Delação premiada: ponte de ouro e ponte de prata

 Luiz Flávio Gomes -

Ainda constitui uma grande novidade na nossa cultura jurídica o instituto da colaboração premiada (a delação premiada é uma espécie). Prevista nas leis brasileiras desde 1990, somente agora (com o escândalo da Petrobras) é que ganhou forte visibilidade. A delação tem suas vantagens (facilita a produção das provas, por exemplo), mas também tem problemas (a suavização ou eliminação da responsabilidade penal que ela concede pode incentivar as pessoas a praticarem crimes que não cometeriam, na medida em que se sabe que as consequências penais podem ser abrandadas conforme sua própria vontade). O ideal é que as pessoas internalizem (eticamente) o que se pode e o que não se pode fazer. A delação premiada está na contramão dessa internalização das regras, porque oferece pontes de ouro e de prata como premiação para quem delatar.

Pontes de ouro (de acordo com clássica lição de Von Liszt, que tem a paternidade do direito penal moderno) são institutos penais que, após o início da execução de um crime visam a eliminar a responsabilidade penal do agente, estimulando-o a evitar a consumação. São dessa natureza tanto a desistência voluntária (o agente inicia a execução do crime, pode prosseguir, mas resolve desistir) como o arrependimento eficaz (o agente esgota os atos executivos, se arrepende e pratica uma conduta voluntária de salvamento do bem jurídico). Ambos estão previstos no art. 15 do CP. O agente, nesse caso, se iniciou a execução de um crime de homicídio, não responde pela tentativa deste crime, sim, apenas pelo que objetivamente praticou (lesão corporal).

Pontes de prata são institutos penais que, após a consumação do crime, pretendem suavizar ou diminuir a responsabilidade penal do agente. É dessa natureza, por exemplo, o art. 16 do CP, que cuida do arrependimento posterior; o agente consuma o crime não violento e depois repara os danos ou restitui a coisa, antes do recebimento da ação penal.

Na lei do crime organizado (Lei 12.850/13 – veja nosso livro Organizações criminosas, Juspodivm, no prelo) o instituto da colaboração premiada, da qual a delação premiada é uma espécie, cumpre semelhante papel (de eliminar a responsabilidade penal ou de suavizá-la). Analisando-se os prêmios previstos na lei (para o colaborador da Justiça) podemos dividi-los em dois grupos: o perdão judicial e o não oferecimento de denúncia (art. 4º, caput, da citada lei e art. 4º, § 4º) seriam hipóteses de pontes de ouro (porque eliminam a responsabilidade penal do agente, mesmo depois da consumação do crime); a redução da pena em até 2/3 e a possibilidade de concessão de regime prisional mais favorável (art. 4º, caput) seriam situações de pontes de prata (porque apenas suavizam ou atenuam a responsabilidade penal). 

O legislador brasileiro, ao reconhecer a falência do Estado na área da persecução criminal, deliberou criar novas pontes de ouro ou de prata em favor do colaborador da Justiça. Importante sublinhar que o momento da colaboração faz toda diferença: se ela ocorrer antes do trânsito em julgado final da sentença (ou do acórdão), quatro prêmios são possíveis: perdão judicial, não oferecimento da denúncia, redução da pena e regime prisional mais favorável.

Se a colaboração acontecer depois do trânsito em julgado, cabe apenas redução da pena até metade ou progressão de regime (art. 4º, § 5º, da Lei 12.850/13), mesmo quando ausentes os requisitos legais do art. 112 da lei de execução penal ou do art. 2º, § 2º, da lei dos crimes hediondos. Ou seja: após o trânsito em julgado a lei somente dispôs sobre a ponte de prata. Não se fala em ponte de ouro para o colaborador da Justiça após o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão condenatório ou confirmatório da sentença. Essa colaboração após o trânsito em julgado se chama tardia ou pós-processual.  

 

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