Gianpaolo Poggio Smanio
"Apontamos o sistema da dupla
imputação, como uma das modificações necessárias ao Direito Penal."
A realidade dos crimes econômicos e
ambientais em nossa sociedade, com a participação cada vez maior das
empresas para sua efetivação, bem como o crescimento econômico e a
globalização, acarretando uma verdadeira desnacionalização e
principalmente, a despersonalização dos fenômenos relativos às pessoas
jurídicas, trouxeram a discussão mundial sobre a necessidade de sua
responsabilização penal.
O Direito penal tradicional traz
conceitos dogmáticos incompatíveis com a responsabilização penal da pessoa
jurídica. As noções de conduta e de culpabilidade são formuladas de acordo
com a pessoa humana, sendo impróprias para as pessoas jurídicas. O Direito
penal clássico é feito com a visão individualista, herdada do iluminismo,
como uma limitação ao poder do Estado.
Entretanto, a realidade social em relação
à criminalidade vem forçando a superação dos dogmas clássicos, com a
adequação do sistema penal para apresentar soluções face à nova
criminalidade econômica e ambiental.
Há necessidade de criarmos um novo
sistema teórico, apto a resolver os conflitos supra-individuais existentes
na atualidade e sequer imaginados pela visão tradicional. Diga-se de
passagem, que a mudança não é exclusiva do Direito penal, mas sim de todo o
Direito, frente aos novos desafios do convívio social.
E um dos principais aspectos da mudança
está exatamente no reconhecimento da capacidade penal da pessoa jurídica.
Todas as correntes doutrinárias reconhecem a importância da pessoa jurídica
na criminalidade dos dias atuais. Desde a efetuação do crime, até na sua
ocultação, como a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico ilícito de
entorpecentes, o que constitui, por si só, crime. As diferenças ocorrem
apenas quanto à forma de atuação do Direito face a esta realidade.
Historicamente, a responsabilidade penal
da pessoa jurídica foi admitida na Idade Média e por um período da Idade
Moderna, especificamente entre os séculos XIV e XVIII.
Depois, caiu em desuso, voltando a firmar-se na segunda metade do século
XIX, com a teoria da realidade de Gierke, em contraposição à teoria da
ficção. Para a teoria da realidade, a pessoa jurídica é um autêntico
organismo, realmente existente, ainda que de natureza distinta do organismo
humano. A vontade da pessoa jurídica é distinta da vontade de seus membros,
que pode não coincidir com a vontade da pessoa jurídica. Assim, a pessoa
jurídica deve responder criminalmente pelos seus atos, uma vez que é o
verdadeiro sujeito do delito.
Apontamos o sistema da dupla imputação, como uma das modificações
necessárias ao Direito Penal. A imputação da pessoa jurídica deve ser
autônoma em relação à imputação da pessoa física.
A adoção do sistema de dupla imputação,
na hipótese de delitos praticados pelas pessoas jurídicas, permite que em
relação às pessoas físicas não ocorra mudança, continuando o sistema penal
tradicional com os conceitos e garantias individuais historicamente
fixados. Entretanto, em relação às pessoas jurídicas poderá ser firmado um
novo sistema, rápido e eficaz, conforme exige a realidade da criminalidade
empresarial.
Partimos do pressuposto de que a pessoa
jurídica está apta a praticar ações, independentes das ações das pessoas
físicas que a integram. Isto é reconhecido pelo Direito na atualidade, para
a responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica. Portanto, o
reconhecimento da vontade própria dos entes coletivos já está assentado,
restando apenas a discussão da utilização do Direito penal para esta
realidade.
Consideramos também que a ação praticada
pela pessoa jurídica, chamada de ação institucional, tem natureza diversa
da ação praticada pelos seres humanos. Deste modo, o dolo e a tipicidade
devem ser analisados de forma diferenciada.
A ação institucional decorre de um
fenômeno de inter-relação, entre cada um dos participantes e a própria
instituição, sendo resultado de uma confluência de fatores que é
independente da vontade dos seus membros ou diretores ou mesmo sócios.
Firmada a capacidade de ação da pessoa
jurídica, resta estabelecer a possibilidade de imputação penal, ou a
culpabilidade institucional.
Dentro do sistema da dupla imputação, a
culpabilidade deve ser vista como a culpabilidade do fato. Não há dúvidas
quanto à individualidade da culpa para o Direito penal, ou seja, cada
indivíduo deve ser analisado de acordo com a sua situação pessoal, as suas
circunstâncias pessoais, dentro das suas diferenças. Entretanto, não se
pode deixar de lembrar que essa culpa só existe pelo cometimento de um ato
em particular. Na realidade, o ponto de partida da intervenção penal na
órbita mais geral do direito é a prática de um fato delituoso previamente
descrito em um tipo penal.
Dentro desta visão, a culpabilidade da
pessoa jurídica surge sem problemas teóricos, possibilitando ao Direito
penal realizar a imputação aos graves delitos praticados pelos entes
coletivos.
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