Por Edison Brandão -
Estarrecido, para dizer o mínimo, li a entrevista com um recém-diplomado doutor (que não milita no direito penal), publicada no dia 19 de maio, em que, dentre várias afirmações, é falado que é uma “idiotice” acreditar-se que não existe um volume anormal no encarceramento em nosso país.
Verifica-se desde logo que o tal doutor sequer é juiz criminal, estando irrefutavelmente afastado, ao menos profissionalmente, da terrível situação da violência que insiste em macular nosso país.
É fato que o Brasil é hoje o país que mais mata no mundo, 62.517 mil pessoas em 2016, conforme o Atlas da Violência 2018. Também é fato que é um país que prende pouco proporcionalmente, havendo desde logo uma insurgência do tal doutor quanto à matemática simples da proporcionalidade.
Assim é que o entrevistado pura e simplesmente diz que não se pode considerar proporcionalmente o número de presos.
Ora, como não?
Um país como o Brasil, que tem a sexta população no mundo em situação de absoluta normalidade, deveria também ter a sexta população carcerária, assim como a sexta quantidade de médicos, de pedreiros e de açougueiros.
Isso é tão óbvio que soa estranho que não tenha sido alvo de pergunta por parte do repórter.
O mesmo doutor diz ser uma “idiotice” quando se diz que o Brasil proporcionalmente prende pouco.
Perceptivelmente tal linguajar, que encerra apenas ofensa pessoal, e que em regra demonstra a falta de argumentos científicos, por si só, é absolutamente irrelevante, já que novamente a matemática nos mostra que o Brasil, considerado o número, absurdo aliás, de 700 mil presos, ocupa a posição de número 26 em número de presos, prendendo menos do que outros 25 países, segundo o World Prison Brief, Institute for Criminal Policy Research (ICPR).
Ora, o país que mais mata no mundo, e, portanto, o país que tem mais crime de homicídio no mundo, com a sexta maior população do mundo, como poderia ser um país com menor número de presos?
Prossegue o tal doutor, além de tal ofensa, dizendo que “o Brasil tem um índice carcerário alto se comparado aos países de grande encarceramento”. Porém, contraditoriamente, diz que “não dá para compará-lo com os Estados Unidos nem com Seichelles”.
Ora, recorrentemente os Estados Unidos da América são usados como exemplo de grande encarceramento, e manifestamente a afirmação encerra uma contradictio in terminis, não percebida pelo entrevistador.
O Brasil, pontua novamente o mesmo doutor “tem a terceira maior população prisional do mundo e recentemente passou a Rússia”. Tal afirmação é tão ingênua que é difícil de creditar que conste de uma tese de doutorado.
O Brasil tem mais de 68 milhões a mais de habitantes do que a Rússia, e o Brasil mata seis vezes mais do que a Rússia. Assim, se o Brasil tem população maior e mais crimes, por que teria menos presos?
Isso, patentemente, é matemática, aliás, muito simples, soando inacreditável que um doutor, mesmo em ciências humanas, desafie a matemática de maneira tão flagrante.
Pois bem.
O Brasil possui 700 mil presos, e isso sequer foi respondido naquela entrevista, apenas de uma maneira absolutamente fictícia.
A Rússia, exemplo dado por tal doutor, possui presos estatísticos reais, ao passo que no Brasil presos em regime aberto são considerados como se estivessem em “masmorras”, quando na verdade estão em suas próprias residências.
Também no Brasil o tal “regime semiaberto” hoje é absolutamente um nada, já que inúmeros estados sequer encomendam para uso tornozeleiras eletrônicas, e ainda mandam os sentenciados para suas residências, sem qualquer tipo de controle, presos em tais regimes que, frise-se, é regime inicial inclusive em prática de roubo.
Incrível mesmo que doutor em área de Direito Penal sequer saiba desses fatos.
Usar termos fortes e ofensivos não muda em nada a realidade.
O Brasil é o país hoje que mais mata em todo o mundo, matando mais do que toda a Europa.
O Brasil mata, em alguns fins de semana, mais do que a soma de todos os massacres, por exemplo, dos Estados Unidos da América, e é assim hoje o país mais violento do mundo, porém, pouco prende, já que, considerando-se presos de verdade, conforme o CNJ, nesta data de 19 de maio de 2019, há 336.186 presos em regime fechado, o que equivaleria a 160 presos por 100 mil habitantes e, destarte, estaria na centésima colocação na taxa de prisão por 100 mil habitantes (ICPR).
Isso não demanda conhecimento profundo das matemáticas, é apenas bom senso, lamentando apenas que um entrevistado que não milita no Direito Penal possa desbordar para a ofensa pessoal, claramente à míngua de conhecimento técnico.
Vê-se, pois, que as informações de que o Brasil, o país mais violento do mundo, prende muito pouco, como uma afirmação, antes de mais nada, de bom senso.
Quando se diz que a prisão é, sim, uma forma de se combater a violência, ao menos em curto e médio prazo, comprova-se com o próprio exemplo surpreendentemente dado pelo doutor, que espantosamente critica a magistratura paulista pontuando que na área criminal seria muito mais rigorosa do que outros estados como o Maranhão e a Bahia, locais estes em que apenas 30% das sentenças daqueles tribunais aplicariam o regime inicial fechado para o crime de tráfico.
É fato porém que o estado de São Paulo possui, em número absoluto, mas também em número relativo, proporcionalmente mais presos do que os estados do Maranhão e da Bahia, e isto não poderia escapar a quem faz um doutorado, e que enquanto o estado de São Paulo possui índices de criminalidade inferiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes, o estado do Maranhão possui índice superior a 34 homicídios por 100 mil habitantes e a Bahia superior a 46 por 100 mil habitantes.
E mais, os índices de homicídio de ambos os estados são crescentes, e dobraram entre os anos de 2006 e 2016, conforme os dados do IBGE, enquanto o índice de São Paulo, no mesmo período, diminuiu em 46%, o que mostra, ao contrário do que foi dito, um evidente acerto em um combate mais duro em relação a criminalidade violenta.
Por fim, mas não menos importante, é que, se o doutor entende que, apesar do que a estatísticas provam, estamos “engrandecendo o encarceramento sem ter nenhum impacto na criminalidade”, o que o doutor sugeriria como forma de combater a criminalidade a curto e médio prazo?
Enfim, vem a estatística nos provar que dizer que o Brasil prende pouco não é a “idiotice”.