Dalton Abranches Safi -
Essencialmente, o ser humano se distingue dos demais animais haja vista possuir a capacidade de raciocinar e de crer. Nessa senda, quanto à gênese de nossa existência, uns são evolucionistas, outros criacionistas, existindo, ainda, aqueles em que nada creem.
O fato é que afora os eremitas o ser humano vive em comunidade e não obstante a filosofia que reja a vida de cada um há valores mínimos, em um Estado Democrático de Direito, que todos devem obedecer, para a tranquilidade e paz social.
Dentre esses valores temos a proibição da prática de vários atos, como o de furtar (palavra a ser aqui entendida em acepção ampla).
Fiquemos, neste ensaio, com sobredito temático (furto), contextualizando-o dentro do setor público de nosso país.
Com efeito, diga-se não existir dúvida da crise econômico-financeira e social que o Brasil, hodiernamente, atravessa.
E um dos grandes contributos para a crise advém do esvaziamento dos cofres públicos por atos de corrupção.
É cediço que o esbulho do erário não é prática nova, sendo utópico dizer que, no futuro, será por completo dizimado (embora todos nós, diuturnamente, tenhamos de trabalhar nesse sentido).
A questão atinente a atos de corrupção no Poder Público pode ser analisada por meio de vários enfoques. Analiso, no jaez, pela retina da ética.
Nesse prumo, tomo emprestadas, por primeiro, as palavras do então Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, José Renato Nalini: “Cumpre exigir que aqueles que sobrevivem às custas do erário também se comportem com lisura. Cada real subtraído às políticas públicas é roubado à pobreza que tem o direito de ser incluída na sociedade prevista pela Constituição. Uma pátria humana. Uma sociedade de irmãos” (Ética geral e profissional. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 347).
Maltratar o princípio da eticidade vindo a tungar o dinheiro público é subtrair de milhões de brasileiros a oportunidade de saírem do estado de miserabilidade ou de poder ser oferecido, por exemplo, saúde e educação públicas de verdadeira qualidade.
Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida, no momento em que se debruçam sobre a ética humeana, anotam que “a moral aparece como um imperativo para o homem; não só todo homem possui a noção da moral, mas até mesmo o mais insensível dos homens é capaz de distinguir pela experiência as impressões causadas pelas virtudes das impressões causadas pelos vícios. Assim é que a advertência da utilidade do estudo da moral ganha sentido, uma vez que se deve valorizar a virtude e reprimir o vício: ‘A finalidade de toda especulação moral é ensinar-nos nosso dever, e, pelas adequadas representações da deformidade do vício e da beleza de virtude, engendrar os hábitos correspondentes e fazer-nos evitar o primeiro e a abraçar a segunda’ (Hume, Uma investigação sobre os princípios da moral, 1995, p. 22-23)” (Curso de Filosofia do Direito. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 292).
Atualmente, um dos mecanismos mais producentes no combate a corrupção é a Lei nº 12.850/2013, que busca a punição de indivíduos atuantes em organizações criminosas, legislação esta que apesar de não ter sido a primeira a tratar da colaboração premiada em nosso ordenamento jurídico foi a que melhor disciplinou referida matéria.
Insta dizer que a importância da colaboração premiada não se encontra somente no aspecto penal, quando do desmantelamento de determinada organização criminosa e a punição daqueles que a compunham. Relevante também o é no intento de devolver aos cofres públicos aquilo que foi surrupiado. Nesse sentido, fixe-se que um dos motivos admitidos para a realização de acordo é o colaborador trazer subsídios que possibilitem a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa (artigo 4º, inciso IV, da Lei nº 12.850/2013).
E o produto ou o proveito do crime, uma vez recuperado, retorna, principalmente, para a entidade pública em que houve o desvio (adendo: a lei concernente aos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, nº 9.613/1998, “remodelada”, em diversos artigos, pela Lei nº 12.683/2012, prevê que possa ocorrer a destinação do que foi declarado perdido em favor do ente federativo, para órgãos encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes nela previstos, vindo a fortalecer tais órgãos, os quais devem estar máxime instrumentalizados para bem exercerem seus misteres).
É certo que não adianta o produto ou o proveito do ilícito retornar à entidade pública e acontecer nova dilapidação.
Para que isso não ocorra as entidades públicas devem, dentre outras medidas, contratar auditorias externas, ter um controle interno forte e independente e implementar modelos de “compliance”.
Compliance (do verbo inglês “to comply”) significa cumprir as normas que regem a respectiva entidade, que regulam o setor no qual ela está inserida.
Estar em “compliance” é se achar em conformidade com as legislações lastreadoras da entidade, o que evitará, dentre outros males, o desvio de bem ou de dinheiro público.
Como se vê, a adoção nas entidades públicas de modelos ou programas de “compliance” em muito contribui na prevenção de atos de corrupção, sendo mais um elemento protetor da moral.
Nessa linha, ou seja, no que diz respeito ao tema da moral, pontofinalizo este ensaio com a seguinte lição de Sérgio Sérvulo da Cunha, a qual, se vale para o particular, quiçá, então, para o agente público: “Tendo recebido seu corpo, o primeiro compromisso do indivíduo é preservá-lo. Este o barro que o suporta. A pessoa, porém, não recebeu a si mesma: seu primeiro compromisso é construir-se. Ela desempenha, portanto, um papel categorizante: descobrir e incorporar à sua ação os valores morais. À medida que o faz, desenha a ideia de si mesma. Deixando de agir segundo os interesses do indivíduo, seu comportamento passa a ser objetivo, isto é, segundo o interesse da humanidade. A pessoa é o agente da moral, que, construindo-se, constrói a humanidade.” (Ética. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 131).