Ives Gandra Silva Martins -
Há nítida diferença entre o consumidor de drogas, levado ao vício pelo traficante, e este. O primeiro inicia-se no vício atraído por novas emoções ou por não querer, quando muito jovem, ser discriminado no grupo a que pertence, ou, ainda, acreditando que poderá abandonar o deletério hábito quando quiser. O segundo, não. Vive do narcotráfico, quase sempre vinculado a quadrilhas de criminosos, que se enriquecem em todo o mundo, à custa dos viciados que geram. Alargar a lista de dependentes é aumentar o lucro do sórdido negócio, e, às vezes, é tanto o dinheiro arrecadado, que conseguem, através do mercado de ações, a lavar os recursos para investimentos sérios. No meu livro “Uma visão do mundo contemporâneo” (Ed. Pioneira, 1996), mostro como, à época, em todas as Bolsas de Valores do Mundo, havia dinheiro do narcotráfico, de alguma forma lavados por sucessivas transações não detectadas. Hoje, todavia, isso é mais difícil, pela luta empreendida pelos governos contra tais expedientes. As leis contra a corrupção e dinheiro resultante de terrorismo e drogas, habilitando polícias sempre mais preparadas para combater essas atividades, à luz da globalização e da quebra de sigilo bancário mundial, estão criando, felizmente, reais obstáculos para as ações de tais delinquentes. Cada vez é mais complicado operar, no mercado de capitais e no sistema financeiro, com recursos escusos.
A Lei 11.343/00, todavia, pune ambos, como forma de combater o lucrativo ramo do crime organizado.
Tenho para mim, que a descriminalização das drogas seria um passo equivocado, pois, à título de desmontar a máquina do crime, estaria alimentando o consumo ilimitado, o que, efetivamente, ocorreu na Holanda, onde há movimentos para o retorno à criminalização do uso.
Há necessidade, pois, de punir o narcotraficante e coibir o uso, para que o seu consumo não se torne um hábito “não salutar”.
Parece-me, todavia, que, para o consumidor que se vicia, a pena não deveria ser detenção em estabelecimento penal, onde irá conviver, pela falência de nosso sistema carcerário, com facínoras experimentados, sendo hoje o regime penitenciário brasileiro uma escola do crime. No meu artigo “O Estado delinquente” (FOLHA DE S.PAULO, 13/12/2013, Opinião A3) defendi que, só no momento em que o Estado for responsabilizado financeiramente, haverá melhoria no regime.
A detenção do dependente deveria ser em clínica de recuperação, com o que a pena representaria, de rigor, uma solução consideravelmente melhor para a pessoa e para o país.
A liberação das drogas implicaria, quase certamente, a expansão do consumo de entorpecentes, terminando por gerar um número maior de dependentes, com custos públicos crescentes para o sistema de saúde.
Sou contra, portanto, a liberação geral, sendo favorável à punição do criminoso, e ao recolhimento de usuário, que se viciou, em estabelecimentos clínicos de recuperação.
Por outro lado, a posse de pequena quantidade de entorpecente, em limites razoáveis (5 gramas de maconha ou 0,5 grama de cocaína), não deveria ser punida. Não se poderia, todavia, jamais chegar à solução espanhola, de 20 gramas de maconha e 7,5 gramas de cocaína, como teto impunível. A maioria dos países não criminaliza a guarda por um usuário de pequenas quantidades de alucinógenos.
Sou, portanto, favorável à aplicação da Lei 11.343/06, em seu artigo 28, com tais temperos, pelo Judiciário, levando-se em consideração, também, a habitualidade, o passado do usuário em outros crimes e sua influência no meio em que atua, para se saber se é vítima ou mercador.
Descriminalização nunca, ponderação na aplicação da pena, sim!