Cezar Roberto Bitencourt -
1. Considerações Introdutórias
Com a ocorrência do fato delituoso nasce para o Estado o ius puniendi. Esse direito, que se denomina pretensão punitiva, não pode eternizar-se como uma espada de Dámocles pairando sobre a cabeça do indivíduo. Por isso, o Estado estabelece critérios limitadores para o exercício do direito de punir, e, levando em consideração a gravidade da conduta delituosa e da sanção correspondente, fixa lapso temporal dentro do qual o Estado estará legitimado a aplicar a sanção penal adequada.
Escoado o prazo que a própria lei estabelece, observadas suas causas modificadoras, prescreve o direito estatal à punição do infrator. Assim, pode-se definir prescrição como "a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso de tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado". A prescrição constitui causa extintiva da punibilidade (art. 107, IV, 1ª figura, do CP). No entanto, contrariando a orientação contemporânea do moderno Direito Penal liberal, que prega a prescritibilidade de todos os ilícitos penais, a Constituição brasileira de 1988 declara que são imprescritíveis "a prática do racismo" e "a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" (art. 5º, XLII e XLIV).
Para alguns autores, a prescrição é instituto de direito material; para outros, é de direito processual. Para o ordenamento jurídico brasileiro, contudo, é instituto de direito material, regulado pelo Código Penal, e, nessas circunstâncias, conta-se o dia do seu início. A prescrição é de ordem pública, devendo ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do interessado. Constitui preliminar de mérito: ocorrida a prescrição, o juiz não poderá enfrentar o mérito; deverá, de plano, declarar a prescrição, em qualquer fase do processo.
A controvérsia em torno da prescrição penal remonta muitos séculos da história da civilização. Os costumes e a cultura de cada povo ditavam os parâmetros para que se aceitasse a liberação de um criminoso pelo simples decurso do tempo. O primeiro texto legal que tratou da prescrição foi a Lex Julia, datada do ano 18 a.C. para determinados crimes. Estendeu-se, posteriormente, à generalidade dos crimes, com exceção do parricídio, parto suposto, entre outros.
O desenvolvimento do instituto da prescrição processou-se lentamente através dos séculos, sendo admitido no direito germânico e no direito de outros povos. Na Idade Média, procurou-se adotar exagerada redução dos prazos prescricionais, motivando enérgica reação, posto que teve como resultado a grande dificuldade em se configurar a ocorrência de prescrição.
Mas essa era somente a prescrição da ação, isto é, da pretensão punitiva. A prescrição da condenação, no entanto, surgiu na França, com o Código Penal de 1791. Com efeito, a Revolução Francesa parece ter favorecido esse acontecimento. Outros países, em seguida, também adotaram essa outra espécie de prescrição. No Brasil, somente a partir do Código Penal de 1890 passou-se a adotar a prescrição da condenação (art. 72), sendo que a prescrição da ação penal já foi adotada a partir do Código Criminal de 1830. Na realidade, o art. 65 do Código Criminal do Império (16-12-1830) declarava: "As penas impostas aos réus não prescreverão em tempo algum". Em outras palavras, as penas aplicadas eram imprescritíveis.
Quanto à prescrição retroativa, por fim, sua discussão começou antes mesmo de o Código Penal de 1940 entrar em vigor, que foi o primeiro diploma legal a adotá-la. Na verdade, o legislador desse Código adotou o princípio de que a sanção concretizada na sentença, sem possibilidade de agravação diante da inexistência de recurso da acusação, era a sanção ab initio justa para o fato praticado pelo agente, revelando-se a pena abstrata muito severa e injusta para regular prazo prescricional.
2. Fundamentos Políticos da Prescrição
São arrolados alguns fundamentos que, politicamente, embasariam a legitimidade do instituto da prescrição. Analisamos, a seguir, sucintamente, como convém, neste momento, os principais fundamentos:
1º) O decurso do tempo leva ao esquecimento do fato: como afirma Giulio Battaglini, a prescrição "cessa a exigência de uma reação contra o delito, presumindo a lei que, se o tempo não cancela a memória dos acontecimentos humanos, pelo menos a atenua ou a enfraquece". Se o alarma social é que determina também a intervenção do Estado na repressão dos crimes, quando decorreu determinado período de tempo da prática do próprio crime sem que tenha sido reprimido, o alarma social desaparece pouco a pouco e acaba apagando-se, de tal modo que provoca a ausência do interesse que fez valer a pretensão punitiva.
2º) O decurso do tempo leva à recuperação do criminoso: com o decurso do tempo e a inércia do Estado, a pena perde seu fundamento, esgotando-se os motivos do Estado para desencadear a punição.
