ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO
(Des. Federal Do TRF Da 4a Região)
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Extinção da punibilidade. Retrospecto
histórico. Lei nº 4.729/65. 3. Lei nº 8.137/90. 4. Revogação efetuada pela Lei
nº 8.383/91. 5. Restabelecimento do benefício pela Lei nº 9.249/95. 6. Extensão
ao crime tipificado no artigo 95, “d”, da Lei nº 8.212/91. 7. Procedimento
adotado por alguns juízes antes do recebimento da denúncia. 8. Parcelamento do
débito. Controvérsia jurisprudencial. 9. Entendimento do STF. 10. Posição do
STJ e dos TRF’s. 11. Parcelamento. Necessidade de acordo formal. 12. Inadimplemento
do parcelamento. Não-repercussão na esfera penal. 13. Atual divergência entre
as Turmas do STJ. 14. Parcelamento especial outorgado pelas Medidas Provisórias
nºs 1571/6 e 1571/7. 15. Interpretação realizada pelo STJ. 16. Inteligência do
STF. 17. Emenda Constitucional nº 32. Nova redação conferida ao art. 62 da CF.
18. Programa de Recuperação Fiscal (REFIS). 19. Atuais regras quanto ao crime
de apropriação indébita previdenciária. 20. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO.
Está escrito no art. 107 do Código
Penal: Extingue-se a punibilidade: pela morte do agente; pela anistia, graça
ou indulto; pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como
criminoso; pela prescrição, decadência ou perempção; pela renúncia do direito
de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; pela retratação
do agente, nos casos em que a lei a admite; pelo casamento do agente com a
vítima nos crimes contra os costumes ou pelo perdão judicial, nos casos previstos
em lei.
Cumpre salientar que existem outras
causas extintivas da punibilidade esparsas tanto no Código Penal como na legislação
extravagante. Em se tratando de tema relacionado com Direito Penal Tributário,
dentre elas vamos abordar, nestas breves anotações, a extinção da punibilidade
pelo pagamento do débito previdenciário que, recentemente, acabou sendo inserido
no estatuto repressivo depois de ter sido objeto de vários diplomas legais.
Trata-se de matéria que tem suscitado grandes debates tanto no campo doutrinário
como na área jurisprudencial.
Antes de abordarmos o tema, mister
referir que a conduta de deixar de recolher contribuição previdenciária descontada
de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público, atualmente
tipificada no art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal, já era prevista no vetusto
Decreto-Lei nº 65, de 14 de dezembro de 1937, cujo artigo 5º estipulava: “O
empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não
recolher na época própria incorrerá nas penas do art. 331, nº 2, da Consolidação
das Leis Penais, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas neste decreto-lei”.
Em 26 de agosto de 1960, foi editada
a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social), prevendo, em seu artigo
86, que “será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta
de recolhimento, na época própria, das contribuições e de outras quaisquer
importâncias devidas às instituições de previdência e arrecadadas dos segurados
ou do público”.
Posteriormente,
o Decreto-Lei nº 66, de 21 de novembro de 1966, alterando o artigo 155 da
LOPS, considerou várias condutas ali descritas como crime de sonegação fiscal,
na forma da Lei nº 4.729/65, mantendo, porém, in totum a previsão inscrita
no art. 86 da Lei nº 3.807/60.
2. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RETROSPECTO HISTÓRICO.
LEI Nº 4.729/65.
Objetivando
facilitar a compreensão do disposto no art. 168-A do Código Penal no que pertine
à extinção da punibilidade pelo pagamento do débito previdenciário, nada melhor
do que fazer um breve exame histórico sob o ponto de vista legislativo. Verifica-se
que a revogada Lei nº 4.729, de 14.07.65 (que definia os crimes de sonegação
fiscal), em seu artigo 2º, estipulava: “extingue-se a punibilidade dos
crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo
devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria.”
Cumpre salientar que essa Lei
(salvo as hipóteses previstas como crime de sonegação fiscal introduzidas
no art. 155 da LOPS pelo DL nº 66/66), não era aplicável ao crime de não-recolhimento
de contribuições previdenciárias, o qual, até a edição da Lei nº 8.137/90,
era regulado por outros diplomas legais, conforme mencionado.
Assim, exceto no que tange às
contribuições previdenciárias recolhidas dos empregados, nos termos da Lei nº
4.729/65, caso efetuado o pagamento do débito antes de qualquer procedimento
administrativo, declarava-se extinta a punibilidade do agente.
3. LEI Nº 8.137/90.
Decorridos mais de 25 anos, foi
editada a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, definindo os crimes
contra a ordem tributária, dentre eles a falta de recolhimentos à Previdência
Social (artigo 2º, inciso II). Em seu artigo 14, estabelecia que “extingue-se
a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º a 3º quando o agente
promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,
antes do recebimento da denúncia”.
Como pode ser observado,
a diferença entre o disposto no art. 2º da Lei nº 4.729/65 e o art. 14 da
Lei nº 8.137/90 diz respeito ao tempo do pagamento, pois aquele exigia que
fosse efetuado antes do início da ação fiscal, enquanto este dispõe que seja
realizado antes do recebimento da denúncia, o que, indubitavelmente, se revela
mais favorável ao contribuinte.
