Não pretendemos através desta exposição proceder a uma análise rigorosa da Lei 12.850/13, mas tão somente traçar algumas diferenças essenciais entre os crimes em epígrafe.
Para que possamos delinear os traços distintivos da organização criminosa em relação ao delito de associação criminosa, faz-se necessário discorrer sobre cada um dos tipos penais.
Neste primeiro momento, ao tratarmos do crime de organização criminosa¹, com previsão legal no art. 2º da recente Lei 12.850/13, é imprescindível que façamos o apontamento às condutas nucleares, bem como aos outros elementos do tipo.
Analisemos, pois, o art. 2º da Lei 12.850/13, in verbis:
“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.”
Trata-se de tipo misto alternativo, ou seja, o autor responderá por um só crime mesmo que pratique mais de uma conduta prevista. É crime formal e de perigo abstrato.
Ainda sob análise dos elementos do tipo, nota-se que o agente poderá praticar as condutas supramencionadas tanto pessoalmente como por intermédio de outrem, sendo que nesta segunda hipótese, o fato de contar com um “testa de ferro” a fim de distanciar seu efetivo envolvimento com a organização não afastará a autoria, que se perfaz de forma mediata.
O conceito de organização criminosa está contido no disposto pelo §1º da Lei em comento:
"§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional."
É o grupo que se organiza para auferir vantagens mediante a prática de infrações penais com pena máxima em abstrato superior a 4 anos ou de caráter transnacional.
Entende-se que a transnacionalidade mencionada no conceito de organização criminosa se refere à pluralidade de países pela qual se desdobra o iter criminis, a exemplo, crimes iniciados em determinada região geográfica, que estendem-se, produzem resultado ou geram vantagens em outra, não coberta pelo manto da mesma soberania.
O grupo (organização criminosa) ao qual faz menção o tipo, deverá funcionar como uma engrenagem, com sua estrutura erigida a partir de um modelo organizado, constituído por indivíduos com funções ordenadamente específicas e amparadas por um sistema de interdependência para que a vantagem de qualquer natureza sobrevenha a partir da prática das condutas delituosas.
Assim, aquele que promove, financia, integra ou constitui um grupo de pessoas que, embora em concurso, agem de forma desordenada e desestruturada, praticando crimes e deles obtendo proveito, não será responsabilizado pela prática do crime de organização criminosa.
Há elemento subjetivo específico, a saber, a finalidade de obter vantagem de qualquer natureza, mesmo que indiretamente.
Cabe salientar que em seus parágrafos estão previstas algumas hipóteses no que concerne ao envolvimento de servidor público com a organização criminosa.
Havendo indícios suficientes de envolvimento do servidor, o juiz poderá afastá-lo cautelarmente do cargo, emprego ou função.
A mesma Lei que trouxe o conceito de organização criminosa, também tratou de alterar o Código Penal, mais precisamente em seu artigo 288 que, anteriormente, tratava do crime de quadrilha ou bando.
O nome foi modificado, passando agora à denominação de associação criminosa, que não guarda relação com a organização criminosa à qual faz menção o art. 2º da mesma lei.
Vejamos o novo texto do art. 288 do Código Penal, in verbis:
“Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.”
Pois bem, o aludido tipo penal trata-se de crime comissivo, comum, formal, permanente, e consiste na associação de três ou mais pessoas para uma finalidade específica, qual seja, a de cometer crimes.
Busca-se no elemento subjetivo o foco dos agentes na associação cooperativa para a prática de crimes previamente determinados. Trata-se de um ato de ajuste criminoso entre os que se associam.
Quando três ou mais pessoas reunirem-se para cometer um único crime, não haverá de se falar em associação criminosa, pois o dispositivo traz expressa e objetivamente uma conditio sine qua non, qual seja, a de que a associação seja voltada à prática de crimes (mais de um).
No mesmo sentido, quando três ou mais pessoas reunirem-se para o fim específico de cometer contravenções, o fato será atípico em relação ao delito de associação criminosa, visto que o tipo penal é taxativo ao mencionar a palavra “crimes”.
Assim, podemos, pois, indicar as principais diferenças entre organização criminosa e associação criminosa.
Em preliminar, quanto ao número de agentes, verifica-se que há necessidade de associação entre três ou mais pessoas para que haja o crime de associação criminosa, enquanto que são necessários 4 ou mais para estar configurada a organização criminosa, desde que o agente, logicamente, pratique um dos verbos do tipo (financiar, integrar, promover ou constituir).
Quanto ao elemento subjetivo específico, para o crime de associação criminosa deve haver a finalidade de cometer crimes, sejam eles capazes de auferir vantagem para quem os pratica ou não; enquanto que para que subsista o de organização criminosa, deve haver a finalidade específica do grupo em obter vantagem de qualquer natureza através da prática de infrações graves (pena máxima superior a 4 anos ou infrações de caráter transnacional).
As condutas nucleares do crime de organização criminosa consistem em atos que fomentam ou fortalecem a existência de uma estrutura organizada, criada com o objetivo de obter vantagem através da prática de infrações graves; enquanto que a conduta nuclear do crime de associação criminosa consiste tão somente no ato de se associar para cometer crimes definidos.
Por derradeiro, agora no intuito de expor as impressões gerais, verificamos que o legislador, ao editar a Lei 12.850/13, criando o delito de organização criminosa, movimentou o poder legiferante no sentido de legitimar a atuação do Estado para que se iniba as condutas daqueles que financiam, constituem, promovem ou integram grupos organizados, muitas vezes de complexa estrutura operacional, atentatórios à paz pública e construídos paralelamente ao Poder do Estado, com a finalidade específica de obter qualquer tipo de vantagem a partir da prática de delitos de maior potencialidade lesiva.
Além do mais, é nítida a intenção do legislador em descapitalizar o crime organizado, tornando-o, dessa forma, impotente perante um sistema onde o poder econômico muitas vezes assume um papel determinante no tocante ao êxito pecuniário que se objetiva através das mais variadas empreitadas, sejam elas lícitas ou ilícitas.