Por Patrick Assunção Santiago -
Em se tratando de Direito Penal, a culpabilidade sofreu uma longa evolução em seu conceito. Desde Ihering havia as justas separação e diferenciação entre o fato tido como típico e o culpável. A partir dessa separação foi possível a autonomia do que havia de ser considerado como injusto, sob as premissas com que, mais tarde, foi construída e sistematizada a noção de culpabilidade.
Quando o Direito Penal começou a percorrer um novo caminho, afastando-se da responsabilidade penal objetiva, surgiu a culpabilidade sob a forma de um vínculo psicológico ligando o sujeito ativo e o evento. A culpabilidade era, à época, entendida como o elemento anímico do sujeito, caracterizado e juridicamente apreendido sob os limites do dolo e da culpa, sob a égide da teoria causal-naturalista.
Von Liszt dizia ser a culpabilidade uma concepção psicológica, determinando-a como o vínculo subjetivo entre o sujeito e o fato. Liszt dizia ser a culpabilidade "caracterizada pela busca dos defeitos do autor e sua estruturação vinculada ao dever". A verdade é que Liszt elaborou uma noção puramente material da culpabilidade, baseando-se no suposto comportamento antissocial do agente.
Posteriormente, graças a Reinhard Frank, Goldschmidt e Freudenthal, incorporou-se à culpabilidade a exigência de um comportamento diverso do previsto pela norma penal, o que resultou na teoria psicológico-normativa.
Destaca Nilo Batista que, para além de laços subjetivos entre o autor e o resultado, existe a reprovabilidade da conduta como o núcleo da ideia da culpabilidade, que passa a funcionar como fundamento e limite da pena. As relações entre a culpabilidade e a pena constituem matéria polêmica na teoria do crime.
É sabido que, em termos de Direito Penal, não cabe responsabilização objetiva fruto tão somente da ação causal entre a conduta e o resultado, deve-se demonstrar a culpabilidade. Em Direito processual, a exigência de provas quanto a esse aspecto leva-nos ao aforisma "culpabilidade não se presume". A responsabilidade penal é sempre subjetiva.
Contudo, trago à baila do texto um problema bastante interessante no que diz respeito aos limites da culpabilidade frente ao princípio da lesividade. Explico: o princípio da lesividade, fundamento primeiro no que mais precisamente separa o Direito da moral, inserido na dinâmica criminal impõe que a conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se com o bem jurídico, que é objeto da proteção penal e que, a partir da conduta criminosa, foi violado. Como ensina Claus Roxin, "só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas". No mesmo segmento afirma Habermas que "a criminalização de uma conduta deve sempre pressupor uma lesão ou perigo de lesão de um bem jurídico".
Conforme acentua Ferrari, "a medida de segurança constitui uma providência do poder político que impede que determinada pessoa, ao cometer um ilícito-típico e se revelar perigosa, venha a reiterar na infração, necessitando de tratamento adequado para a sua reintegração social".
Alude Ferri que "a medida de segurança deve ser fundada no perigo do delito. A periculosidade criminal é a que se evidencia ou resulta da prática do crime, e se funda no perigo da reincidência".
No mesmo segmento, afirma Cezar Bitencourt que "um estado subjetivo mais ou menos duradouro de antissociabilidade", constituindo, dessa forma, "um juízo de probabilidade — tendo por base a conduta antissocial e a anomalia psíquica do agente".
Dito isso, não se reveste de legitimidade a pretensão normativa que se proponha a proibir a incriminação de meras condições existenciais. O próprio Eugênio Zaffaroni explica que "um direito que reconheça e ao mesmo tempo respeite a autonomia moral da pessoa, jamais pode punir o ser, senão o fazer dessa pessoa, já que o próprio direito é uma ordem reguladora da conduta".
O Direito Penal de um Estado de Direito somente poderá ser Direito Penal do fato, nunca do autor. Cunha Luna dizia que "o homem responde pelo que faz e não pelo que é". Já Mayrink da Costa afirmava que "o direito penal do autor é incompatível com as exigências de certeza e segurança jurídica próprias do estado de direito".
A conclusão lógica que se pode ter a partir disso é a de que toda imposição de uma pena (e a constituição de um crime) a um simples estado ou condição existencial do sujeito reflete-se em um retrocesso. Uma "involução" do Direito, retornando às noções teratológicas do direito penal do autor.
Frente ao princípio da culpabilidade e ao princípio da lesividade, as medidas de segurança representam gravíssima afronta, visto que, como assinala Zaffaroni, "um Direito Penal fundamentado na periculosidade é um direito penal de autor, e não do fato, como deveria sê-lo".
Se, como afirma Liszt, "o bem jurídico se situa na fronteira entre a política criminal e o direito penal", imperioso se faz destacar a necessidade de se limitar o ius puniendi frente as condutas que não afetam bens jurídicos, que não excedam os limites do próprio autor, nem qualquer tipo de atitude interna, ainda que se configure um estado existencial.