De outro lado, embora para os
demais tributos já houvesse na Lei nº 4.729/65 previsão de extinção da
punibilidade pelo pagamento do débito, para o crime de não-recolhimento de
contribuições previdenciárias tal benefício somente foi instituído pela Lei nº
8.137/90, ocasião em que a conduta delituosa praticada contra à Previdência
Social passou a integrar a figura descrita no art. 2º, inc. II.
4. REVOGAÇÃO EFETUADA PELA LEI
Nº 8.383/91.
Nada obstante, esses dois dispositivos
foram expressamente revogados pelo artigo 98 da Lei nº 8.383, de
30.12.91. A partir daí, deixou de haver previsão legal para a extinção
da punibilidade pelo pagamento de tributos ou contribuições previdenciárias.
5. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO PELA LEI 9.249/95.
Passados alguns anos, veio ao
mundo jurídico a Lei nº 9.249, de 26.12.95, instituindo novamente tal
prerrogativa, dispondo no artigo 34 que “extingue-se a punibilidade dos
crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729,
de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo
ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da
denúncia”. Assim, a partir da edição do indigitado Diploma foi restabelecido
o aludido favor legal.
6. EXTENSÃO AO CRIME TIPIFICADO NO ARTIGO 95, “D”, DA
LEI Nº 8.212/91.
Acontece que, entre as Leis
8.137/90 e 9.249/95, em 24 de julho de 1991, em atenção ao comando inscrito no
art. 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), foi
promulgada a nova Lei Básica da Previdência Social (ou seja, a Lei 8.212/91),
dispondo em seu art. 95, “d”, o seguinte: “Constitui crime deixar de
recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à
Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público. A pena será aquela
estabelecida no art. 5º da Lei 7.492/86”, cumprindo lembrar que este último
diploma define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Segundo se depreende, a Lei 9.249/95
não se reportou às infrações penais inscritas na Lei nº 8.212/91. Por outro
lado, como visto, o delito de não-recolhimento das contribuições previdenciárias
estava precedentemente tipificado no Decreto-Lei 65/37, Lei nº 3.807/60 e,
posteriormente, a exemplo dos demais tributos, no artigo 2º, inc. II, da Lei
nº 8.137/90 (“deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de
contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito
passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”), além
de assegurar em seu art. 14 a extinção da punibilidade pelo pagamento antes
do recebimento da denúncia.
A partir da edição da Lei 8.212/91,
desprendeu-se da Lei 8.137/90 a tipificação exclusivamente quanto ao não-recolhimento
de contribuição previdenciária. Nos demais casos (IPI, IRRF, ICMS, etc.),
continuou em vigor o disposto no artigo 2º, inc. II, do referido ordenamento
jurídico.
Diante desse quadro, à época,
foi levantada acirrada polêmica quanto a extinção ou não da punibilidade pelo
pagamento dos débitos previdenciários antes do recebimento da denúncia,
uma vez que o artigo 34 da Lei nº 9.249/95, prevendo o aludido benefício legal,
como já dito, somente fez alusão aos “crimes definidos na Lei nº 8.137/90,
e na Lei nº 4.729/65, (...)”, sem mencionar a Lei nº 8.212/91.
Debruçando-se sobre a questão,
a jurisprudência pátria firmou entendimento no sentido de ser aplicado o disposto
no art. 34 da Lei nº 9.249/95 também ao crime inscrito no artigo 95, “d”,
da Lei nº 8.212/91, uma vez que no direito penal vigora o princípio da analogia
in bonam partem, não havendo justificativa para deixar de
aplicar o aludido benefício ao crime previsto na lei básica da previdência
social que, a exemplo das condutas inscritas nas Leis nºs 4.729/65 e 8.137/90,
se caracteriza pelo não-recolhimento de contribuição no prazo legal,
devendo, destarte, receber o mesmo tratamento.
Veja-se, a propósito, o seguinte
Acórdão da Corte Especial do STJ:
“PENAL. TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. SATISFAÇÃO
DO CRÉDITO ANTES DA DENÚNCIA. LEI 9.249, DE 26/12/1995, ART. 34. ANALOGIA ‘IN
BONAM PARTEM’. Nas figuras penais do art. 2º da Lei 8.137/90 e art. 1º da Lei
4.729/65, quando o agente satisfaz o crédito antes do recebimento da denúncia,
extingue-se a punibilidade. Emerge dúvida quanto à aplicação do mesmo
procedimento no que pertine ao crime previsto no art. 95, “d”, da Lei nº 8.212/91,
não incluído no art. 34 da Lei nº 9.249/95; mas as figuras penais são muito
semelhantes e caracterizam-se pelo não recolhimento no prazo legal. Caso típico
de aplicação da analogia ‘in bonam partem’ para decretar-se a extinção da
punibilidade, em conseqüência do recolhimento da importância correspondente a
contribuição antes do recebimento da denúncia”. (Inquérito nº 178/BA, Rel
Min. Garcia Vieira, DJU de 26.05.97).
Atualmente a matéria encontra-se
pacificada nos Tribunais, aplicando-se o comando inscrito no artigo 34 da Lei
nº 9.249/95 também ao crime de não-recolhimento de contribuições
previdenciárias (art. 95, “d”, da Lei nº 8.212/91).
7. PROCEDIMENTO ADOTADO POR ALGUNS JUÍZES ANTES DO
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
Embora não haja previsão legal no
sentido de se abrir prazo, antes do recebimento da peça acusatória, para que o
denunciado efetue o pagamento do débito tributário, com a vênia dos que
entendem ao contrário, mostra-se salutar esse procedimento, porquanto
oportuniza ao faltoso a possibilidade de usufruir do benefício inscrito no art.
