Por Antônio Rodolfo Franco Mota Veloso -
O STF está julgando um caso de extrema complexidade, cuja solução, independente de qual seja, desagradará determinados grupos. Sem dúvidas, a homofobia é um ato vil, desprezível que deve ser repudiado por todos e, consequentemente, pelo Estado. Não reconhecer isso só demonstra o quanto a sociedade brasileira possui um grave problema em sua formação, já que é incapaz de respeitar o próximo só por ser "diferente" (conceito extremamente relativo, afinal, "diferente" sempre será do ponto de vista do observador. Assim, os brasileiros podem ser considerados "diferentes", sendo incluídos em uma categoria inferior pelo mero fato de serem brasileiros).
Buscar a solução exclusivamente por meio do Direito Penal é insatisfatória e, provavelmente, poderá gerar um problema maior. Para justificar esse raciocínio, é importante ressaltar que a legalidade — princípio básico do Direito Penal (artigo 1º, CP) e direito fundamental arrolado no artigo 5º, XXXIX, CF e cujo fim impedir abusos por parte pelo Estado — determina que só haverá crime se houver lei anterior que o defina. Porém, prever uma conduta como tal não é suficiente para satisfazer os objetivos almejados pela referida norma. O legislador tem a obrigação de tipificar uma conduta com todos os seus aspectos, descrevendo-a de forma objetiva, de modo a limitar qualquer tipo de interpretação, por parte do julgador, que possibilite a inclusão de condutas não criminalizadas. É desse raciocínio que surge a conclusão da impossibilidade da aplicação da analogia in mallam partem no âmbito penal, pois criaria uma restrição não disposta em lei. A finalidade desse raciocínio é evitar arbitrariedades na aplicação da norma penal, limitando o poder do Estado em punir seletivamente, ou seja, impedindo a aplicação do velho ditado: "aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei".
Todos esses cuidados, entretanto, ainda são insuficientes para tornar uma lei penal exigível. Deve-se, também, verificar sua fonte criadora, não podendo se esquivar da indagação “quem criou o crime?”. Esse questionamento, aparentemente trivial, é de extrema importância, porque não é suficiente haver um anseio do povo em criminalizar determinados atos. É imprescindível a sua discussão no parlamento e que sua aprovação esteja de acordo com o processo legislativo e com os parâmetros traçados pela Constituição Federal. Assim, é um equívoco afirmar que é possível o STF criminalizar a homofobia, pois os ministros não possuem competência legislativa para tanto, devendo ser cuidadosos no uso de mecanismos interpretativos para evitar uma desarrazoada extensão do sentido.
Essa lógica, portanto, deve ser utilizada na interpretação da Lei 7.716/89, a qual descreve racismo como condutas "resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" (artigo 1º). Como se observa, a descrição é taxativa, não sendo elencado, em nenhum momento, a homofobia como uma de suas modalidades. Pode-se argumentar que a lei é antiga, ultrapassada, uma vez que o conceito de racismo é muito mais amplo, incluindo, atualmente, qualquer forma de discriminação, como defendeu, em sua sustentação oral, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti. Porém, não se pode olvidar que sua ampliação, senão por meio do Legislativo, pode gerar uma violação aos princípios básicos do Direito Penal, protegidos tanto na Constituição Federal quanto em tratados internacionais.
Um outro detalhe deve ser evidenciado: as ações ajuizadas no STF (ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção) têm como principal pedido o reconhecimento da omissão, por parte do Estado, em não elaborar legislação para punir a homofobia e atos correlatos. Ao serem questionados, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal afirmaram que não há imposição constitucional para criminalizar tais ações. Alegaram, ainda, que, mesmo isso não sendo exigido constitucionalmente, há projetos de lei que visam tratar o tema. Esses argumentos são falhos, pois, a despeito de haver projetos de lei sobre o tema, sua não promulgação reforça o conceito da omissão, pois, enquanto não ingressar no ordenamento jurídico, sua eficácia é nula.
