Por Antonio Augusto Reis e Paula Moreira Indalecio -
Desde a sua promulgação, em fevereiro de 1998, a Lei nº 9.605 (Lei de Crimes Ambientais) é objeto de interessantes disputas judiciais e doutrinárias, sobretudo por ser pioneira na inserção da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito brasileiro. Mais do que isso, dispondo sobre crimes contra a fauna e a flora, a prática de poluição e infrações contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural figura como um poderoso aliado estatal na repressão de iniciativas atentatórias contra o meio ambiente.
A implementação da Lei de Crimes Ambientais no Brasil significou, entre outras coisas, a reunião e sistematização de tendências decisórias judiciais até então esparsas e desencontradas, as quais pendiam de disciplina própria. Visando não só à punição, mas também à prevenção geral positiva dos danos ambientais, por meio da criminalização de determinadas condutas, a norma traz relevante apanhado de sanções contra o agente infrator, incluindo advertências, multas, destruição ou inutilização de produtos; cancelamento de registro, licença ou autorização; perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais etc. Dito de forma diversa, se há algumas décadas faltava legislação penal dedicada a proteger o meio ambiente, hoje órgãos como o Ministério Público dispõem de aparato considerável para esse fim, numa extensão que resultou enorme volume de ações judiciais ativas no país sobre crimes ambientais.
Na esteira da defesa sistemática do meio ambiente e do princípio da responsabilidade, é importante chamar a atenção para o preceito da responsabilização de administrador, diretor e membro de conselho das companhias. De acordo com o artigo 2º da Lei nº 9.605/98, quaisquer desses executivos que "sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática quando podia agir para evitá-la", incidirá nas penas previstas em lei. Logo, ainda que tais sanções só devam ser aplicadas quando restar demonstrado o nexo de causalidade entre o dano ambiental e a conduta (comissiva ou omissiva) do gestor, o simples fato de a legislação penal se dedicar a examinar essa postura já implica — ou deveria implicar — a necessidade crescente de as empresas despenderem investimentos em melhores práticas de compliance ambiental.
Indo mais adiante, cumprindo com seu propósito de sistematização das disposições penais ambientais, a Lei nº 9.605/98 designa em seu artigo 3º a responsabilidade administrativa, civil e criminal da pessoa jurídica, alinhando-se com a evolução dos tempos no sentido de reconhecer que, considerando a sua natureza de exploração comercial ou industrial, o "todo" das companhias — ou seja, o ente fictício que representa a empresa em sua completude — é potencialmente o maior responsável por eventual dano ecológico se comparado à pessoa física que por ventura agia isoladamente em seu nome, motivo pelo qual deve se submeter ao Direito Penal.
Por isso, na ordem daquilo que prevê o artigo 21 da Lei de Crimes Ambientais, podem ser aplicadas isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas penas restritivas de direitos, relativas à prestação de serviços à comunidade, ou de multa. A jurisprudência das cortes superiores reconhece que responsabilidade penal da pessoa jurídica pela prática de crime ambiental independe da responsabilização simultânea de pessoa física que agia em seu nome. Isso quer dizer que a empresa pode, sozinha, constar como ré em uma ação penal que tenha por objeto ofensa ao meio ambiente, visto que pode ser complexa a tentativa de individualização das condutas que efetivamente levaram ao seu cometimento.
De acordo com levantamento realizado em 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e apresentado na primeira reunião do Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, o Brasil ostenta cerca de 110 mil ações criminais envolvendo danos ambientais. Entre os estados com mais processos abertos, Pará (20 mil ações), Mato Grosso (14,2 mil ações), Rondônia (7,2 mil ações), Amazonas (5,7 mil ações) e Maranhão (2,8 mil ações) lideram o ranking. É dizer, veiculemos ou não, a realidade ambiental do país ainda é cercada por inúmeros conflitos, sendo que o Judiciário tem se mostrado via cada vez mais utilizada na luta pela preservação e manutenção da saúde ecológica.
Cruzando diferentes pesquisas nacionais e internacionais, não é difícil concluir que a iniciativa privada abriga boa parte dos agentes potencialmente mais vulneráveis a serem processados criminalmente por determinada conduta em desacordo com a regulação ambiental. Em regra, empresas dos ramos de infraestrutura, incluindo energia, logística de transporte, saneamento e telecomunicações, empresas de exploração e produção de petróleo e gás, mineração e a indústria em geral, além do agronegócio e setor florestal, pela natureza de suas atividades, estão mais propensas a infrações ambientais e, também por isso, precisam redobrar a atenção quanto aos cuidados jurídicos com o tema. É certo, porém, que pessoas jurídicas envolvidas com outras atividades econômicas também não estão isentas de autuações desse gênero, sendo necessário, portanto, tangibilizar os tipos penais previstos em lei para que gestores passem a enxergar com clareza alguns riscos jurídicos.
As condutas consideradas criminosas previstas na lei descritas detêm redações bastante amplas, as quais carregam consigo inúmeras possibilidades fáticas. Desde fatos considerados mais corriqueiros, como revenda de combustível e abertura de loteamento de terras, até condutas tidas como evidentemente irregulares, como implantação e operação de atividades sem o devido licenciamento, o descarte inadequado de substâncias tóxicas, desmatamento de vegetação nativa, entre outros, podem ensejar a movimentação da esfera penal.
Em realidade, cada um dos tipos penais em vigor denota bastante completude legislativa, muitos deles recheados com diversos verbos nucleares e conjuntos ecológicos amplamente passíveis de sanções estatais, especialmente focadas na reparação de eventual dano ambiental. Na prática, portanto, há um leque de possibilidades acusatórias que se acumulam na jurisprudência na forma de julgados que não reconhecem a necessidade de laudo pericial para configuração do crime.