34 da Lei nº 9.249/95, inexistindo qualquer prejuízo para o órgão acusador ou a
Fazenda Pública, já que induvidosamente a norma tem por objetivo manter a
arrecadação. Afora isso, conforme decidido pela antiga Segunda Turma do TRF da
4ª Região, tal atitude “é compatível com o processo penal, por analogia com
o art. 514 do CPP” (Recurso Criminal em Sentido Estrito nº
1999.04.01.091514-6/SC, Rel. Juiz João Gebran Neto, DJU de 23.08.2000, p. 165).
8. PARCELAMENTO DO DÉBITO. CONTROVÉRSIA JURISPRUDENCIAL.
Como já salientado, está escrito
no art. 34 da Lei 9.249/95: “extingue-se a punibilidade dos crimes
definidos na Lei nº 8.137/90, e na Lei nº 4.729/65, quando o agente promover
o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,
antes do recebimento da denúncia”.
Contudo, apesar da clareza da
norma, a extinção da punibilidade pelo pagamento acabou por suscitar algumas
controvérsias, dentre elas se o parcelamento do débito, junto à
Administração, antes do recebimento da denúncia, autoriza ou não a extinção da
punibilidade na esfera penal. A discussão teve origem na interpretação da
expressão “promover o pagamento” inscrita no mencionado dispositivo.
9. ENTENDIMENTO DO STF.
Manifestando-se sobre o tema, o
Supremo Tribunal Federal entendeu que “enquanto não satisfeito
integralmente o débito pelo pagamento, não ocorre a causa de extinção da
punibilidade” (Habeas Corpus nº 74995/MG, 1ª Turma, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJU de 24.10.97), consignando, em outro julgado (Inquérito nº
1028/RS, Plenário, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 30.08.96) que “a
extinção só poderá ser decretada se o débito em causa for integralmente extinto
pela sua satisfação, o que não ocorre antes de solvida a última
parcela do pagamento fracionado. Assim, enquanto não extinto integralmente o
débito pelo pagamento, não ocorre a causa de extinção da punibilidade (...)”.
Em síntese, a orientação do STF
é no sentido de que somente o pagamento integral antes do recebimento
da denúncia produz o efeito de extinguir a punibilidade.
10. POSIÇÃO DO STJ E DOS
TRF’S.
Apesar da inteligência da Suprema
Corte exigindo o pagamento integral, após breve hesitação, o Superior Tribunal
de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de aplicar o favor legal
também nas hipóteses de parcelamento, aduzindo que “o acordo de parcelamento
do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a
extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei 9.249/95, porquanto
a expressão ‘promover o pagamento’ deve ser interpretada como qualquer manifestação
concreta no sentido de pagar o tributo devido” (Quinta Turma, Habeas Corpus
nº 10.565/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 21.02.2000, p. 145).
Em outras palavras, segundo o
STJ, não distinguindo o artigo se o pagamento é integral ou parcelado, basta o
ato concreto de pagar e o parcelamento induvidosamente isso traduz.
Na mesma linha veja-se: Recurso
Especial nº 111.574-DF, 5ª Turma, Rel. Min. José Dantas, DJU de 13.10.98;
Recurso Especial nº 184.338/SC, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca,
DJU de 31.05.99.
Nesse diapasão também são os
julgados dos TRF’s, inclusive o da 4ª Região. A propósito: Habeas Corpus
nº 1998.04.01.058970-6/SC, 1ª Turma, Rel. Juiz Amir Sarti, DJU de 18.11.98; Habeas
Corpus nº 94.04.10958-4/RS, Rel. Juíza Tânia Escobar, DJU de 29.06.94; Apelação
Criminal nº 1998.04.01.024707-8/RS, 1ª Turma, Relator Juiz Gilson Dipp,
22.07.98; Apelação Criminal nº 97.04.56028-1/SC, 1ª Turma, Rel. Juiz Vladimir
Freitas, DJU de 21.10.98.
11.
PARCELAMENTO. NECESSIDADE DE ACORDO FORMAL.
Não
obstante, mesmo para os que assim entendem, na hipótese de extinção da
punibilidade pelo parcelamento do débito tributário, é imprescindível
que tenha ocorrido acordo formal entre as partes interessadas, estipulando
as condições, o número de parcelas, o prazo do benefício, etc. O simples
pagamento espontâneo de parte do débito, sem qualquer ajuste com o Fisco,
não enseja a aplicação do benefício legal.
O STJ, ao apreciar o Habeas Corpus
nº 11.232/SP (Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 21.02.2000,
p. 195), decidiu que “a quitação parcial do débito tributário antes
do recebimento da denúncia, aliada à falta de regular e formalizado parcelamento,
não abre ensejo à aplicação da letra do artigo 34 da Lei nº 9.249, de 1995”.
A antiga 2ª Turma do TRF da 4ª
Região, ao julgar o Habeas Corpus nº 2000.04.01.062759-5/RS, Relator
Des. Élcio Pinheiro de Castro, decidiu que “não se concebe que fique
exclusivamente a critério de uma das partes a decisão de parcelar a dívida.
Deve haver acordo formal no qual credor e devedor ajustem as condições em que
se dará o adimplemento”.
