André Luís Callegari -
Após a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, por unanimidade, manteve a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro muitas pessoas se manifestaram —, aliás, sobram juristas nesse Brasil repleto de Escolas de Direito. Tudo foi dito com uma clareza absoluta pelos doutos de plantão, até mesmo que houve um acordo no tribunal para que não houvesse divergência, fato este que impediria os embargos divergentes, recurso possível quando a decisão não é unânime.
Rápida e passionalmente, as correntes de opiniões se dividiram sobre a imediata execução da pena, pois, como se sabe, até o momento a posição do Supremo Tribunal Federal é a de que, uma vez julgado por um colegiado em grau de recurso e confirmada a sentença, a decisão já pode ser executada. É verdade que existem liminares do próprio Supremo suspendendo a execução provisória da pena porque a decisão do Plenário não teria força obrigatória e deve ser examinada caso a caso.
Muitos aplaudiram quando o STF decidiu pela imediata execução, mas agora as opiniões já começam a mudar, fato este admitido até mesmo por ministros da Corte que já afirmaram a possibilidade de rever a decisão, o que é salutar independentemente do julgamento do ex-presidente.
Só para fazer parênteses, o problema da execução da pena após a decisão do colegiado, como muitos querem porque em outros países também é assim, não pode servir de paradigma para o Brasil. Não há como comparar, por exemplo e principalmente, os sistemas carcerários dos diferentes países. Seguramente estamos diante de uma das piores crises no sistema prisional brasileiro. Querer executar penas imediatamente pensando que isso resolverá o problema da corrupção e da impunidade é uma quimera.
Como sempre, pairam incertezas na hora da aplicação da lei penal. Já não se pode afirmar o velho adágio “nesse sentido, a jurisprudência”. Qual jurisprudência? Na própria Corte Constitucional não há acordo sobre a maioria dos temas e o exemplo claro disso é sobre a execução provisória da pena, já revista monocraticamente no STF.
O STF, nos últimos tempos, decretou a prisão preventiva de um senador da República, sem previsão constitucional para isso. Retirou outro do cargo aplicando cautelares do Código de Processo Penal, porém, voltou atrás. De qualquer forma, tampouco havia previsão para tanto, pois não há cautelares de afastamento de membros do Senado.
No tocante ao Habeas Corpus, implementa-se uma liminar concedendo a liberdade ao investigado ou processado, porém, após um ano da implementação a Turma volta atrás e determina novamente a prisão. Não é crível que alguém que permaneceu um ano solto, cumprindo religiosamente a cautelar estabelecida, tenha que voltar ao cárcere porque o tribunal entende que “não podia conhecer do habeas corpus”. Aqui, notadamente, inverte-se toda a lógica do processo.
No que toca à prisão preventiva nunca o conceito de ordem pública foi tão elástico. A prisão, que deveria ser pautada pela necessidade, tornou-se quase obrigatória. Mesmo após a colheita da prova (busca e apreensão de documentos e computadores, bloqueio de contas, interceptações telefônicas) afirma-se que os investigados soltos são uma ameaça à ordem pública uma vez que soltos poderiam seguir praticando os delitos. De que forma? Se tudo já foi apreendido pela polícia, uma cautelar alternativa à prisão não seria suficiente? Se a resposta for negativa não sabemos porque as cautelares alternativas à prisão estão no Código de Processo Penal. Realmente, prender gera uma sensação de resposta imediata à sociedade, mas não é isso que queremos dos juristas. A resposta deve ser adequada e proporcional e não puramente midiática.
Qual o sentido de recrudescer o sistema penal? Dar uma resposta rápida à sociedade? Mas é essa a missão do Direito Penal? Não é e nem pode ser. O Direito Penal tem a missão de proteger os bens jurídicos essenciais à sociedade e permitir a convivência pacífica entre os cidadãos. Já o processo serve de instrumentalização para a aplicação do Direito Penal, mas respeitando a garantia máxima da presunção de inocência, aliás, esquecida já por muitos.
De fato, estamos sem rumo na aplicação do Direito Penal. A prisão é a regra e liberdade a exceção. As denúncias, na dúvida, são recebidas sobre o adágio do in dubio pro societa quando, na verdade, deveria ser ao contrário, ou seja, se há dúvida não pode haver processo. Porém, nesses casos, o réu que se defenda até o fim para provar sua inocência, como se o processo já não fosse um ônus pesado para ele.
De outro lado, há o paradoxo da lei que instituiu a colaboração premiada onde os colaboradores da Justiça muitas vezes são mais apenados do que aqueles que trabalharam contra a Justiça, sem que se faça o devido balanço do que está em jogo e dos riscos de quem delatou. O instituto, que vinha se firmando como um instrumento de investigação, já sofre abalos e o Supremo terá que intervir também nesse tema para balizar algumas lacunas de aplicação da lei que introduziu a colaboração.
Um feliz ano novo, nesse mar de incertezas em que navegamos, seria poder levar o Direito por águas mais tranquilas e seguras. Em outras palavras, que a Corte Constitucional reassuma sua vocação contra majoritária e seja firme no sentido de aplicar tão-somente as garantias da Carta Política pelas quais lutamos tanto e, mesmo com a crise política, não é o momento de abandoná-las.