AUTOS DO ACORDO DE COLABORAÇÃO E AUTOS DA PERSECUÇÃO

Por Galtiênio da Cruz Paulino -  

Quando há a celebração de um acordo de colaboração premiada, os termos, junto com os elementos de corroboração, são enviados ao juízo homologador para análise de regularidade, legalidade, interesse público e utilidade. O pedido de homologação é autuado em autos específicos.

Com a homologação do acordo em um tribunal, haverá o "fatiamento" dos relatos colaborativos, materializados nos anexos. Estes serão enviados aos juízos/esferas ministeriais dotados de competência/atribuição para a respectiva persecução penal, em fase investigativa ou processual.

Os relatos (anexos) e respectivos elementos de corroboração que digam respeito a autoridades dotadas de foro por prerrogativa de função ensejarão em investigações específicas ou, a depender do caso, poderão ser juntados a processos em curso.

Nesse cenário, observa-se que os autos de homologação de um acordo de colaboração premiada são totalmente distintos dos autos das investigações (ou mesmo processo) que os relatos colaborativos (anexos) poderão redundar.

Os autos de homologação do acordo permanecerão "intactos" e servirão para discussões relativas ao acordo, como o acompanhamento do cumprimento ou mesmo pedidos de compartilhamento. Já os relatos (anexos) colaborativos darão ensejo a autos autônomos, muitas vezes dissociados do juízo que homologou o pacto, como é o caso dos anexos que não envolvem autoridade com foro.

A separação entre os autos do acordo de colaboração e os autos persecutórios é, inclusive, uma forma de resguardar o sigilo do acordo, em razão da previsão normativa do artigo 7º, § 3º da Lei nº 12.850 [1], que impõe o dever de sigilo às partes e ao juízo homologador do interior teor de um acordo de colaboração, que será afastado apenas com o recebimento da denúncia dos eventos delitivos que abarca.

O referido dispositivo, porém, deve ser conciliado com o Enunciado Sumular nº 14, que assegura ao defensor legalmente constituído o direito de acesso às provas já produzidas e formalmente incorporadas a um procedimento investigatório em curso, excluídas as informações e providências investigativas em execução. Nesse sentido, assegura-se ao defensor do delatado "amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial" [2], ou seja, o delatado e o seu defensor terão acesso a todos os relatos e elementos de corroboração que imputem atividade delitiva ao delatado, não podendo tomar conhecimento do termo de celebração do acordo, dos demais anexos e elementos de corroboração que não tenham relação com o delatado, sob pena de violação do sigilo.

A referida regra, constante no artigo 7º, §2º, da Lei nº 12.850/2013, passou a ser consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme ementa abaixo:

"Reclamação. Agravo regimental. Alegação de violação à súmula vinculante 14. Inexistência. Termos de colaboração premiada que não dizem respeito à acusação à qual responde o reclamante. Depoimentos cujo conteúdo encontrava-se submetido ao sigilo do artigo 7º da lei 12.850/2013. Não evidenciada a prática de atos violadores ao enunciado sumular vinculante. Recurso desprovido. 1. O enunciado sumular vinculante 14 assegura ao defensor legalmente constituído o direito de acesso às 'provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentados no próprio inquérito ou processo judicial' (HC 93.767, Relator(a): Minº CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 01-04-2014). 2. O conteúdo dos depoimentos pretendidos pelo reclamante, embora posteriormente tornado público e à disposição, encontrava-se, à época do ato reclamado, submetido a sigilo, nos termos do artigo 7º da Lei 12.850/2013, regime esse que visa, segundo a lei de regência, a dois objetivos básicos: (a) preservar os direitos assegurados ao colaborador, dentre os quais o de 'ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados' (artigo 5º, II) e o de 'não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito' (artigo 5º, V, da Lei 12.850/2013); e (b) 'garantir o êxito das investigações' (artigo 7º, § 2º e artigo 8, § 3º). 3. Enquanto não instaurado formalmente o inquérito propriamente dito acerca dos fatos declarados, o acordo de colaboração e os correspondentes depoimentos estão sujeitos a estrito regime de sigilo. Instaurado o inquérito, 'o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento' (artigo 7º, § 2º). Assegurado, como assegura, o acesso do investigado aos elementos de prova carreados na fase de inquérito, o regime de sigilo consagrado na Lei 12.850/2013 guarda perfeita compatibilidade com a Súmula Vinculante 14. Agravo regimental a que se nega provimento.  STF. 2ª Turma. Rcl 22009 AgR/PR, rel. Minº Teori Zavascki, julgado em 16/2/2016".

Diante dessa possibilidade de acesso do delatado aos anexos do acordo e elementos de corroboração em que ele estaria envolvido, o questionamento que pode vir à tona é: se existir diligência em curso, poderá ser concedido acesso do acordo de colaboração, mesmo que parcial, ao delatado?

Deve-se destacar que não há "diligências em curso" nos autos de homologação de um acordo de colaboração premiada, que se mantém "intacta" para discussões inerentes ao acordo. Possíveis diligências investigativas em curso, a serem prejudicadas, estão vinculadas a possíveis investigações que tenham se iniciado em razão do "fatiamento" do pacto em questão.

 

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