Em suma, sem a existência de
parcelamento devidamente formalizado, não há falar em extinção da punibilidade
pelo pagamento efetivado de forma espontânea de parte do débito. Logo, à
evidência, só a quitação integral antes da denúncia dá ensejo ao benefício.
12.
INADIMPLEMENTO DO PARCELAMENTO. NÃO-REPERCUSSÃO NA ESFERA PENAL.
Para a corrente que admite o
parcelamento como forma de extinção da punibilidade,
entende-se que o eventual inadimplemento do acordo firmado (tendo em conta
a ocorrência de novação) não prejudica a extinção da punibilidade, devendo
a controvérsia ser apreciada na esfera cível competente, com as sanções peculiares
ali previstas.
Conforme decidiu a 5ª Turma do
STJ no julgamento do Recurso Especial nº 111.015/PB (Rel. Min. Flaquer
Scartezzini, DJU de 16.03.98, p. 197), “o parcelamento do débito
previdenciário em atraso, antes do recebimento da denúncia, esvazia o tipo
penal previsto no art. 95, “d”, da Lei nº 8.212/91, tornando-se simples dívida
civil, sujeita à cobrança pelas vias regulares.”
Esse entendimento também foi abraçado pela
antiga Primeira Turma do TRF da 4ª Região, em Acórdão consignando que “a
inadimplência do parcelamento constitui ilícito civil, não sendo passível
de reprovação criminal” (Apelação Criminal nº 96.04.46172-3/RS, Rel.
Juiz Gilson Dipp, DJU de 17.09.97, p. 75018).
Da mesma forma, a 2ª Turma do TRF
da 2ª Região decidiu que “com o parcelamento e pagamento da 1ª prestação,
cessa a ilicitude e extingue-se a punibilidade” (Habeas Corpus nº
96.02.218826-0/RJ, Rel. Juiz Silvério Cabral, DJU de 24.12.96, p. 99).
Assim, segundo essa corrente, o inadimplemento
do acordo não repercute na área penal, devendo o saldo devedor ser reclamado
na esfera cível competente.
13. ATUAL DIVERGÊNCIA ENTRE AS
TURMAS DO STJ.
A questão parecia estar
pacificada quanto à admissão do parcelamento para fins de extinção da
punibilidade.
Entretanto, com a edição da Lei
9.964, em 10 de abril de 2000, instituindo o Programa de Recuperação Fiscal
(REFIS), e a conclusão de que os acordos de parcelamento celebrados com o INSS
retratam singela moratória, não havendo, portanto, se cogitar de novação, além
de constatados incontáveis abusos por parte de contribuintes que parcelavam o
débito pagando tão-só as primeiras prestações apenas para usufruir do guerreado
benefício, tal orientação começou a desmoronar-se.
Frente a essa realidade, atualmente
a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem, de forma reiterada,
manifestado entendimento de que “o simples parcelamento do débito fiscal,
antes do recebimento da denúncia, não enseja a extinção da punibilidade, conforme
jurisprudência do STF” (Recurso Especial nº 159633/DF, Rel. Min. Gilson
Dipp, DJU de 04.06.2001).
No mesmo sentido: Habeas Corpus
nº 12.635/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 19.03.2001, p.
123; Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 10097/PA, Rel. Min. Gilson
Dipp, DJU de 04.06.2001).
Todavia, a 6ª Turma do
STJ mantém a orientação de que o parcelamento equipara-se a “pagamento” para
fins de extinção da punibilidade. A propósito: Recurso Ordinário em Habeas
Corpus nº 9.951/PR, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 25.06.2001, p. 234;
Recurso Ordinário em Habeas Corpus nºs 9.962/SP e 9.559/SP, DJU, respectivamente,
de 25.06.2001, p. 234 e 13.08.2001, p. 265, ambos da Relatoria do Ministro
Hamilton Carvalhido.
Entendemos
que a conciliação entre as duas posições está em considerar o parcelamento,
iniciado antes da denúncia, decretando-se a extinção da punibilidade tão-somente
após a integral quitação do débito. Para tanto, mister a edição de uma norma
determinando a suspensão do processo e da prescrição até o cumprimento da
obrigação, ou aplicação analógica in bonam partem das disposições contidas
no art. 15 da Lei nº 9.964/2000 (REFIS) ou ainda o comando inscrito no art.
93 do CPP c/c o art. 116, I, do CP.
14.
parcelamento especial outorgado pelas MEDIDAs PROVISÓRIAs Nºs 1571/6 e 1571/7.
Dispondo sobre “amortização
e parcelamento de dívidas oriundas de contribuições sociais e outras importâncias
devidas ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS”, foi lançada
a Medida Provisória nº 1.571. Em sua reedição de nº 6, de 25.09.97, publicada
no Diário Oficial da União do dia 26.09.97, restou assegurado:
“Art. 7º “omissis”
§ 7º. As dívidas
provenientes das contribuições descontadas dos empregados e da sub-rogação de
que trata o inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991, poderão ser parceladas
em até dezoito meses, sem redução da multa prevista no caput, ficando
suspensa a aplicação da alínea “d” do art. 95 da Lei nº 8.212, de 1991, enquanto
se mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento.”
A reedição subseqüente dessa
Medida Provisória, de 23.10.97, publicada no Diário Oficial da União do dia
24.10.97, a qual recebeu o nº 1.571-7, manteve integralmente esse dispositivo,
mas agora no § 6º do seu artigo 7º.
