Luiz Flávio Gomes -
A declaração de Luiz Edson Fachin – ministro indicado por Dilma, que acaba de ser empossado no STF – no sentido de que a delação premiada não é prova, sim, indício, deve ser bem compreendida.
Isoladamente a delação premiada não constitui prova suficiente para a condenação do réu. Isso é texto expresso da lei 12.850/13, art. 4º, § 16, que diz: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
A delação premiada, como se vê, por força da lei, é prova, porém, meramente indiciária, porque se não corroborada por outras provas seguras (que estejam além da dúvida razoável), não vale nada para o fim da condenação (nem sequer do próprio réu, que para colaborar deve confessar participação no delito). Essa é a regra da corroboração.
Além de constituir uma prova, a delação premiada (quase vinte já existem no caso Petrobras) é, ademais, fonte de outras provas e, eventualmente, de recuperação de bens (sobretudo em favor do erário).
A delação premiada no Brasil é distinta da Justiça criminal negociada dos EUA (plea bargaining) pelo seguinte: lá, com a declaração de culpa do réu (guilty), fica automaticamente derrubada a presunção de inocência. Nenhuma prova mais é necessária. José Maria Marin, ex-presidente da CBF (e acusado de envolvimento na corrupção do futebol), em breve, deve sentir essa experiência (na pele e no bolso).
Aqui, em virtude da regra da corroboração (tudo que é falado tem que ficar provado em juízo), sem provas inequívocas posteriores, a presunção de inocência fica intacta. O réu não pode ser condenado (muito menos terceiras pessoas, só com base na delação).
Não é verdade que a investigação do caso Petrobras, por causa do posicionamento de Fachin, “sofreu um duro revés”. Fachin, com outras palavras, repetiu o que está na lei. Tudo depende, portanto, das provas que estão sendo ou que serão produzidas ao longo dos vários processos instaurados.
Eu, particularmente, sou um efusivo torcedor para que essas provas contundentes e indiscutíveis apareçam, porque somente assim se faz civilizadamente o império da lei contra a cleptocracia brasileira (que é o governo dos ladrões, integrado pelas bandas podres dos poderes econômico, financeiro, político, governamental, administrativo e social).
Mas minha torcida também é para que o Estado de Direito (a legalidade estrita) seja rigorosamente observada. Toda nulidade é a confirmação da falência do Estado. Eu gostaria de ver todos os cleptocratas condenados e total ou parcialmente empobrecidos. Mas tudo depende das provas e, ademais, observando-se o direito vigente.
Quando fazemos uma opção de vida decente, não conspurcada pela ignorância bruta, pelos interesses mesquinhos, pela tolice ou pela canalhice, não há como conceber nossas emoções separadas da razão.
O castigo (derivado da razão) não se confunde com a vingança (que emana da emoção). Aquele acontece dentro das regras do direito; a vingança é uma festa da pura emoção (Nietzsche), pré-histórica, que revela nosso primitivismo mais tosco e deslapidado. A vingança está atrelada ao animal não domesticado (Nietzsche). O castigo, dentro da lei constitucionalmente válida, é sinal de civilização. A pena não é qualquer “mal” que se aplica a uma pessoa, sim, aquele que tem sua origem e fundamento em uma conduta criminosa comprovada; a vingança, por seu turno, decorre de qualquer mal, real ou imaginário (criado, muitas vezes, até mesmo pelas redes sociais: isso ocorreu em um linchamento no Guarujá).
O castigo observa uma determinada “forma” jurídica, social e cultural. Quando válido, é proporcional. A vingança não tem “forma” e normalmente é desproporcional. O castigo é um mal que aflige quem violou bens jurídicos de terceiros. A vingança é um mal que gera sofrimento desnecessário (daí seu caráter festivo, como ensinava Nietzsche). Que todos os cleptocratas do país sofram o castigo devido conforme as regras legais, constitucionais e internacionais vigentes e válidas. Nenhuma nação é forte e próspera sem o império da lei.