Nadir de Campos Jr. -
Em momento de pânico nacional decorrente das mortes e fuga em massa do Complexo Penitenciário Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, secundados pelos Presídios dos Estados de Roraima, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, cuja matriz foi o embate entre facções criminosas, se oferece agora ao debate recente Resolução do Contran que regulamenta o transporte de presos em compartimento de cargas de viaturas policiais (Res. Contran n. 626 de 19 de outubro de 2016).
Basicamente, estabelecendo requisitos de segurança para veículos de transporte de presos, conforme previsto pela Política Nacional de Trânsito, considerando a função, o meio ambiente e o trânsito, determina a norma integrativa um caráter de excepcionalidade na ação estatal de transporte de presos.
Sem o apego emocional dos sedentos defensores dos direitos humanos, a vislumbrar, desde logo, inconstitucionalidade da regra regulamentadora, partindo da premissa da violação da dignidade da pessoa humana (pois estaria se violando a imagem do preso, já degradada pela sua condição social de preso), ousamos discordar para transformar o debate em questão de segurança pública, poder/dever do Estado, tendo em vista os interesses maiores da sociedade brasileira.
É que a norma regulamentadora vai além do enfoque da forma como o preso é transportado (com ou sem algemas, com ou sem cinto de segurança, etc.) para abordar procedimentos a serem adotados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Detran) para homologação de veículos junto ao Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam).
A nova regra prevê, ainda, que os veículos fabricados e transformados para transporte de presos deverão obter o Certificado de Adequação à Legislação de trânsito (CAT) e poderão utilizar luz vermelha intermitente e dispositivo de alarme sonoro somente quando houver prioridade de trânsito e de livre circulação, estacionamento e parada, e em efetiva prestação de serviço de urgência que os caracterizem como veículos de emergência.
Com referida regulamentação, ficará mais fácil o registro de abusos indevidos de supostas viaturas policiais em evidente orquestração cinematográficas para, na verdade, fugir ao tumultuado trânsito das grandes metrópoles, como se o restante da população ordeira também não tivesse necessidade de chegar ao lugar almejado em curto espaço de tempo (bastando observar as marginais da cidade de São Paulo).
Mas, de qualquer forma, vedou-se o transporte de presos em compartimento de proporções reduzidas, com ventilação deficiente ou ausência de luminosidade, como por exemplo, no porta malas da viatura policial.
Estamos tratando, na verdade, da chamada “cachoeira” ou “mocó” das viaturas para transporte de presos. A regulamentação desta norma tornava-se mesmo necessária, porque invariavelmente o transporte é feito no compartimento de carga e este compartimento não possui efetivamente cinto de segurança.
A nova regra criou a excepcionalidade deste transporte em circunstâncias de brevidade de atendimento partindo da premissa do preso que representa grande ameaça à vida e à integridade física das pessoas de bem, inclusive de membros da corporação policial.
Não se verifica violação ao princípio constitucional da competência do órgão (posto que as atribuições legais derivam do disposto no artigo 12, inciso I, da Lei 9.503/97 – CBT – e Decreto n. 4.711 de 29 de maio de 2003, que trata da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito), nem do princípio constitucional da legalidade na violação das normas de trânsito, posto que a regulamentação considera a melhor adequação do veículo para transporte de presos à sua função, ao meio ambiente e ao trânsito.
A imprensa nacional e internacional mostrou as grandes dificuldades suportadas pelas autoridades públicas do Amazonas na exigência provisória e precária do transporte urgentíssimo de presos de uma determinada facção criminosa para outra Unidade Prisional. Eram aproximadamente 60 presos colocados na iminência de terem suas cabeças decepadas por ordem dos líderes de outra facção.
Não observamos os chamados defensores dos direitos humanos questionando a forma pela qual estes presos foram transportados. Na verdade, a intervenção Estatal preventiva possibilitou a sobrevivência destes presos, apartados de seus algozes, ávidos de pelo poder da força e truculência, ditar regras do próprio Presídio cuja ausência estatal se mostrou manifesta.
Com este exemplo, queremos reafirmar que a condição de preso não lhe retira a dignidade. Pelo contrário, a CF conferiu significado especial ao princípio da dignidade da pessoa humana como postulado essencial da ordem constitucional (art. 1º., inciso III, CF). O Estado, assim, considerado, está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas humilhações, bem como, à preservação de sua integridade física e moral.
Mas ao lado do princípio constitucional expresso em destaque, devemos considerar os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade/proporcionalidade, decorrentes da interpretação de normas esparsas no texto constitucional, entre os quais, o da Segurança Pública Nacional (a exigir intervenção do Exército)
Assim, em caráter excepcional, como diz a norma regulamentadora, admite-se em caráter provisório e precário, por motivos de força maior, o transporte de presos em compartimento de carga de viaturas policiais.
E foi em razão de força maior, derivada das ameaças de morte iminente desses presos (não controladas pela força do Estado), que se efetivou o transporte de um número inusual de presos provisórios e definitivos do Complexo Penitenciário de Manaus para outra Cadeia Pública, inclusive no interior do Estado, até que o Estado pudesse se aparelhar de socorro da Guarda Nacional, Exército, bem como, de receitas sabidamente existentes no orçamento do Governo Federal para o encaminhamento do problema criado.
E somente dentro deste contexto que se vislumbra coloridos de legalidade na norma regulamentadora do transporte de presos em viaturas policiais. Pois, a lançar um olhar exclusivamente sob o prisma dos supostos defensores dos direitos humanos, os presos somente poderiam ser transportados em carro de passeio, (com cinto de segurança, Súmula Vinculante n. 11 do STF), e o Estado não está aparelhado para tanto, como ocorre em países do 1º. Mundo.
Tanto assim, que ao tratar dos direitos da Criança e do Adolescente, estabeleceu a Lei 8.069/90 (ECA), em seu artigo 178 que:
“O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias a sua dignidade, ou que impliquem risco a sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade”.
Ora, de se questionar, não deveria valer a regra para todos os cidadãos brasileiros? Posto que não se perde a dignidade ao completar a maioridade penal. Mas assim não é, justamente em razão dos princípios da razoabilidade/proporcionalidade, que devem, quando confrontados com o princípio constitucional expresso da dignidade da pessoa humana, serem também considerados.