EM 2018, LAVAGEM DE DINHEIRO FOI DE COADJUVANTE A PROTAGONISTA

Por Jorge Nemr e Armando Mesquita Neto -  

2018 marcou a consolidação da importância do crime de lavagem de dinheiro. Uma figura outrora coadjuvante, tornou-se, ao menos em tese, um instrumento hábil e eficiente para trazer a juízo aqueles que apresentam movimentações financeiras suspeitas, conforme veremos abaixo nos três principais eventos relacionados a esse crime ao longo do ano.

Já em fevereiro ocorreu a 48ª fase da operação "lava jato", batizada de operação integração. A investigação policial teve como foco a apuração de casos de corrupção ligados aos procedimentos de concessão de rodovias federais no Paraná, que fazem parte do chamado Anel da Integração. As apurações, segundo os investigadores, revelaram o uso das mesmas estruturas de lavagem de dinheiro descobertas anteriormente pela "lava jato" para dar vazão a recursos ilícitos pagos a agentes públicos.

Em março, foi desaguada a 50ª fase da operação "lava jato" – operação sothis II. Nela, as medidas cautelares cumpridas relacionavam-se com as investigações conduzidas no âmbito da 47ª fase, que apurou o pagamento de vantagens ilícitas a agentes públicos e atos de branqueamento de capitais logo após a celebração de contratos da Transpetro.

Com o sugestivo nome déjà vu, a 51ª fase da "lava jato" seria deflagrada em maio para apurar atos de corrupção no contrato denominado PAC-SMS, cuja contratante era a Petrobras. Nesta etapa, o objetivo era reunir elementos probatórios da prática de corrupção ativa e passiva, associação criminosa e fraudes em contratações públicas, além de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro. Os pagamentos ilícitos, como contrapartida pelos contratos celebrados, eram feitos por meio de repasses no exterior, com a utilização de empresas off-shore, bem como a movimentação de recursos em espécie no país, com a intervenção de operadores financeiros já conhecidos da operação "lava jato". 

Depois da déjà vu, as operações permaneceram adormecidas no que pertine ao tema em testilha até novembro, o qual podemos dizer foi o mês mais efervescente em relação ao tema da lavagem de dinheiro. 

Para efeito desta retrospectiva, é importante lembrar a edição da Portaria 1.750/2018 da Receita Federal. Publicada no dia 14 do referido mês, estabeleceu o início da divulgação, no site da Receita na internet, os nomes e CPFs das pessoas que tivessem em seu desfavor uma representação fiscal para fins penais, além da capitulação do delito apurado — tais como sonegação, contrabando ou descaminho, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e improbidade administrativa — e a data da remessa dos autos ao Ministério Público Federal para que este adote as medidas que estão sob sua atribuição, tais como a requisição de instauração de inquérito policial ou a apresentação de uma denúncia.

A portaria é um marco lamentável por ferir de morte, com as divulgações pretendidas, os mais comezinhos princípios de Direito, como a intimidade e a privacidade. Ademais, possui o condão de pressionar o dominus litis a agir de acordo com as representações formuladas por uma entidade que, ao menos originariamente, deveria se portar como meramente fiscal. 

Ainda em novembro, deflagrou-se a 2ª fase da operação descarte, que busca desarticular um esquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em São Paulo. É um desdobramento da operação homônima realizada em março deste ano, quando foram identificadas diversas empresas de fachada que, segundo os investigadores, simulavam a venda de produtos e serviços com o objetivo de lavar dinheiro. Os recursos eram distribuídos por contas no Brasil e no exterior ou sacados em espécie.

Na sequência, na data de 29 de novembro de 2018, foi deflagrada a operação planum, que teve por objeto a apuração de operações bilionárias de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional. Tais crimes tinham por escopo dar vazão aos recursos provenientes do tráfico internacional de drogas. Os pagamentos, segundo os investigadores, eram realizados por meio de transações ilícitas levadas a efeito no exterior por doleiros estabelecidos em São Paulo.

Segundo informações preliminares divulgadas na imprensa, a investigação teria apontado que a droga ingressava no Brasil em pequenos aviões para, posteriormente, ser enviada à Europa por meio de portos brasileiros. Foram as prisões de um narcotraficante e de investigados pela operação planum em agosto de 2017, em Tramandaí (RS) que possibilitaram o rastreamento do fluxo financeiro e indicou a utilização de doleiros em São Paulo para o pagamento das transações do tráfico internacional.

A partir da análise de dados bancários e fiscais dos investigados, além de informações compartilhadas pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul, a investigação foi direcionada a uma empresa que, sempre segundo os investigadores, seria responsável pela lavagem de dinheiro oriundo do tráfico e de outros crimes.

Um outro marco importante em novembro, no dia 26, foi a denúncia formulada pela força-tarefa da operação "lava jato" em São Paulo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo crime de lavagem de dinheiro denunciou. 

A denúncia aponta que Lula, usufruindo de seu prestígio internacional, teria interferido em decisões do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, que resultaram na ampliação dos negócios do grupo brasileiro ARG no país africano. Em contrapartida, o ex-presidente teria recebido um R$ 1 milhão mascarados como doação da empresa ao Instituto Lula.

Vale dizer que os casos aqui relembrados são apenas uma amostragem de tudo o que aconteceu no Brasil e no mundo no ano de 2018, sendo certo que há diversos outros eventos e fatos que foram, e ainda estão sendo, objeto de investigações embasadas no princípio do follow the money contra a lavagem de dinheiro. 

Não obstante a breve digressão ora realizada, os operadores do Direito não podem olvidar o fato de que o crime de ablução de capitais é coadjuvante, acessório e até parasitário, como definem alguns doutrinadores — e, portanto, assim deve ser tratado.

Em outros termos, não se pode conferir protagonismo a um tipo penal para o qual o legislador conferiu um papel de coadjuvante. Assim não fosse, não haveria a exigência de um delito antecedente — a qual, diga-se, permaneceu hígida após a retirada do rol taxativo de crimes antecedentes operada pela Lei 12.683/2012.

Nesse sentido, faz-se mister sobrelevar que, por exemplo, um ato de corrupção, por si só, não pode ser definido como crime antecedente, certo e imutável, para a tipificação do crime de lavagem de dinheiro, pois há necessidade da comprovação de que os recursos utilizados como contrapartida ao ato corrupto tenham procedência criminosa.

Por vezes, inclusive, as instituições que trabalham em prol da acusação e também membros do Poder Judiciário têm ignorado a premissa da exigência de um crime antecedente para a caracterização do delito de branqueamento de capitais e buscado a subsunção do fato à norma penal incriminatória com base na destinação dos recursos, o que subverte a ordem dos fatores erigida pelo legislado e que, nesse caso, altera o produto!

À guisa de conclusão, Nelson Hungria disciplinava que os aplicadores do Direito, ao se depararem com uma situação em que não conseguiam enquadrar a conduta supostamente criminosa em nenhum tipo penal específico, a capitulavam como constrangimento ilegal. A isso, dava-se o nome de soldado de reserva.

Pois bem, o que se observa no Direito Penal hodierno, em que os crimes financeiros estão em voga, é que esse papel tem sido desempenhado pelo delito de lavagem de dinheiro.

Feitas essas rápidas observações e partindo-se do cenário político-jurídico que se descortina para o próximo ano, fica a seguinte questão: será o crime de ablução de capitais promovido a protagonista pelo legislador ou sua aplicação continuará a desafiar os limites legais?

Que venha 2019!

 

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