Em se tratando de condenação, força é convir que o longo lapso de tempo decorrido, sem que o réu haja praticado outro delito, está a indicar que, por si mesmo, ele foi capaz de alcançar o fim que a pena tem em vista, que é o de sua readaptação ou reajustamento social. Caso o condenado volte a delinquir, o decurso do tempo não terá sido capaz de regenerá-lo. Nossa legislação penal estava ciente disso, ao afirmar que o prazo da prescrição da pretensão executória interrompe-se pela reincidência (art. 117, VI, do CP).
Os positivistas não admitem que a periculosidade social possa desaparecer com o decurso do tempo, pois que, como afirmava Cesare Lombroso, o criminoso é um ser atávico, ou seja, ele é uma regressão ao homem primitivo ou selvagem; ele já nasce delinquente e, como tal, continuará agindo até morrer. No entanto, essa concepção positivista não se justifica, uma vez que a prescrição resolve os anseios individuais e coletivos de repressão, seja pelo aspecto preventivo, seja pelo retributivo.
3º) O Estado deve arcar com sua inércia: é inaceitável a situação de alguém que, tendo cometido um delito, fique sujeito, ad infinitum, ao império da vontade estatal punitiva. Se existem prazos processuais a serem cumpridos, a sua não observância é um ônus que não deve pesar somente contra o réu. A prestação jurisdicional tardia, salvo naquelas infrações constitucionalmente consideradas imprescritíveis, não atinge o fim da jurisdição, qual seja, a realização da Justiça.
Não há interesse social nem legitimidade política em deixar o criminoso indefinidamente sujeito a um processo ou a uma pena.
4º) O decurso do tempo enfraquece o suporte probatório: este fundamento, pode-se dizer, é de direito processual. O longo hiato temporal faz surgir uma dificuldade em coligir provas que possibilitem uma justa apreciação do delito. A apuração do fato delituoso torna-se mais incerta, e a defesa do acusado mais precária e difícil.
Outras teorias acerca do fundamento da prescrição foram desenvolvidas, como a da expiação temporal e a psicológica. Para a primeira, com o decurso do tempo, o culpado expiou suficientemente a culpa com as angústias que sofreu e com os remorsos que o assaltaram. Já, para a segunda, o tempo muda a constituição psíquica do culpado, pois eliminou-se o nexo psicológico entre o fato e o agente; na verdade, com longo decurso de tempo, será "outro indivíduo" quem irá sofrer a pena, e não aquele que, em outras circunstâncias, praticou o crime no passado. Podemos notar, claramente, que, para ambas as teorias, houve a recuperação do criminoso em virtude do fluir temporal, motivo pelo qual se enquadram, em nosso entendimento, no segundo fundamento apontado - o decurso do tempo leva à recuperação do criminoso.
3. Publicação da Sentença ou Acórdão Condenatório Recorríveis
A Lei nº 11.596/2007, cumprindo mais uma etapa de uma política criminal repressora que procura, desenfreadamente, dizimar o instituto da prescrição, ignorando, inclusive, seu fundamento político (item n. 2), tenta eliminar a prescrição intercorrente ou superveniente. Com esse objetivo, o novo diploma legal alterou a redação do inciso IV do art. 117 do Código Penal, que ficou nos seguintes termos: "pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis". Constata-se, na verdade, que se pretendeu criar mais uma causa interruptiva da prescrição intercorrente, qual seja, a publicação de eventual acórdão condenatório.
A inovação consiste, basicamente, no acréscimo desse novo marco interruptivo, a publicação de acórdão condenatório, que, certamente, demandará criteriosa interpretação, tarefa que nos propomos a fazer, a seguir, concisamente. Quanto à sentença não há maior novidade, a não ser ter deixado expresso que a interrupção prescritiva ocorre com a publicação da sentença, aliás, exatamente como interpretavam doutrina e jurisprudência nacionais.
3.1. Publicação de Sentença Condenatória Recorrível
A prescrição interrompe-se na data da publicação da sentença condenatória recorrível nas mãos do escrivão, isto é, a partir da lavratura do respectivo termo (art. 389 do CPP). Antes da sua publicação, a sentença não existe, juridicamente, constituindo simples trabalho intelectual do juiz. Embora se atendendo aos avanços tecnológicos admita-se sustentar que essa publicação possa ocorrer nos meios eletrônicos ou impressos oficializados para as comunicações judiciais, acreditamos que, por segurança jurídica, deve-se manter a antiga previsão do Código de Processo Penal, que exige a formalidade de ser "publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim" (art. 389 do CPP). Acrescentando-se, não se pode esquecer, que forma é garantia.
