Por Alexandre José Trovão Brito -
Há séculos existia um processo penal de estilo inquisitorial, marcado pela ausência do devido processo e seus princípios derivados (ampla defesa, contraditório, publicidade, inadmissibilidade das provas ilícitas etc.). A igreja era a protagonista dos castigos daqueles que eram submetidos a punição por meio de um procedimento instaurado com essa finalidade.
Nos dias de hoje, o processo penal deu uma guinada humanitária e aprendemos que para punir devemos garantir direitos. Pelo menos isso é o mínimo que se espera de sistemas jurídicos democráticos que apresentam coordenadas estabelecidas pelo princípio da legalidade.
Tenho por premissa que o próprio processo penal, mesmo aquele que não culmina em um sentença condenatória, já apresenta aspectos de punitividade. É o que eu chamo de processo como marca. Isto é, o processo como selo de culpa gravado na vida de quem sofre o processamento criminal. Mesmo que seja absolvido no final, a imagem do réu sofre determinados desgastes, sejam eles sociais, familiares ou até mesmo institucionais.
O processo penal é um código civilizatório que criamos para punir aqueles que praticaram fatos criminosos. O estilo acusatório de processo é uma forma de garantir os direitos do acusado e também de garantir que a punição ocorra conforme as regras do jogo. A própria democracia exige isso. Não é possível falar em democracia sem um processamento criminal justo, ético e legal.
Não se trata de ser leniente com a criminalidade e os criminosos. Nunca foi isso. Trata-se de respeitar as formas legais e estabelecer filtros para o Estado-juiz punir os que se afastaram na norma penal. Agora devemos punir com critérios. E critérios são exigências. Critérios são formas. Os critérios valem, especialmente se nosso desejo espelha a demanda de materializar a obediência aos comandos da nossa Constituição Federal.
Os países desenvolvidos têm como marca registrada o Rule of Law, ou seja, o Estado de Direito, essa fórmula jurídica que foi criada para possibilitar o exercício do poder e o desenvolvimento da democracia. A lei e o Direito — sobretudo nas democracias modernas — são condições de possibilidade para o florescimento da ordem e da paz social, ferramentas estas indispensáveis para o próprio convívio comunitário.
No processo penal, o acusado não tem os mesmos recursos de que o Estado dispõe. Não existe uma igualdade de condições. Naturalmente, essa posição desvantajosa que paira sobre a figura do réu tem de ser compensada de alguma maneira. Essa maneira é o oferecimento de direitos e garantias fundamentais. É necessário punir, dar uma resposta ao fato delituoso. Entretanto, essa resposta tem de ter fundamentos legais e constitucionais para que a condenação seja passível e possível de legitimidade.
Processo penal é Estado-Leviatã versus cidadão-rousseauniano. A parte mais fraca deve ter garantias para que ela possa estar em uma posição menos desigual com o poder estatal. Mais uma vez, mas é importante destacar: não se trata de ser flexível com os acusados, mas, sim, de efetivar as disposições contidas na lei penal e na lei processual penal, sendo estas ancoradas pela nossa Constituição Republicana.
Os níveis de democracia podem e devem ser medidos pelo respeito ao Estado de Direito, pela autoridade da Constituição e pela submissão dos agentes estatais às formas da lei. A atividade do jurista deve sempre ser norteada por esses parâmetros jurídicos, pois são eles os nossos instrumentos de trabalho.
Portanto, a virada processual penal do estilo inquisitório para o estilo acusatório, além de exigir coragem dos atores processuais, exige também uma mudança radical de cultura e mentalidade. Mas a história dirá um dia se essa viragem processual possibilitou ou não o aprimoramento do nosso sistema processual. O tempo sempre dá as melhores respostas. Vamos aguardar!