Por Luiz Felipe Panelli -
Recentemente, o presidente do STF deu declarações à imprensa enfatizando que é o momento de termos um Judiciário que seja mais recolhido e deixe a função de protagonista da vida política para os que foram eleitos pelo povo. Passado o período eleitoral, naturalmente tenso, a ideia é que se volte ao funcionamento normal, em que o Judiciário resolve conflitos, impede a violação da Constituição e preserva os direitos fundamentais contra maiorias, agindo de forma contida.
Isso não vai acontecer, como bem sabemos. O Poder Judiciário continuará no epicentro dos acontecimentos políticos do Brasil, mesmo com um governo novo instalado. A ideia de Toffoli, de ter um Judiciário mais reativo do que ativo — tal e qual acontece na maior parte do mundo — é boa, mas atualmente inexequível.
Primeiramente, temos que entender o porquê de o Judiciário ter ocupado o atual lugar de destaque. A resposta a essa indagação passa pela inépcia do Congresso (composto de pessoas de nível moral e intelectual muito aquém do esperado) em debater os grandes temas, o que fez com que boa parte das forças políticas se voltasse ao STF, e não ao Legislativo. Essa judicialização permitiu à casta de políticos que controla o Congresso ocupar o espaço público sem ter que lidar com a responsabilidade de grandes escolhas e debates profundos — exatamente o que a eles convêm, pois seu compromisso é com o poder e suas benesses, e não com um projeto para o Brasil.
A maior prova de que o STF substituiu o Congresso como centro de debate político é que, em 2019, o tribunal pode vir a julgar a descriminalização do aborto. Um dos temas mais importantes do ponto de vista da bioética passará ao largo do Congresso, que prefere evitar o debate de algo tão polêmico. É verdade que, nos Estados Unidos, a descriminalização nacional do aborto também foi decidida pela Suprema Corte no caso Roe v. Wade, de 1973, mas desde então o tema não saiu da pauta do Congresso. Políticos americanos progressistas tentam impedir a aprovação de legislação e confirmação de juízes que poderiam pôr em risco a legalização do aborto (que eles veem como uma conquista de direitos), enquanto os conservadores tentam aprovar legislação que, aos poucos, reacenda o debate, bem como confirmar juízes que mostrem deferência com o Poder Legislativo.
Além da questão do aborto, o STF terá que se pronunciar sobre a prisão em segunda instância, e, ao fazê-lo, também abordará (mesmo que indiretamente) o caso Lula, que segue como impasse nacional graças à construção de narrativa do PT que insiste em dizer que qualquer ação institucional que coíba seus (inúmeros) malfeitos é persecutória e injusta. Some-se a isso a inevitável (e legítima) judicialização que a oposição ao governo Bolsonaro fará para tentar barrar ou atrasar temas como a reforma da Previdência e veremos que o STF terá um ano de 2019 bastante agitado.
Recolocar cada um dos Poderes constitucionais no seu devido lugar levará tempo, mas dois passos decisivos podem ser dados em 2019. O primeiro é que o Congresso tome coragem e volte a debater os temas importantes de maneira séria. O segundo é que o STF deixe se ser um agrupamento de 11 ministros e passe a atuar como tribunal constitucional, com diretrizes claras, previsibilidade e colegialidade.
Implementar essas duas medidas não é pedir muito, em especial em um país que demonstra insatisfação aguda com sua organização institucional.