Contudo, a reedição posterior,
que recebeu o nº 1.571-8, publicada no Diário Oficial da União do dia 21.11.97,
suprimiu a parte final desse dispositivo, isto é, não reproduziu a
possibilidade de ser concedida a suspensão do tipo penal inscrito no artigo 95,
alínea d, da Lei nº 8.212/91, para aqueles interessados que parcelassem o débito.
Diante disso, além da
interpretação da locução “suspensa a aplicação da alínea “d” do art. 95 da
Lei nº 8.212, de 1991”, muito se discutiu acerca da validade de tais
Medidas Provisórias para regular matéria penal. Questionava-se, também, como
ficariam as relações jurídicas decorrentes dos atos praticados na vigência
temporária das mesmas, em face do disposto no parágrafo único do artigo 62 da
Constituição Federal.
Todavia, enquanto se desenrolava
tal polêmica, milhares de contribuintes foram autorizados pelo INSS a parcelar
seus débitos com apoio nas apontadas normas. Entretanto, a discussão perdeu
relevância quando o legislador ordinário editou a Lei nº 9.639, em 25.05.98,
publicada no Diário Oficial da União de 27.05.98, que, no seu artigo 12, regulamentou
os efeitos gerados pela Medida Provisória nº 1.571, versões de nº 1 a 8, convalidando
expressamente os atos praticados com base no seu conteúdo. Tal dispositivo
está assim redigido:
“Art. 12. São convalidados os atos praticados com
base nas Medidas Provisórias nºs 1.571, de 1º de abril de 1997, 1571-1,
de (...), 1571-6, de 25 de setembro de 1997, 1571-7, de 23 de
outubro de 1997 (...).”
A partir daí, após prolongados
debates, o TRF da 4ª Região, consolidou o entendimento de que o favor legal se
aplica àqueles que comprovarem o parcelamento do débito previdenciário
celebrado no período de vigência das reedições nºs 6 e 7, isto é, de 26.09.97 a
20.11.97, interpretando-se que “suspensa a aplicação da alínea “d” do art. 95
da Lei nº 8.212, de 1991, enquanto se mantiverem adimplentes os beneficiários
do parcelamento”, significa suspensão do processo enquanto a parte estiver
cumprindo o acordo.
Decidiu-se, ainda, que o
benefício também se aplica ao período anterior à vigência das reedições nºs
6 e 7, em homenagem ao princípio da retroatividade da lei penal mais
benéfica (artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, e artigo 2º,
parágrafo único, do Código Penal).
A inadimplência do
parcelamento implicaria na retomada da ação penal. Por outro lado, cumprido o
parcelamento ou integralmente pago o débito, em uma só vez, declarava-se
extinta a punibilidade do agente.
Nesse sentido: Recurso Criminal
nº 1998.04.01.045137-0/RS, 2ª Turma, Rel. Juiz Vilson Darós, DJU de 18.08.99, p.
571; Apelação Criminal nº 97.04.66259-9/PR, 2ª Turma, Rel. Juiz Jardim de
Camargo, DJU de 14.04.99, p. 697; Apelação Criminal nº 98.04.08332-9/SC, 1ª
Turma, Rel. Juiz Guilherme Beltrami, DJU de 14.06.2000, p. 46.
Importa salientar que, ao
contrário do disposto no artigo 34 da Lei nº 9.249/95, não havia previsão
legal de que o pagamento e/ou parcelamento fosse efetuado antes do recebimento
da denúncia, alcançando, assim, os processos em tramitação.
Exigia-se apenas que o pagamento
e/ou parcelamento tivesse sido efetuado até a vigência da última Medida
Provisória (1571-7) prevendo a suspensão da aplicação da alínea “d” do artigo
95, ou seja, até 20.11.97, pois em 21.11.97 entrou em vigor a versão nº 8,
não mais contendo o aludido benefício.
Finalmente, cumpre anotar que, por
falta de previsão legal, segundo entendimento jurisprudencial, a prescrição
não era suspensa durante esse parcelamento (dezoito meses). Contudo, ainda não
nos convencemos de tal orientação. Se o legislador suspendeu o tipo, não vemos
razão lógica ou jurídica para não se suspender o processo e a prescrição,
apesar de não constar na lei com todas as letras. Em suma, afastado o tipo
penal não há crime e, não havendo crime, não há se cogitar de prescrição.
15. INTERPRETAÇÃO
REALIZADA PELO STJ.
Inicialmente, em alguns julgados,
deixou o STJ de aplicar a referida Medida Provisória, basicamente ao fundamento
de que “não
se confere a eventual Medida Provisória o poder de legislar sobre matéria
penal, tema privativo do Congresso Nacional” (Recurso Especial
nº 244.902/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 19.06.2000, p.
199). Decidiu, ainda, que “em virtude do princípio da legalidade estrita, vigente no
direito penal, é inviável a criação ou exclusão de tipo penal por medida provisória,
o que afasta, in
casu, a incidência da MP 1.571/97” (Recurso Especial nº 200.280/SC,
Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 10.04.2000, p. 135).
No entanto, analisando esses Acórdãos,
verifica-se que não
houve apreciação da questão relativa à convalidação efetuada pelo art. 12 da
Lei nº 9.639/98 ao disposto nas apontadas medidas provisórias, razão por
que o TRF da 4ª Região, a despeito do entendimento do STJ, continuou aplicando
as referidas disposições, uma vez que a Lei nº 9.639/98 expressamente validou
os termos das aludidas MPs.
