Arthur Pinto de Lemos Jr. -
Quando nos deparamos com as notícias de prisões no âmbito da investigação criminal levada a cabo na Operação Lava Jato, pode-se pensar que sempre há alguma Colaboração Premiada por parte de um dos Investigados. Mas não é bem assim. Em dois anos de existência já foram interpostas 37 ações penais, com 93 condenações criminais, quase R$ 3 bilhões já recuperados aos cofres públicos. Nesse universo foram firmados apenas cerca de 50 (cinquenta) Termos de Acordos de Colaboração Premiada.
Com esse ponto de partida, passamos a analisar o instituto da Colaboração Premiada e sugerir passos fundamentais para formalizar, com efetividade, o Termo de Acordo.
Com efeito, as acusações e as correspondentes condenações na Lava Jato não se fundamentam exclusivamente nas Colaborações Premiadas firmadas pelos procuradores da república com Investigados e seus edfensores. Seria impossível uma investigação criminal grande e exitosa como a da Operação Lava Jato, depender apenas como elemento de prova dos dizeres contidos numa Colaboração Premiada. Mesmo porque o § 16, do art. 4° da Lei 12.850/13 (Lei que dispõe sobre as Organizações Criminosas) prescreve: “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Quando um Investigado apresenta-se como interessado em firmar um acordo com os responsáveis pela investigação criminal, para confessar os fatos criminosos praticados e delatar os coautores e partícipes; ou indicar o caminho para a recuperação dos valores desviados, muito já se investigou e produziu como prova.
Na grande maioria das vezes, o Investigado decide pela Colaboração porque a investigação criminal o atingiu e os fatos criminosos cometidos foram descobertos. Pode-se se dizer num linguajar comum, que “a casa caiu”. Do contrário, dificilmente o Investigado e seu defensor aceitariam entrar para o restrito universo dos Colaboradores, notadamente na órbita impenetrável, obscura e sempre clandestina dos “Colarinhos Brancos”.
Com isso queremos concluir que os Acordos de Colaboração Premiada resultam, na grande maioria das vezes, de uma investigação criminal calcada em fortes elementos de provas, sem os quais jamais o colaborador aceitaria confessar e delatar seus comparsas.
Por isso, quando se inicia uma investigação criminal dentro do marco de uma organização criminosa, em especial naquelas instaladas em órgãos públicos, não se pode mirar, desde logo, a Delação Premiada. Assim, o primeiro passo para viabilizar um Acordo de Colaboração Premiada é a construção de um quadro probatório consistente e contundente para indicar a responsabilidade criminal de um Investigado ou de seu grupo de agentes criminosos.
O segundo passo a ser dado é a exibição do acervo probatório ao Defensor constituído pelo Investigado. O advogado deve compulsar os autos do inquérito policial, ou procedimento investigatório criminal do Ministério Público, analisar o conjunto probatório e concluir ser ele desfavorável ao seu cliente. Essa visão de inevitabilidade de uma condenação futura permite ao Advogado estabelecer a Colaboração como meio estratégico de defesa e forma única de minimizar a responsabilidade criminal de seu cliente.
A situação do investigado estar preso – prisão temporária ou preventiva –, não é o mais importante. Repita-se, o importante é que o quadro probatório seja consistente para indicar o envolvimento do Investigado na prática criminosa. A prisão do investigado decorre, de forma inapelável, da gravidade dos fatos ilícitos apurados e do preenchimento dos estreitos requisitos previstos no artigo 312 do CPP, que são apreciados – não pelo órgão investigador –, mas pelo juiz de Direito. Portanto, são institutos diferentes e deferidos pelo Judiciário com fundamentos diversos.
Quando um investigado preso, ou seu defensor, procura o Ministério Público para uma Colaboração Premiada ele não o faz movido por coação decorrente da prisão. O que se busca não é a liberdade, que sequer pode ser garantida pelo promotor de justiça. Visa o Investigado e seu advogado estabelecer a estratégia de defesa mais eficiente para evitar uma condenação mais severa. Por isso, para que não se alegue que a prisão foi apenas um meio para se alcançar uma Colaboração, deve se aguardar a iniciativa sempre do Investigado e de seu defensor, anotando-se no Termo de Acordo ou nas Declarações ter sido a proposta feita, em primeiro lugar, pelo próprio interessado.
Importa assegurar, como terceiro passo, a voluntariedade – e não espontaneidade – do Colaborador. A falta desse requisito essencial deve levar o juiz a não homologar o Acordo – art. 4°, § 8o , da Lei 12.850/13: “O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto”. O mais importante não é o motivo da colaboração, se resultou de uma traição, se houve arrependimento, etc., porquanto o que realmente importa é a decisão livre de colaborar, sem coação externa e com ciência do regime jurídico que envolve toda a Colaboração.
Para além da análise do requisito da regularidade e legalidade, se dúvida houver quanto a voluntariedade, pode o juiz responsável pela homologação do Termo de Acordo designar audiência para inquirir o Colaborador : art. 4°, § 12 – “(...) o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial”.
Como quarto passo e antes de elaborar o Termo de Acordo de Colaboração Premiada com o investigado e seu defensor, deve o promotor de justiça reduzir a termo suas declarações. Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações (§ 13, art. 4°).
