Alex Neder -
Quando iniciei na advocacia criminal, hoje já caminhando para a terceira década, tínhamos nosso estatuto da advocacia na Lei 4.215 de 1963, onde já assegurava, ao advogado, direitos elementares ao exercício da profissão, dentre eles, o de "examinar autos em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos".
Mas, nem tudo que está na lei é respeitado e sempre foi espinhosa a militância do advogado perante os órgãos públicos, vindo a situação agravar-se no período do regime de exceção, instalado no País pelo Golpe de 1964, quando foram suspensos os direitos mais elementares do cidadão com os decretos dos atos institucionais de triste memória.
Ao falar sobre esse assunto, vem-me à lembrança o dia em que meu pai João Neder e eu comemorávamos a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxera avanços significativos no que diz respeito aos direitos individuais do cidadão, consolidando assim o acalentado Estado Democrático de Direito, para nós uma esperança que se concretizava na nova carta política. Sem dúvida que o capítulo dos direitos e garantias fundamentais seria a maior garantia e conquista para o cidadão e para os operadores do direito, com destaque para os advogados que haviam, há pouco tempo, experimentado o regime de exceção, e sentido na pele o preconceito e a intolerância na defesa dos presos políticos.
Infelizmente, a modificação trazida pela nova carta política não foi suficiente para que as coisas se transformassem de um dia para o outro, e o Estado Democrático de Direito fosse exercido em sua plenitude, como era a esperança e o anseio de todos que preferem a democracia como regime político. Após 26 anos da promulgação da Constituição Federal, encontramos, ainda, o arbítrio e a intolerância de órgãos e autoridades que ainda não assimilaram o respeito aos direitos e garantias do cidadão e, consequentemente, o direito e o respeito às prerrogativas do advogado no exercício da profissão.
Embora os direitos dos profissionais estejam expressos em lei, hoje no Estatuto da Advocacia, Lei 8.906 de 1994, a violação em nada apena os infratores, pois não há punição regulamentada para coibir os transgressores que abusam do poder que estão investidos pelo cargo que ocupam em detrimento não apenas do advogado, mas, principalmente do cidadão - este é o maior prejudicado quando o advogado tem suas prerrogativas cerceadas e desrespeitadas em razão da intolerância e do arbítrio de alguns delegados, juízes, promotores, policiais, dentre outros, que acreditam que somente o trabalho deles tem relevância. Para algumas pessoas, o advogado tem de se adequar à estreita visão que essas autoridades os condicionam, como se quisessem determinar os limites de atuação do profissional do Direito, que é o de defensor intransigente das garantias constitucionais do cidadão, e não um mero chancelador de atos burocráticos como pensam certas pessoas que jamais advogaram e não sabem dimensionar a relevância, a utilidade pública e a nobreza dessa profissão.
Tem sido uma luta diária e constante para se fazer cumprir a lei e ver respeitados os direitos do cidadão e de seu advogado no exercício da advocacia. Mas isso não tem sido suficiente para pôr um basta às arbitrariedades que sacrificam direitos e desrespeitam os profissionais que militam diariamente na advocacia, principalmente na área criminal, embora não seja a regra, mas exceções, infelizmente ainda são muitas.
A criminalização da violação dos direitos e das prerrogativas do advogado é a única forma de garantir a liberdade e, principalmente, a independência no exercício da advocacia. Vale ressaltar que o profissional honesto e ético, que usa de suas prerrogativas para defender os direitos de seus constituintes, merece do Estado todo respeito, respaldo e garantia para seu trabalho, e não pode mais ficar relegado à boa vontade de uns e à intolerância e arbítrio de outros.
Contra os maus profissionais da advocacia, já existe o Tribunal de Ética e uma abundância de leis, mas, para os advogados que sobrevivem da advocacia e precisam de suas prerrogativas para defender o cidadão, ainda existe a lacuna de não ter a segurança e a certeza de que seus direitos elementares para o exercício de seu trabalho serão respeitados. Isso já foi dito por mim e publicado em artigo no ano de 2006, quando a deputada Mariângela Duarte (PT-SP) lançou projeto no sentido de criminalizar a violação aos direitos e prerrogativas do advogado, infelizmente o projeto não vingou e,até hoje, a classe sofre com esse vácuo na legislação.
Sensível a essa questão crônica e recorrente, o Excelso Supremo Tribunal criou a Súmula vinculante nº 14, que diz: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia".
Ora, hoje, não somente a polícia detém o poder de investigação, mas o Ministério Público também, o que defendo como legítimo, em proteção da sociedade, desde que respeite os direitos constitucionais dos investigados. Em reiteradas decisões, o STF já decidiu que não há sigilo para o advogado, e o Estatuto da Advocacia (lei federal) garante que mesmo sem procuração o advogado pode ter acesso aos autos de inquérito ( art.7º, inciso XIV) e que não é excepcionada pela disposição constante no § 1º, do mesmo artigo, que trata dos casos sigilosos.
Mesmo assim, no País inteiro ocorrem casos em que autoridades não permitem acesso do advogado aos autos de inquérito policial, além de outras violações, desrespeitando o Estatuto da Advocacia, a súmula vinculante do STF e tudo que a Constituição da República trouxe em termos de avanço às garantias fundamentais do cidadão, obrigando o advogado a peticionar perante o STF em reclamação para fazer cumprir a lei e a súmula da mais alta corte de justiça do País.
Não é mais possível tolerar o desrespeito e, consequentemente, a violação das garantias constitucionais do cidadão e ficar, tal violência, no plano da irregularidade que estimula o abuso de autoridade e a certeza da impunidade. A Lei 4.898/1965, além de ultrapassada e absoleta, nunca esteve adequada para proteger os direitos dos advogados quando têm suas prerrogativas violadas. Penso que chegou o momento de toda a classe e a sociedade apoiarem com vigor o projeto de lei nº 7.508/2014, apresentado no dia 7 de maio, pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), cujo texto foi elaborado após sugestão do conceituado advogado criminalista Técio Lins e Silva, hoje presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. O projeto acrescenta ao artigo 350-A, do Código Penal, a seguinte redação: "(é crime) Violar ato, manifestação, direito ou prerrogativa do advogado, nos termos da lei e no exercício de sua função, impedindo ou prejudicando seu exercício profissional."
A restrição de acesso ao advogado aos autos de inquéritos e processos é apenas um dos exemplos recorrentes, mas existem várias outras violações às prerrogativas, que prejudicam não apenas o trabalho e o legitimo exercício profissional da advocacia, mas prejudica mais ainda o próprio cidadão-jurisdicionado, quer seja limitando, restringindo ou mesmo impedindo o pleno exercício do direito profissional, e principalmente a defesa das garantias constitucionais e fundamentais do indivíduo, que devem prevalecer em todo Estado Democrático de Direito.