16. INTELIGÊNCIA DO STF.
Por outro lado, examinando a quaestio,
o Pleno do STF, no julgamento
do Recurso Extraordinário nº 254.818/PR (Informativo nº 209), finalmente reconheceu
a aplicabilidade das mencionadas MPs.
Mostra-se relevante destacar o seguinte
trecho do voto do Ministro-Relator Sepúlveda Pertence:
“Na espécie, portanto, a revogação
parcial do dispositivo referido – com supressão de sua norma penal – só se tornou
definitiva quando o Congresso Nacional converteu em lei o preceito derrogatório
(cf. L. 9.639/98, art. 7, § 6º). Tivesse o Poder Legislativo se limitado à
conversão, tollitur quaestio: estariam desconstituídos todos os
efeitos da norma revogada pela medida provisória convertida em lei (...). O Congresso, porém, não se limitou
à conversão da medida provisória nos termos em que vigia ao tempo da votação;
no mesmo ato declarou válidos os efeitos da norma revogada, anteriores à sua
revogação.”
Afora isso, por se cuidar de norma que favorece
ao acusado, o STF, nesse Acórdão, expressamente admitiu o uso de medida provisória,
verbis:
“O que importa, contudo, é que todos os fundamentos aventados
para vedar a medida provisória em matéria penal dizem respeito às normas penais que criam ou ampliam
tipos ou lhes exacerbam a pena, hipóteses a que, conforme o sistema,
se pode razoavelmente estender aquelas que, de qualquer modo, beneficiam a pretensão punitiva em detrimento
da liberdade. Não,
porém, as normas de Direito Penal que, ao contrário, abolem crimes ou lhes
restringem o alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliem os casos de isenção
de pena ou de extinção da punibilidade: em síntese, as leis penais mais
favoráveis à liberdade que à pretensão punitiva (...). Entendo que, quanto à lei penal
mais benéfica, não há porque impedir a medida provisória”.
Apesar da brilhante solução dada ao
caso concreto, mesmo que a Lei nº 9.639/98 não tivesse expressamente
convalidado os termos das aludidas MPs, entendemos que ainda assim elas seriam
plenamente aplicáveis, porquanto, além de terem força de lei à época em que
foram editadas, possuem, indubitavelmente, conteúdo favorável ao réu, visto que
constituem mais uma causa de extinção da punibilidade. O que não se mostra
razoável é o Estado-Administração “suspender o tipo penal” enquanto se
mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento e, após o pagamento, o
Estado-Juiz recusar a outorga do benefício, ao argumento de que tais Medidas
Provisórias não foram reeditadas ou que o indigitado veículo normativo não se
mostra adequado a tal fim, devendo, portanto, prosseguir o processo penal.
17.
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32. Nova redação conferida ao art. 62 da cf.
Inobstante o entendimento da Suprema
Corte, em 11.09.2001, foi publicada a EC nº 32 que, além de alterar
substancialmente a matéria relativa à edição das MPs, expressamente vedou a
utilização desse veículo legislativo para regular matéria penal. Veja-se, a
propósito, a redação atual do art. 62 da CF/88:
“Art. 62. Em caso de relevância e
urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com
força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º. É vedada a edição de medidas provisórias
sobre matéria: I – relativa a: a) “omissis”; b) direito penal, processual penal e
processual civil.”
Assim, a partir dessa EC, medida
provisória não mais poderá dispor sobre matéria penal, ainda que para beneficiar
o acusado.
18. PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS.
A Medida Provisória nº 1.923, de 06 de outubro de 1999, dispôs em seu
artigo 1º:
“Art. 1º. Fica instituído o Programa de Recuperação
Fiscal – REFIS, destinado a promover a regularização
de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos
a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, em razão de fatos geradores ocorridos
até 31 de agosto de 1999, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida
ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive
os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos”.
Tal programa
instituiu uma nova espécie de parcelamento dos débitos tributários, sem prazo
definido, cujo valor de cada prestação é determinado em função de percentual
sobre a receita bruta (art. 2º, § 4º, II).
Na redação original da MP e nas
sucessivas reedições (inclusive com alteração de número – 1931 e 2004) não
havia qualquer disposição sob o ponto de vista penal.
Somente com a Lei de conversão
- nº 9.964, de 10.04.2000 – é que foi introduzido regramento sobre
a matéria. O artigo 15 estabelece a denominada “suspensão da pretensão punitiva
do Estado” nos seguintes termos:
“Art.
15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art.
95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a
pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída
no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes
do recebimento da denúncia criminal.”
No parágrafo 1º
está escrito que “a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão
punitiva”.
Frente a esse
quadro, o ingresso no REFIS, antes do recebimento da denúncia, implica suspensão
da pretensão punitiva e da prescrição. Nos termos do § 3º do referido artigo,
concluído o parcelamento com a quitação integral do débito, extingue-se a
punibilidade do agente.
De início, surgiu
alguma discussão quanto à aplicabilidade dessas disposições, quer pela existência
de norma que suspende o prazo prescricional (que, regra geral é prejudicial
ao réu, impedindo, assim, a retroatividade da lei), quer porque, sendo uma
espécie de parcelamento, incidiria o artigo 34 da Lei nº 9.249/95, pois à
época da edição da Lei 9.964/2000, à exceção do STF, era pacífico o entendimento
que o parcelamento extinguia a punibilidade, situação mais benéfica que a
prevista no REFIS, que determina a suspensão do processo e da prescrição,
até a quitação integral da dívida.
