Por Júlia Xavier Rosa da Silva -
A adoção e expansão de programas de prevenção inscreveram-se no rol de preocupações dos agentes empresariais brasileiros. Não só após a crise de 2008, cuja emergência exigiu uma reforma do modelo econômico capitalista de bases neoliberais dos anos 90, mas mesmo antes, no âmbito corporativo internacional, surgiram alertas para a mudança da condução de gestão empresarial, no sentido de se orientarem por uma maior responsabilidade.
Nesse contexto, as empresas e o legislador criaram novos termos para a implantação de programas de prevenção na condução empresarial, tais como “gerenciamento de risco” — risk management, “gerenciamento de valores” — value management, “governança corporativa” — corporate governance, “códigos de conduta”— codes of conduct , dentre outros, sendo que a base desses conceitos foi o denominado programa de compliance.
O termo em inglês compliance advém do verbo inglês “to comply”, que significa estar em conformidade, cumprir, estar de acordo com uma regra. Por ventura, a noção de programa de compliance pode ser esculpida como um sistema autorreferencial de “autorregulação regulada”, ou seja, o cumprimento procedimental e ético de metas planejadas, de regulamentos internos e externos, de leis e diretrizes, visando mitigar o risco atrelado à esfera corporativa.
O compliance, via de regra, é inserido nas empresas por meio de um programa, que pode possuir distintas maneiras de abordagem, sendo que, para a aplicação que se pretende, o melhor modelo é o fincado na tríade: prevenção, detecção e remediação.
Neste ponto, correlacionamos os programas de compliance com a prevenção dos crimes contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro no universo corporativo, de modo a delinear as características para um programa ideal. Todavia, precedentemente, faz-se necessária uma breve incursão do que é o compliance criminal para analisar a sua aproximação ao cotidiano empresarial.
Pois bem, inicialmente, observa-se que a medida nacional precursora dos programas de compliance foi a Lei 12.846 de 1º de agosto de 2013, regulamentada pelo Decreto 8.420/2015. Referida legislação, apelidada sob o prisma técnico de Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, tem por objetivo sanar a lacuna existente no sistema jurídico brasileiro sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas que praticam atos ilícitos em desfavor da Administração Pública nacional e estrangeira, principalmente, atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos.
A “menina dos olhos” dessa legislação é indubitavelmente os programas de integridade, programas de compliance. O artigo 7º, VIII, da Lei Anticorrupção traz o programa de integridade como uma espécie de atenuante para a apuração e aplicação das sanções, senão vejamos:
“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.
Em outras palavras, a Lei 12.846/2013 passou a conceder o privilégio de atenuação de pena às empresas que inserirem efetivamente procedimentos de combate à corrupção, como códigos de ética e de conduta, bem como o canal de ouvidoria e de denúncia, a fim de prevenir a prática de ilicitudes e implantar uma efetiva mudança interna.
Por esse motivo começou a alterar, também, a perspectiva e a relevância dada ao compliance, conferindo-lhe uma vertente criminal. Consequentemente, o criminal compliance surgiu nos últimos anos como uma alternativa de prevenção à criminalidade econômica e se constituindo como uma atividade que faz parte da rotina diária de uma empresa.
Logo, para entendermos a importância do criminal compliance na prevenção aos crimes contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro faz-se primordial uma análise sintética tanto da Lei 8.137/90 — que prevê os crimes contra a ordem tributária — quanto da Lei 9.613/98 — que prevê os crimes de lavagem de dinheiro.
Em primeiro plano, percebe-se que quase totalidade das condutas previstas nos tipos penais das duas legislações podem e devem ser objeto de controle e fiscalização interna prévia no próprio ambiente corporativo, por uma satisfatória estrutura de criminal compliance. Inclusive, os deveres de criminal compliance são expostos na Lei de Lavagem de Dinheiro, posto que o seu artigo 10 estabelece o dever de vigilância e o artigo 11 o dever de comunicação às autoridades competentes.
Isto posto, por maior que seja a estrutura da pessoa jurídica, faz-se essencial que o seu setor financeiro e/ou contabilidade relate rotineiramente as atividades da empresa ao setor de criminal compliance da mesma, uma vez que todas as operações devem ser objeto de rigorosa fiscalização para prevenção, detecção e remediação de possíveis condutas penais previstas na Lei 8.137/90, como por exemplo, a omissão de informação ao Fisco, declaração falsa, falsificação de documentos referentes a operações tributáveis, bem como deixar de fornecer nota fiscal quando obrigatório.
Da mesma forma, o âmbito empresarial é um cenário suscetível à prática da lavagem de dinheiro, no entanto, o desenvolvimento de novas tecnologias de informática e de comunicação possibilita medidas de antilavagem de dinheiro eficazes em uma satisfatória estrutura de prevenção do criminal compliance. Isso porque, a ocultação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores procedentes de conduta criminosa é, até certa medida, de acessível constatação dentro da setor financeiro e/ou contabilidade da própria empresa.
Nos limites desse texto, observa-se, então, que o criminal compliance insere-se entre as principais finalidades da boa governança corporativa, consequentemente, seu trabalho deve abarcar a reavaliação dos controles internos para a elaboração das demonstrações financeiras, a identificação e a avaliação de riscos presentes, a instalação e manutenção de aprimorados softwares para o monitoramento e reconhecimento de transações suspeitas e, caso identificado, que seja reportado as autoridades competentes, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Crimes econômicos podem representar perdas gigantescas de arrecadação de tributos para o Fisco, porém, se o ambiente corporativo é monitorado corriqueiramente por meio de uma efetiva cultura de criminal compliance, tracejada na credibilidade, na transparência das informações e, principalmente, em um código de ética veiculado com ampla publicidade entre todos da empresa, é possível evitar uma futura persecução penal.