Evidentemente, ao depor o Investigado deverá estar acompanhado de Defensor (art. 4°, § 15). Nada impede e tudo recomenda que participem dessa inquirição o Promotor de justiça que atua na Defesa do Patrimônio Público; bem como, se o caso, a autoridade administrativa responsável pela apuração dos fatos; e quando se atua em regime de Força-Tarefa, o representante da Corregedoria-Geral do Estado ou do Município, CADE e CGU.
De todo recomendável fazer constar expressamente nesse depoimento, que o Colaborador renuncia expressamente ao direito ao silêncio, pois prefere responder as perguntas e, sobretudo, voluntariamente, colaborar com a plena apuração dos fatos (art. 4°. § 14). Trata-se de uma garantia de que ao Investigado foi dado o pleno conhecimento sobre o direito de não produzir prova contra si e que, sua confissão e delação, resultam de sua voluntariedade de colaborar com a investigação por pura estratégia de defesa.
Num quinto passo para a efetividade da Colaboração deve o representante do Ministério Público exigir a entrega de documentação comprobatória das declarações prestadas. Não raro são entregues: cópias dos e-mails trocados entre os comparsas; atas de reuniões; extratos de contas de telefone ou contas bancárias; bilhetes de passagens aéreas; recibos de hospedagens em hotéis; mensagens de celular; fotografias, vídeos, etc. Caso não existam tais documentos, o depoimento do Colaborador deve indicar o caminho para a comprovação dos fatos declinados no depoimento, sob pena de total ineficácia de suas declarações.
Num sexto e importante passo deve o promotor de justiça verificar se a confissão e os fatos ilícitos declinados no depoimento do Colaborador constituem contexto inédito na prova, que jamais seria alcançado pelo desdobramento ordinário da investigação criminal. Consiste aqui a avaliação da eficácia da Colaboração. Caso o Investigado limite-se a comprovar o que a apuração dos fatos já havia descoberto, não há que se falar em ineditismo e, por conseguinte, não há espaço para a Colaboração. Esse contexto de fatos inéditos deve possibilitar novos desdobramentos da apuração. A investigação criminal passa a atingir agentes criminosos até então desconhecidos; ou fatos cometidos e que estavam sob o manto da opacidade ganham luzes da nova perspectiva investigatória; exige-se, assim, que o grupo criminoso ganhe corpo, em especial a cabeça pensante ou, ao menos, uma parte muito importante dessa engrenagem; ou ainda, novos caminhos surjam para a recuperação do dinheiro desviado com os crimes, tão comum no eixo da criminalidade organizada.
No sétimo passo o representante do Ministério Público deve avaliar, em tom conclusivo, se as declarações do Investigado confesso atende a um ou mais dos seguintes resultados (art. 4°): I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
A preocupação com a recuperação do proveito dos crimes deve ser grande e consiste no oitavo passo. Deve-se avaliar o quantum de dinheiro desviado com os delitos cometidos e o quanto o Colaborador enriqueceu-se, para que esse patrimônio seja objeto de rápido sequestro de bens ou apreensão, com o qual o Investigado não deve se insurgir.
Em seguida, parte-se para o nono passo: a elaboração do Termo de Acordo de Colaboração premiada, sob a responsabilidade do representante do Ministério Público (§ 6o , do art. 4°). Para além dos demais aspectos já delineados e os pressupostos previstos no artigo 4° e seguintes da Lei n° 12.850/13, o promotor de justiça deverá registrar no Termo de Acordo o benefício expresso a ser concedido ao investigado Colaborador. Dentre as possibilidades previstas na Lei que dispõe sobre as Organizações Criminosas, o Ministério Público poderá: a) conceder a imunidade penal (se não for o líder da organização criminosa; e for o primeiro a prestar efetiva colaboração); b) perdão judicial: c) reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade; d) ou substituí-la por restritiva de direitos; e) se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
Por último, o décimo passo: o Termo de Acordo subscrito pelo representante do Ministério Público, pelo Investigado e seu advogado, deve ser levado à homologação judicial. O §6° do art. 4° da Lei n° 12.850/13 deixou claro que no acordo de colaboração premiada não há interferência do juiz, à vista do sistema acusatório que adota o nosso processo penal. Embora seja parte estranha no Acordo, cabe ao magistrado a homologação nas seguintes hipóteses cumulativas: a) se verificar sua legalidade; b) ausência de coação; c) e a inexistência de ofensa aos princípios constitucionais processuais penais, como a ampla defesa, a presença de Defensor e o pleno conhecimento sobre o direito de não produzir prova contra si por parte do Investigado, etc. Não há aqui prejulgamento, porque o juiz irá julgar o Colaborador e os demais comparsas apenas na fase da sentença. A avaliação judicial fica refém a legalidade formal das condições abrangidas no acordo de Colaboração Premiada, sem exame de mérito e valoração de credibilidade do conteúdo da delação. Claro que se não concordar com o conteúdo ou com a formalidade do Termo de Acordo, o juiz indeferirá e deixará de homologar o ajuste.
Reconhece-se, sem margem a dúvida, que a Colaboração Premiada tem constituído meio de prova eficaz para que se localize e decifre a contabilidade paralela existente na criminalidade econômica organizada. Apenas quem conviveu como integrante da teia criminosa sabe indicar qual a verdadeira cabeça do esquema ilícito e por onde penetram seus tentáculos. Mais que isso. A Colaboração Premiada tem sido a chave de abertura dos codinomes ocultos em documentos secretos de grandes escritórios dos senhores de colarinhos brancos, estes os verdadeiros chefes do crime organizado brasileiro.