Segundo as bases do Direito Ambiental, caso não se dedique à reparação do dano, de nada servirá a intervenção penal para a correta prevenção e punição das agressões ao meio ambiente. Em outras palavras, os diplomas ambientais exigem que a utilização do aparato penal tenha como premissa forçar que o agente infrator repare o dano causado, contribuindo para assegurar o direito coletivo de a humanidade viver em um ambiente sadio.
Quando colocada nesses termos, a interface Direito Penal/Direito Ambiental pode tocar o meio corporativo a partir de outros contornos, sobretudo se considerarmos as mais recentes novidades jurídicas da espécie das medidas despenalizadoras. Aqui, estamos falando do "novo" acordo de não persecução penal (ANPP), introduzido na legislação pátria pela Lei nº 13.964/19, o qual joga luz sobre novas possibilidades de aplicar — ou não — a Lei de Crimes Ambientais a partir de um prisma largamente contemporâneo e essencialmente preocupado com a recomposição do estado natural do meio ambiente afetado.
Ampliando a utilização de institutos da justiça negociada no Brasil, o ANPP é negócio jurídico extrajudicial firmado entre o agente infrator e o Ministério Público mediante homologação de um juiz. Nele, o órgão acusatório concorda em não processar criminalmente o investigado desde que ele se comprometa a cumprir fielmente determinadas condições menos severas do que as sanções penais previstas em lei. O detalhe é que, assim como as bases do Direito Ambiental, a legislação penal considera requisito obrigatório para propositura do acordo a consignação do compromisso de o agente reparar o dano causado em todas as hipóteses que lhe for possível fazê-lo.
A nova ferramenta jurídica não só pode como deve ser uma aliada do Judiciário e dos entes privados na resolução de conflitos de ordem penal ambiental — inclusive quando o agente infrator for uma pessoa jurídica. Somente na Lei de Crimes Ambientais existem diversos tipos penais compatíveis com a propositura do acordo de não persecução penal, o que certamente é positivo para diretores, administradores e membros de conselho daquelas empresas que atuam em setores mais vulneráveis a descuidos ambientais.
A nova possibilidade de acordo permite a mitigação de riscos jurídicos e econômicos graves. Isso porque, dado que demanda interesse e anuência de ambas as partes (Ministério Público e réu em potencial), sua celebração permite ao agente infrator não só precisar a extensão da sanção à qual se submeterá em decorrência de determinado dano ecológico, sem precisar aguardar a indefinição de um longo processo judicial, e também negociar um pacto capaz de preservar o bem ambiental sem abrir mão do controle do ônus resultante à sua atividade empresarial.
Isso não nos autoriza, enquanto operadores do Direito, a esquecer que para recorrer ao instituto é preciso certeza quanto à maturidade das investigações e a conformidade dos fatos às redações penais ambientais presentes nos diferentes ditames nacionais. É certo que, apesar de ser uma alternativa interessante para os casos de problemas ambientais que costumam chegar ao Judiciário brasileiro, a existência do ANPP não exclui a necessidade imperativa de as autoridades perquirirem com profundidade as condutas sob investigação, atentando-se para a existência de requisitos mínimos de autoria e materialidade delitivas antes de a ele recorrerem.
Assim, cabe lembrar que o acordo de não persecução penal apenas é cabível em "não sendo o caso de arquivamento", tal qual exposto na lei. Não há dúvidas, portanto, de que apenas se pode falar em proposta de acordo para casos em que uma investigação robusta tenha sido capaz de angariar indícios suficientes e válidos de autoria e materialidade delitivas. Em outras palavras, a possibilidade de propositura de acordo apenas deve ser considerada após análise pormenorizada de fatos e provas angariados, não podendo servir de panaceia para redução desenfreada de procedimentos penais, à custa da coação das pessoas físicas e jurídicas ao pagamento de multas a aplicações de sanções indevidas.
Espera-se, pois, que as autoridades ajam com cautela, resistindo aos anseios de acumularem números positivos em estatísticas de acordos realizados e multas e indenizações arrecadadas. O nobre intuito das modernas ferramentas negociais em matéria penal não deve prevalecer em casos de investigações que não tragam robustas evidências da prática delituosa.
De toda forma, e com todas as ressalvas feitas acima, o acordo de não persecução penal pode significar novos caminhos para o Direito brasileiro na medida em que reforça o cuidado com o bem jurídico a despeito de quaisquer iniciativas declaradamente punitivistas.
Quando consideramos os níveis de sistematização e maturidade repressiva detidos pela Lei de Crimes Ambientais, agora com os contornos das novas possibilidades de acordos, não é difícil concluir que se tornou mais fácil atingir a integridade e o patrimônio das corporações ao redor do país no que se refere à necessidade de proteção do bem ambiental, cabendo aos diretores, administradores e membros de conselho agir preventivamente em defesa de suas companhias — por meio da implantação de programas de compliance capazes de antever riscos penais e regulatórios.
Cada vez mais, pensar as ideias de preservação ecológica e de desenvolvimento sustentável, tanto do meio ambiente, quanto da atividade jurídica e econômica, em matéria penal ambiental, requer dedicação empresarial aos campos da capacitação e da prevenção, especialmente porque as consequências da repressão penal têm sido sentidas. A adoção desses cuidados, por outro lado, não deve significar a aniquilação das atividades econômicas, mas uma oportunidade para se entender que estamos diante de terra fértil para a construção de práticas saudáveis o suficiente para instigar o compromisso de pessoas físicas e jurídicas com a preservação e recuperação do meio ambiente.