Por César Dario Mariano da Silva -
Despontam decisões no sentido de que, sendo a pena de multa de pequeno valor, por não ultrapassar o necessário para a cobrança pela Fazenda Pública, pode o magistrado indeferir o processamento de sua execução por ausência de interesse de agir.
Não me parece ser correto esse posicionamento, como demonstrarei a seguir.
Durante muitos anos, a responsabilidade pela execução da pena de multa foi da Procuradoria da Fazenda do Estado ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a depender da espécie de crime cometido, observado o procedimento da Lei de Execução Fiscal.
Diante da literalidade da redação do CP, artigo 51, não se pode negar que a pena de multa é considerada dívida de valor e que sua execução deve obedecer às normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, no caso, o procedimento da Lei de Execução Fiscal, observadas, inclusive, as causas interruptivas e suspensivas da prescrição
Por outro lado, a multa não deixa de ser pena (CP, artigo 32), com caráter retributivo e preventivo, não perdendo, assim, sua natureza penal.
Contudo, devido ao pequeno valor, que é a regra, sua execução não despertou interesse das Fazendas dos Estados e da União, que possuem valores mínimos para proceder à execução de débitos inscritos na dívida ativa.
Por isso, como o Ministério Público é o titular da ação penal pública e o responsável pela fiscalização da correta execução da pena, cabe a ele promover a cobrança da multa, independentemente do seu valor, pois ela não tem a finalidade indenizatória ou reparatória, mas punitiva.
Com efeito, pouco importa seu valor para o fim de deflagração do processo executivo, não recomendando, dessa forma, que a legitimidade ativa permanecesse com a Fazenda Pública Estadual ou Federal.
Para nós, a multa possui natureza penal, mas a sua execução deverá observar o procedimento da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980), inclusive quanto às causas interruptivas e suspensivas da prescrição nela previstas e no Código Tributário Nacional. Assim, deverá ser proposta pelo Ministério Público perante a Vara das Execuções Criminais, observando-se o rito da Lei de Execução Fiscal.
A questão da competência para a execução da pena de multa foi levada a julgamento no Supremo Tribunal Federal, que, nos termos do que sempre defendemos, decidiu que a legitimidade para sua execução, por ter natureza penal, é do Ministério Público, que é o titular da ação penal pública, devendo ser promovida na Vara das Execuções Criminais. No entanto, para a Suprema Corte, diversamente do que entendemos, o procedimento não será o da Lei de Execução Fiscal, mas o descrito na LEP, artigo 164 e seguintes. Caberá à Fazenda Pública executá-la somente no caso de inércia do Ministério Público, ou seja, se a execução não for promovida no prazo de 90 dias, a contar da intimação do órgão ministerial .
Considerando a decisão do Pretório Excelso, que reconheceu ter a pena de multa natureza penal e, por isso, deve ser executada preferencialmente pelo Ministério Público e, subsidiariamente, pela Fazenda Pública, o Superior Tribunal de Justiça alterou seu anterior posicionamento e passou a entender que, não obstante a pena de multa ser considerada dívida de valor, não perdeu seu caráter penal, permanecendo inalterados os efeitos da condenação, não sendo possível declarar a extinção da punibilidade do condenado sem o seu adimplemento .
A pena de multa, como o próprio nome diz, é uma espécie de sanção penal, como o é a pena privativa de liberdade. Ela vem cominada no tipo penal e deve ser paga. Não havendo a cobrança, deverá ser executada. Enquanto isso, não pode ser declarada extinta.
Embora a pena de multa seja considerada dívida de valor, ela ainda possui natureza penal e a extinção da punibilidade de forma cabal depende de seu pagamento.
O fato de a Fazenda Pública eventualmente não executar a pena de multa não impede que o condenado, como é sua obrigação, arque voluntariamente com seu pagamento e obtenha, dessa forma, a extinção da punibilidade.
Assim, em razão de sua natureza penal, a extinção da punibilidade ficará na dependência do seu pagamento ou pela ocorrência de outra causa extintiva da punibilidade, como a prescrição.
Não se mostra correta, portanto, a decisão que impede o processamento da execução da pena de multa, tornando essa sanção um nada jurídico, uma vez que a maioria dos tipos penais a prevê no preceito secundário, mas, no caso de condenação a seu pagamento, não ultrapassará, em regra, o valor adotado para a cobrança pela Fazenda Pública, cujo interesse é econômico, diferentemente da Justiça, que aplica a pena para que suas finalidades sejam alcançadas, isto é, a prevenção geral e especial.
Por isso, o menos importante na execução da pena de multa é seu valor, não se buscando com ela reparação ou ganho econômico como a Fazenda Pública, que certamente não possui interesse na execução de dívida de pequeno valor.
O Ministério Público, que representa o Estado, detentor do direito de punir, não busca apenas a reparação econômica, que não é a finalidade da sanção penal. O interesse de agir reside na correta aplicação da pena, com todas suas consequências jurídicas, cuja multa é uma de suas espécies.
Ademais, o Ministério Público não está vinculado a diploma normativo que estabelece valores mínimos para execuções fiscais, que fixam diretrizes para as respectivas Fazendas Públicas.
Dessa forma, por ser a multa espécie de pena e dever ser executada em razão dos princípios da oficialidade, da obrigatoriedade e da indisponibilidade que regem a ação penal pública, sua execução é mandatória, independentemente de seu valor, não sendo legalmente possível ao magistrado indeferir seu processamento por ausência de interesse de agir.