Como também pode ser verificado no artigo 5º, XLI, CF/1988, o poder público deve praticar ações que visem punir condutas aptas a promover qualquer tipo de discriminação. Por isso, afirmar que a CF não obriga a elaboração de legislação para combater um ato tão atroz, como a homofobia e todos os seus atos correlatos é um sofisma. Porém — e esse detalhe deve ser ressaltado —, em nenhum momento a Constituição determinou que a punição das práticas discriminatórias deva ser realizada via Direito Penal, sendo possível o legislador sancionar tais práticas por meio de outros ramos, como o Civil e o Trabalhista, evitando, mais uma vez, a inflação do Direito Penal, que, como é corriqueiramente afirmado pelos estudiosos, pune muito e pune mal, não sendo suficiente para evitar a prática de delitos. Não é correto, portanto, o argumento defendido pelo ministro Luiz Edson Fachin no qual é sustentada a tese de que há “[...] na jurisprudência desta Corte [STF] e na das organizações internacionais de direitos humanos, um nítido mandado de criminalização das manifestações homofóbicas”.
A omissão do Estado em proteger essa parte da população é evidente, sendo isso reconhecido no voto do ministro Celso de Mello na última quinta (14/2). Mas a criminalização dessa conduta pode gerar mais um tipo penal simbólico, existente no ordenamento como forma de dar uma resposta à sociedade, porém ineficiente na prática, não evitando a prática de tais condutas. A falta de interesse do Executivo em implementar políticas públicas que objetivem a redução desse tipo de discriminação fará com que a criminalização fomente, mais ainda, o discurso do ódio contra esses grupos já tão odiados. Por isso, a saída deve ser por meio de (re)educação não só dos infratores, mas também de toda a população “cordial” para respeitar os seus diferentes.
A saída adequada do STF seria dar procedência às ações, pois a “falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais” (artigo 2º, Lei 13.300/16), expondo em rede nacional a omissão por parte do poder público em proteger adequadamente os grupos minoritários, violando o Estado Democrático (material) de Direito. Por conseguinte, concederia “prazo razoável” para edição de norma regulamentadora pelo impetrado, conforme o artigo 8º, I, Lei 13.300/16, a fim de criar mecanismos para combater a homofobia, que pode ser criminalizada ou não.
No caso de não solução da omissão, um problema deve ser destacado: o artigo 8º, II, da Lei 13.300/2016 permite que o Judiciário, no caso de mora do impetrado, estabeleça “as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los”. Esse dispositivo não pode ser interpretado isoladamente, o que poderia ocasionar uma grave violação da Constituição Federal.
Esclarecendo melhor: sem dúvidas, o mandado de injunção é um mecanismo que representa bem a autorização constitucional de o Judiciário ser ativista em determinadas ocasiões. Assim, pode, por exemplo, o STF regulamentar o exercício de determinado direito enquanto o Legislativo não o regula por meio de lei. O caso da homofobia, contudo, deve ser visto com cautela, pois, a despeito de alguns ministros (Celso de Mello, Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso) terem votado no sentido de que a conduta deve ser criminalizada, não se pode ampliar o rol do artigo 1º da Lei 7.716/89, sob pena de o STF estar legislando matéria criminal e violar os direitos dispostos na Constituição. Em outras palavras e concluindo o raciocínio, o STF deve ser cuidadoso na decisão deste caso.
Sem dúvidas a omissão do Legislativo é inconstitucional e deve ser dirimida o quanto antes. Contudo, reconhecer a homofobia, desde já, como um crime talvez seja um “tiro no pé”, além de um flagrante desrespeito à Constituição, porque violaria os limites impostos a cada uma das funções do poder, já que o Judiciário estaria legislando, e à legislação, uma vez que não observaria as etapas dispostas no artigo 8º da Lei 13.300/16.
Não se pode olvidar, outrossim, da supressão dos princípios penais básicos, tão caros ao Estado Democrático (material) de Direito, pois limitam o poder do Estado. Com isso, não resta outra conclusão senão a desenvolvida por Humberto Ávila: “[...] se verdadeiras as conclusões no sentido que os seus fundamentos [do neoconstitucionalismo] não encontram referibilidade no ordenamento jurídico brasileiro, defende-lo, direta ou indiretamente, é cair numa invencível contradição performática: é defender a primazia da Constituição, violando-a”.