Nesse sentido
foi o julgamento do Habeas Corpus nº 2000.04.01.037488-7/PR, 2ª Turma
do TRF da 4ª Região, Relator Des. Élcio Pinheiro de Castro, publicado no DJU
de 02.08.2000.
No entanto, por
levar à inocuidade da norma quanto aos fatos pretéritos, esse posicionamento
foi repensado. Primeiro, porque as disposições do REFIS, em seu conjunto, mostram-se mais
vantajosas para o acusado, pois é preferível a suspensão da prescrição, a se submeter
aos percalços do processo penal, com possibilidade de ser prolatada sentença
condenatória.
Segundo, porque
o parcelamento pelo REFIS possui características diferenciadas dos demais.
Regra geral, o acordo é realizado mediante prazo certo e número de parcelas
definidas, o que não ocorre com o regramento do aludido Programa, visto que,
como já ressaltado, o pagamento se dá em percentual sobre a receita bruta,
podendo, em alguns casos, principalmente nos débitos de maior expressão, perdurar
por vários anos.
Consoante decidiu
a 7ª Turma do TRF da 4ª Região no julgamento do Recurso Criminal nº 2000.71.00.040667-7/RS
(Rel. Desembargador José Luiz B. Germano da Silva, DJU de 17.10.2001, p. 1069),
“o entendimento de que o parcelamento extingue a punibilidade
(art. 34, da Lei nº 9.249/95) só vale para os casos em que há refinanciamento
com número de prestações determinadas e com prazo acordado para o pagamento
do débito fiscal, não vale para o REFIS, onde o devedor pode ir ajustando
os valores das parcelas do refinanciamento ao que arrecada, sem a observância
de limitação temporal”.
Assim, se houve
opção pelo REFIS, antes do recebimento da denúncia, não há se cogitar de processo,
restando suspensa a prescrição até o integral pagamento do débito. Nos demais
casos de parcelamento – segundo a corrente que o equipara a pagamento para o efeito
de extinguir a punibilidade - aplica-se a regra estatuída no art.
34 da Lei nº 9.249/95.
É importante salientar
que para a incidência do artigo 15 e § 1º da Lei nº 9.964/2000 basta a opção pelo REFIS, sendo desnecessário
aguardar a homolagação por parte do Comitê Gestor do aludido Programa. Nesse sentido: Correição Parcial nº 2001.04.01.067057-2-2/RS, 8ª Turma
do TRF da 4ª Região, Relator Des. Élcio Pinheiro de Castro, publicada no DJU
de 17.10.2001.
Esclarecemos,
por oportuno que, atualmente, não é mais possível o ingresso no REFIS. O §
1º do art. 2º da Lei nº 9.964/2000 dispôs
que a opção pelo Programa poderia ser formalizada até o último dia do mês de abril
de 2000. Posteriormente, a Lei nº 10.002, publicada em 15 de setembro de 2000, estendeu o prazo
de opção até noventa dias da data de sua publicação, ou seja, até 14 de dezembro de 2000.
Assim, a suspensão
da punibilidade é assegurada pela norma somente aos que ingressaram no Programa
até o prazo mencionado.
Registre-se, ainda, que o REFIS
alcança tão-só os débitos vencidos até 29 de fevereiro de 2000 e que o
inadimplemento do acordo autoriza o ajuizamento da ação penal, o que já tem
acontecido, pois, consoante divulgado pelos órgãos de imprensa, vários
beneficiários já foram excluídos do REFIS, por falta de pagamento.
19. ATUAIS REGRAS QUANTO AO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA.
Em 17 de julho de 2000 foi publicada
a Lei nº 9.983 que, além de outras modificações, introduziu no Código Penal
o artigo 168-A, dando tratos ao crime de não-recolhimento de contribuições
previdenciárias, sob a denominação de “apropriação indébita previdenciária”.
O referido dispositivo está assim redigido:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as
contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou
convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância
destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado
a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência
social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de
produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as
respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela
previdência social.
Conforme pode ser observado, o inciso
I do referido parágrafo, praticamente repete a conduta antes descrita no artigo
95, “d”, da Lei nº 8.212/91 (“deixar de recolher, na época própria, contribuição
ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados
ou do público”), aplicando-se retroativamente por prever sanção mais branda,
uma vez que o máximo da pena cominada foi reduzido para cinco anos de reclusão
(antes era de 02 a 06 anos). Contudo, tal detalhe não se mostra relevante
por raramente se aplicar a pena máxima.
Quanto ao objeto do nosso estudo,
a novel legislação que, repita-se, é específica para os crimes
contra à Previdência Social, dispõe de forma diversa da prevista no art. 34
da Lei nº 9.249/95, aplicável aos demais tributos. Nesse particular, assim
dispõe:
“§ 2º. É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente,
declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias
ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma
definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§ 3°. É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena
ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes,
desde que: I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de
oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária,
inclusive acessórios; ou II – o valor das contribuições devidas, inclusive
acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social,
administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções
fiscais.”
