Delação premiada: um revés ao modo de agir corrupto

Ricardo Alessandro Kern -  

A expressão “kickback” nos Estados Unidos da América significa suborno ou propina em seus vários aspectos. O combate ao uso de propinas pelo governo mereceu tratamento do legislador dos EUA no ano de 1986 (The Anti-kickback Atc), proibindo-se, grosso modo, qualquer pagamento ou gratificação feito com a finalidade de induzir adjudicação de contratos (ou subcontratos) com o governo contratante.  O combate a esse tipo de prática ilícita – que infelizmente se disseminou no âmbito de contratos com entes estatais e governamentais no Brasil - depende de métodos modernos de investigação e produção probatória, dentre eles sobressaindo a delação (ou colaboração) premiada. 

O propósito da delação premiada não é outro senão o de obter informações sobre fatos que possam contribuir para a apuração efetiva e eficaz da materialidade e autoria delitivas. Com iniciativa difusa – podendo ser requerido tanto pela defesa quanto pela acusação (Ministério Público a qualquer tempo e o Delegado de Polícia, ouvido o MP, durante o inquérito policial), o método passa por um crivo de legalidade por parte do Poder Judiciário (onde são verificadas, entre outros aspectos, a voluntariedade e a imprescindibilidade da prova). 

Ultrapassada a etapa de sua admissibilidade, processualmente, segundo o regramento em vigor, é necessário que as informações prestadas pelo delator sobre outros sujeitos ativos do delito (infratores) tenham corroboração por outros meios ou indícios de prova, capazes de, conjuntamente, formar o convencimento do julgador, que deve, como sabido, julgar com base nas provas e evidências. De duvidosa constitucionalidade, a nosso ver, se mostra o artigo 4º, parágrafo sexto da Le n. 12.850, de 02 de agosto de 2013, segundo o qual “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”, notadamente nos casos envolvendo organizações criminosas, quando patente a materialidade delitiva. Aliás, a delação (mesmo que não premiada) sempre foi admitida como meio de prova em ações penais envolvendo crimes violentos sem maiores questionamentos jurídicos. Por que não o seria, sopesada a necessidade de avaliação judicial da credibilidade do delator, em crimes do ‘colarinho branco’, contra o patrimônio público e em desfavor da probidade da administração pública? 

A nosso sentir, a delação premiada tem um acentuado caráter de meio de prova, além de representar um viés inibidor de esquemas delituosos capazes de vicejar em organizações criminosas, as quais estendem seus tentáculos sobre agentes estatais inescrupulosos, que indubitavelmente sabem da origem espúria dos recursos por si ‘apropriados’, seja a que título for (p.ex.,  reformas imobiliárias graciosas, fornecimento dispendioso e gracioso de mobiliário, propinas travestidas de supostas doações eleitorais, palestras e consultorias fictícias, benefícios especiais - inextensíveis e injustificáveis aos olhos de um observador mediano, etc). 

A República precisa combater com vigor as incontáveis condutas representativas do “kickback”, afigurando-se a delação premiada uma importante arma no combate a corruptos e corruptores. O sistema legal persecutório há que se mostrar rígido e eficaz no combate ao crime (notadamente contra o patrimônio público) e à improbidade administrativa, revelando-se, numa relação de custo-benefício, mais interessante ao infrator delatar do que enfrentar a integra das sanções penais e civis. 

Diante disto, não há dúvida de que a delação premiada constitui um revés ao modo de agir corrupto, devendo ser aplicada eficazmente como medida de combate à criminalidade, especialmente quando esta avança sobre o patrimônio público, como se vê recorrentemente em nosso país, nos últimos anos especialmente.

 

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