A sentença anulada, a exemplo de outros marcos interruptivos, por não gerarem efeitos, não interrompem a prescrição, pois é como se não existissem. Atos nulos são juridicamente inexistentes.
A sentença que concede o perdão judicial, segundo a Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça (declaratória de extinção da punibilidade), não interrompe a prescrição. Aliás, para reforçar esse entendimento, lembramos que a sentença que concede o perdão judicial não aplica sanção e que o parâmetro balizador do lapso prescricional é a pena, aplicada, na hipótese da prescrição executória. Por isso, não convencem as três hipóteses sugeridas por algumas decisões jurisprudenciais, segundo as quais o prazo regular-se-á (a) pelo período mínimo de dois anos, (b) pelo mínimo ou (c) pelo máximo, abstratamente cominados ao delito.
A sentença absolutória, à evidência, também não interrompe a prescrição, porém, o prazo a ser considerado (art. 109) será o indicado pelo máximo da pena cominada ao delito.
3.2. Pela Publicação de Acórdão Condenatório Recorrível
Instalaram-se de plano, na doutrina, duas interpretações sobre o significado da locução "acórdão condenatório". Para uma corrente, à qual nos filiamos, acórdão condenatório é aquele que reforma uma decisão absolutória anterior, condenando efetivamente o acusado; para a outra, que consideramos uma posição reacionária, é condenatório tanto aquele acórdão que reforma decisão absolutória anterior como o que confirma condenação precedente, entendimento sustentado, entre outros, por Rogério Greco.
Seria desnecessário invocarmos o velho adágio de que a lei penal material não tem palavras inúteis, e tampouco se podem acrescer palavras inexistentes. Com efeito, em um mesmo processo somente é possível condenar uma vez, e não há a figura processual de recondenação, confirmação, ratificação, homologação etc. A partir da existência da condenação num determinado processo, todo o esforço conhecido pela dialética processual é a busca de sua reforma, para absolver o condenado. À acusação ainda é permitida a tentativa de agravar a situação do acusado, elevando sua pena ou endurecendo o regime de seu cumprimento.
Em síntese, a existência de uma decisão condenatória impede que, no mesmo processo, haja nova condenação do réu. Ninguém desconhece que qualquer tribunal, quando aprecia o apelo da defesa de uma decisão condenatória e não acata as razões recursais, não profere nova condenação, mas simplesmente nega provimento ao apelo da defesa, que não se confunde com acórdão condenatório. O direito penal material não admite interpretação extensiva, especialmente para agravar a situação do acusado. Na realidade, esse entendimento ampliativo está fazendo não apenas uma interpretação extensiva, mas analogia in malam partem, inadmissível em direito penal material. Ademais, analogia não é propriamente forma de interpretação, mas de aplicação da norma legal. A função da analogia não é, por conseguinte, interpretativa, mas integrativa da norma jurídica. Com a analogia procura-se aplicar determinado preceito ou mesmo os próprios princípios gerais do Direito a uma hipótese não contemplada no texto legal, como ocorre no presente caso, em que o entendimento ampliativo procura colmatar uma lacuna da lei. Enfim, a analogia não é um meio de interpretação, mas de integração do sistema jurídico, inaplicável na hipótese que ora analisamos.
Distingue-se, na verdade, a analogia da interpretação extensiva porque ambas têm objetos distintos: aquela visa à aplicação de lei em situação lacunosa; esta objetiva interpretar o sentido da norma, ampliando o seu alcance. Nesse sentido, era elucidativo o magistério de Magalhães Noronha, que, referindo-se à interpretação extensiva, sentenciava: "aqui o intérprete se torna senhor da vontade da lei, conhece-a e apura-a, dando, então, um sentido mais amplo aos vocábulos usados pelo legislador, para que correspondam a essa vontade; na analogia - prosseguia Magalhães Noronha - o que se estende e amplia é a própria vontade legal, com o fito de se aplicar a um caso concreto uma norma que se ocupa de caso semelhante".
Concluindo, realmente, acórdão confirmatório ou ratificatório pode ser semelhante, mas não é igual ao condenatório, e, em sendo diferente, não pode utilizar-se da analogia para justificar sua aplicação, pois com ela se supre uma lacuna do texto legal - que ocorre na hipótese sub examen. Por essas singelas razões, venia concesa, somente o acórdão (recursal ou originário) que representa a primeira condenação no processo tem o condão de interromper o curso da prescrição, nos termos do inciso IV do art. 117 do CP.