesmo em desrespeito a coisa julgada) e a oportunidades impróprias — assim como, "redefinir" ou relativizar a preclusão consumativa (essa, sim, efetiva "perda de chance").
Desse modo, com a quebra da cadeia de custódia, essa prova não tem como ser produzida ou validada por ninguém. E se puder ser alterada ou sem sequência formal aos fatos, quebrada a cadeia de custódia, não será válida. Nem para a defesa e nem para a acusação. A busca por imagens pretéritas, por exemplo, que podem ser modificadas ou destruídas, interferiria nessa cadeia e, assim, perderia sua validade como prova. E num momento em que se traz à tona a investigação defensiva, a acusação não é exauriente, dependendo do devido processo legal e do contraditório. É seu o ônus da prova, desde que esse não se inverta, como ocorre numa eventual alegação de excludente de crime (artigo 156 do CPP). Nesse compasso, em que se busca avançar com a investigação defensiva, a teoria da perda da chance seria um retrocesso. Ademais, não se refere a sua certeza, mas numa possibilidade e dentro do nexo causal. É essencial uma relação entre a conduta e a própria oportunidade perdida, o que independe, em absoluto, de qualquer elasticidade do conceito de nexo de causalidade e mesmo nos critérios de conveniência e oportunidade no contexto processual. A perda de uma chance se resume na ideia de que deve ser indenizado o ato ilícito que priva a pessoa da oportunidade de obter uma situação futura melhor, no campo do valor compensável e por isso estreita e restrita a responsabilidade civil.
É que a perda de uma chance é uma situação intermediária entre o dano emergente e os lucros cessantes, em que há a certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há a certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem. Essa vantagem, por si só, já demonstra sua inaplicabilidade no processo penal por aí invadir a reclamada "paridade de armas", repita-se, até mesmo na perseguida "investigação defensiva".
A sua utilização no processo penal seria oportunista. Aguarda-se, senão o perecimento da prova, sua conveniência como prova fortuita ou já vencida pela preclusão, a transformando como "dano indenizável" pela utilização imprópria e extensiva do princípio do in dubio pro reo". No mesmo contexto em que se pretende classificar a verdade — conceito unívoco — em formal e real — sendo que essa é a possível ou a processual, qual seja, aquela obtida após o desenvolvimento do devido processo legal sob o manto do contraditório, se criaria a "verdade inatingível". Para se contrapor à acusação — restrita a denúncia —, concorre a ampla defesa, porém, ambas contidas pelo contraditório e controladas pelo próprio mecanismo garantista do processo, inclusive, licitude e preclusão (fórmula procedimental).
Conclui-se, portanto, que ao se comparar a responsabilidade civil, indenizável como dano, no processo penal, representa um efetivo retrocesso e ofensa direta a função equivalente e precípua do contraditório, tratando a perda de chance como sendo um mecanismo inadequado de projeções e abstrações que "poderiam", o que, tecnicamente, não integra benefício da dúvida, mas, sim, viola o princípio do contraditório dentro do devido processo legal e na adequação procedimental.