Técio Lins e Silva -
Recentemente, ao falar para uma plateia de aproximadamente 700 estudantes da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS), ressaltei a importância do processo penal democrático e defendi, como de hábito, as prerrogativas constitucionais da advocacia. Naquela ocasião, ao citar exemplos de violação dessas prerrogativas — que nada mais são do que garantias dos cidadãos representados pelos advogados nos tribunais —, defini o nosso exercício profissional, nos dias atuais, como “advocacia em tempos de cólera”.
Comecei a exercer a advocacia criminal nos tempos da ditadura militar, quando os advogados se viam forçados a exercer a profissão sem poder lançar mão do instrumento do Habeas Corpus, suspenso pelo regime totalitário. Como era uma Justiça do próprio sistema, a Justiça Militar podia ser independente. Aprendi, nesse tempo, a conviver com uma advocacia muito tensa. Hoje, enfrentamos as arbitrariedades decorrentes do Direito Penal do inimigo, que suprime garantias processuais, antecipa a punição e impõe penas desproporcionais.
A experiência dos últimos anos é bem significativa para se avaliar a importância da presença do advogado na vida pública brasileira. Ainda estamos longe de exercer o papel desempenhado pelos advogados em países desenvolvidos, como, por exemplo, os Estados Unidos, possuidor de uma Justiça modelar, eficiente e desburocratizada. Mas, na medida em que defende o interesse do indivíduo, ainda que esse interesse não seja só individual, mas da própria coletividade, o advogado criminal — esse maldito — estará sempre exposto a receber, ele próprio, os ódios e as culpas lançadas às causas que ousar defender.
A advocacia brasileira tem percorrido uma trajetória marcada pela resistência a tempos de trevas e, paralelamente, pela satisfação cívica de contribuir para o aprimoramento da ordem jurídica nacional. Suas reações aos atentados praticados contra o Estado Democrático de Direito em diversos momentos da história do país fortaleceram o papel do advogado na sociedade. E culminaram com o reconhecimento constitucional de que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Contudo, são cada vez mais numerosos os casos de violação desse princípio, como, por exemplo, o desrespeito ao direito à ampla defesa e ao contraditório e a adoção de medidas judiciais que afrontam dispositivos constitucionais consagrados e ameaçam garantias que só o processo penal democrático é capaz de conferir ao sistema jurídico.
É inaceitável a alegação, falsa, de que o necessário combate à criminalidade, especialmente a que assalta os cofres públicos, exige a flexibilização de direitos. Ao suprimir as prerrogativas da advocacia, o ato judicial desrespeitoso à Constituição despreza o direito de defesa, vilipendia o princípio da presunção da inocência e arranca, irreparavelmente, a liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Esses são motivos mais do que suficientes para que a advocacia discuta o seu papel na reconstrução do Brasil e apresente propostas que impeçam toda e qualquer forma de fundamentalismo, seja no Direito, na Justiça, na política ou na vida.