Da análise do § 2º do art. 168-A,
extrai-se que, diferentemente do art. 34 da Lei nº 9.249/95, a extinção da
punibilidade somente ocorre quando o agente declara, confessa e efetua
o pagamento das contribuições antes do início da ação fiscal.
Aliás, no que pertine à inteligência
da locução “início da ação fiscal”, está escrito no art. 138 do CTN: “A responsabilidade
é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso,
do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância
arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa
de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada
após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização,
relacionados com a infração”.
Ao contrário do que se defende,
“início da ação fiscal” não pode ser considerado como sendo a data da ciência
da NFLD e menos ainda a data do ajuizamento da execução fiscal pelo singelo
motivo de que nessas oportunidades o contribuinte faltoso não mais precisará
declarar e confessar o débito como exige a norma legal. Logo, somente até
a notificação do termo de início da fiscalização poderá o administrador da
empresa alcançar a extinção da punibilidade pelo pagamento.
Já o § 3º diz que é facultado
ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa quando
o agente, além de primário e de bons antecedentes, tenha promovido,
após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento
da contribuição social, inclusive acessórios, ou o valor seja igual ou inferior
àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo
o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
Tal dispositivo, em verdade, introduz
mais duas hipóteses de perdão judicial, o qual, por sua vez, também
constitui causa de extinção da punibilidade, ex vi do artigo 107, IX,
do Código Penal.
No primeiro caso, para usufruir
do benefício, além de ter promovido o pagamento após o início da ação fiscal
e antes do oferecimento da denúncia, o agente deve ainda cumprir outros
requisitos, quais sejam: ser primário e possuir bons antecedentes.
Analisando esse regramento,
extrai-se que as condições impostas pela nova legislação para o “perdão
judicial” são mais gravosas para o agente (lex gravior) se comparadas
com a previsão do art. 34 da Lei nº 9.249/95, razão pela qual, da mesma forma
que a previsão do comentado § 2º, não podem ser aplicadas retroativamente para
alcançar fatos praticados ainda na vigência do art. 95, “d”, da Lei nº
8.212/91.
É que, conforme já analisado anteriormente, quando vigorava esse diploma legal,
a extinção da punibilidade era possível até o momento em que a denúncia fosse
recebida, e não oferecida, consoante dispõe o novel art. 168-A do CP,
circunstância que dava ao agente prazo mais dilatado para efetuar o pagamento
do débito. Afora isso, à época, o benefício alcançava a todos que preechessem
apenas o requisito temporal, não havendo qualquer exigência quanto à
primariedade e bons antecedentes.
Logo, como a Lei nº 9.983 passou
a vigorar a partir de 15.10.2000 (noventa dias após a publicação, efetuada
em 17.07.2000), mantém-se a aplicação do art. 34 da Lei nº 9.249/95 para os
fatos delituosos praticados antes daquela data e tenha sido realizado o pagamento
do débito em data anterior ao recebimento da denúncia. A nova legislação
somente é aplicável aos fatos praticados após sua entrada em vigor, extinguindo-se
a punibilidade se o agente declara, confessa e efetua o pagamento antes do
início da ação fiscal, ou através do “perdão judicial” se o adimplemento da
dívida ocorrer após essa data, mas antes do oferecimento da denúncia.
Preenchendo o contribuinte os requisitos
exigíveis, em princípio, entendemos que o parcelamento do débito, antes de
qualquer medida de fiscalização, tem o condão de obstar o ajuizamento da ação
penal enquanto estiver em dia o cumprimento da obrigação.
A segunda hipótese de “perdão judicial”
diz respeito ao pequeno valor do débito, entendendo-se como tal, aquele igual
ou inferior ao considerado pela Previdência como sendo o mínimo para o ajuizamento
de execuções fiscais.
Em verdade, essa regra acabou por
legalizar entendimento jurisprudencial no sentido de que não se justifica a
persecução penal por crime contra a ordem tributária quando a própria
administração não demonstra interesse em cobrar a dívida, por considerar
irrisório o valor. Tendo em vista a ínfima lesão causada ao bem jurídico
tutelado pela norma penal, os agentes têm sido absolvidos, em face da aplicação
do denominado “princípio da insignificância jurídica” tornando atípica a conduta.
Atualmente, nos termos da Portaria
nº 4.910, de 04.01.99, do Ministério da Previdência e Assistência Social,
o valor considerado para ajuizamento de execuções fiscais é de R$ 5.000,00
(cinco mil reais).
Nesse contexto, tanto na hipótese
do inciso I (pagamento depois da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia),
como no caso do inc. II (pequeno valor do débito), ambos do § 3º do art. 168-A,
se desde logo o julgador verificar a presença de todos os requisitos legais, em
princípio, não se vislumbra qualquer óbice para que, de imediato, e com
anuência das partes, reconheça o perdão judicial e declare extinta a punibilidade
do agente.
20. CONCLUSÃO.
Frente ao disposto nos §§ 2º e 3º
do art. 168-A do CP, em síntese, pode-se projetar o seguinte quadro: pagamento
antes da ação fiscal (extinção da punibilidade). Após a ação fiscal, mas antes
de oferecida a denúncia (perdão judicial ou só multa). Após o oferecimento da
denúncia, mas antes do recebimento (arrependimento posterior - redução da pena
de um a dois terços – art. 16 do CP). Após o recebimento da denúncia
(circunstância atenuante – Art. 65, III, “b”, do CP).
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