Por Luna Floriano Ayres -
A pena de multa, previamente à promulgação da Lei 13.964/2019, constituía objeto de divergência jurisprudencial no que concerne à vara e órgão competentes para sua execução: de um lado, alguns defendiam que se tratava de dívida de valor e, portanto, deveria ser executada pela Fazenda Pública na Vara da Fazenda; de outra sorte, tínhamos aqueles que defendiam, por tratar-se de multa de natureza penal, a execução desta pelo Ministério Público na Vara de Execuções Criminais.
Ante a insegurança jurídica que permeava a questão, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida em 13 de dezembro de 2018, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.150 , determinou que o órgão legitimado para a execução da pena de multa, ante a natureza desta, seria o Ministério Público na Vara de Execuções Criminais, observados, entretanto, os ditames da Lei de Execução Fiscal.
Com a promulgação da Lei 13.964/2019, popularmente conhecida como pacote "anticrime", o entendimento da Suprema Corte fora positivado por meio da modificação do artigo 51 do Código Penal, o qual passou a ter a seguinte redação:
"Artigo 51 — Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição."
Assim, embora não haja mais dúvidas quanto à competência para execução da pena de multa, notadamente o procedimento para o efetivo cumprimento da sanção pecuniária apresenta particularidades a depender do tribunal estadual de sua origem. Vejamos.
Do procedimento para cumprimento da pena de multa O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) publicou em março deste ano o Provimento CG nº 04/2020, instituindo detalhadamente o procedimento a ser seguido para cumprimento da pena de multa cominada.
Transitada em julgado a sentença, havendo pena de multa, o próprio juízo de conhecimento intimará o réu a realizar o pagamento no prazo de dez dias. Sendo esta paga, o juiz da vara onde tramitou a ação penal extinguirá a pena, salientando que, acaso seja esta a única sanção imposta, expedirá comunicado ao Tribunal Regional Eleitoral para restabelecimento dos direitos políticos do condenado. Porém, havendo pena cumulativa restritiva de direitos ou corpórea, deverá o juízo de conhecimento comunicar o pagamento ao juízo da execução.
Para realizar o pagamento da multa penal, aplicada em consonância ao Código Penal, o valor estipulado em dias-multa deverá ser depositado em caixa mediante a identificação "14600-5 — Receita referente multa decorrente de sentença penal condenatória" através dos seguintes dados bancários:
— Instituição bancária: Banco do Brasil;
— Agência: 1897-X;
— Conta n°: 139.521-1;
— Favorecido: Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo (Funpesp).
Importante, ainda, salientar que nos casos em que tiver havido o recolhimento de fiança, esta deverá ser abatida da pena de multa. Portanto, ao ser realizado o pagamento, deverá ser juntado aos autos o comprovante do depósito bancário. Nesse ponto, destacamos que o processo de conhecimento somente será remetido ao arquivo definitivo após a extinção de todas as penas aplicadas.
Entretanto, intimado a cumprir a sanção imposta, caso o condenado não realize o pagamento, o juízo de conhecimento deverá expedir certidão de sentença para que o Ministério Público ajuíze ação de execução da pena de multa na Vara de Execuções Criminais.
Não havendo a propositura da execução da multa no prazo máximo de cinco anos, haverá a incidência de prescrição da sanção, conforme previsto pelo artigo 8º da Lei nº 6.830/80, devendo o próprio juízo de conhecimento declarar a pena extinta. Destaca-se, entretanto, que a pena de multa, quando for a única sanção cominada, prescreverá em dois anos, de acordo com o artigo 114, inciso I, do Código Penal .
Proposta a ação de execução pelo Ministério Público e não havendo o pagamento pelo condenado, este não poderá declarar impossibilidade financeira para ter sua pena extinta. Isso porque a isenção fundada na situação econômica precária do réu não encontra previsão legal, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp 722561/RS .
Proposta a execução da multa, se o condenado não a paga há algum prejuízo?
Em que pese o condenado não possa ter sua liberdade privada decorrente da ausência de pagamento da pena de multa, a sanção imposta somente será extinta após o decurso da prescrição, que, nesta hipótese, entende a doutrina majoritária que incorrerá, havendo pena de prisão, no mesmo período que a prescrição da pena restritiva de liberdade, por força do artigo 114, inciso II, do Código Penal .
Porém, notadamente, pelo fato da pena de multa constar como sanção pendente de cumprimento, a primariedade do condenado somente será restituída após cinco anos da declaração da extinção da pena de multa. E, ao interpretarmos o artigo 117, inciso V, do Código Penal, temos a agravante que o cumprimento da pena restritiva de direitos ou corpórea consiste em causa interruptiva da prescrição.
Ou seja, enquanto o condenado cumpre eventual pena restritiva de direitos ou de liberdade que lhe fora imposta, a prescrição da pena de multa interrompe-se, passando a contar somente com o fim do cumprimento das demais sanções. Assim, temos uma situação em que o cumprimento da pena de multa estende-se por período extremamente longo, sendo o condenado de baixa renda veementemente prejudicado por sua situação financeira, posto que terá sua primariedade restituída apenas após o decurso de muitos anos.
Nota-se, nessas situações, que em muitos casos, a sanção mostra-se desproporcional ao ato cometido, posto que a pena se prolonga por infindáveis anos até ser finalmente extinta. Portanto, é possível constatar que existem outras correntes doutrinárias que apontam que a pena de multa constitui sanção penal apenas até o cumprimento da sanção diversa a que fora cumulativamente aplicada. E extinta esta última, a sanção pecuniária constituiria única e exclusivamente dívida de valor, não podendo surtir efeitos quanto à primariedade do condenado.
Da situação exposta, depreende-se pela análise das mudanças trazidas pela Lei 13.964/2019 que, sendo o réu reincidente, este fica privado de diversos benefícios processuais, como a impossibilidade de realizar acordo de não persecução penal (artigo 28-A, §2º, inciso II do CP), impossibilidade de responder ao processo em liberdade provisória (artigo 310, §2º, do CP), aumento no lapso temporal para progressão de regime (artigo 112 da LEP) e em caso de nova condenação, impossibilidade de fixação de regime aberto, ainda que a pena seja inferior a quatro anos.
Conclui-se, portanto, que a pena de multa merece especial atenção, principalmente na fase de conhecimento, posto que a defesa deverá ser vigilante para que não haja abusos na sua fixação, considerando os efeitos negativos que poderá trazer ao réu caso esta seja fixada em valor que torna impossível — para a realidade daquele — o seu cumprimento.