Por Flavio Quinaud Pedron e André Campos Valadão -
Em recente texto publicado na ConJur, intitulado É ainda importante falar sobre essa ‘bobagem’ chamada contraditório, Flavio Quinaud Pedron, Luiz Fernando Valladão Nogueira e Leandro Silva Nunes relatam uma cena que, infelizmente, se repete diariamente nos tribunais pátrios.
A situação presenciada pelos autores, durante uma sessão de julgamento de uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reforça a necessidade de os tribunais pátrios reverem as suas peculiares “sistemáticas” de julgamento, sob pena de seguirem violando as normas fundamentais do Processo Civil brasileiro.
Isso porque, pautados no discurso do “grande volume de processos”, nossos tribunais se acostumaram a adotar procedimentos que priorizam uma suposta “agilidade”, sem se preocuparem muito com “detalhes” como a garantia ao princípio do contraditório e o direito a não surpresa.
Exemplos desses “procedimentos” não faltam: (i) a antecipação de voto, antes da sustentação oral, (ii) o questionamento quanto à dispensa da sustentação oral, quando a decisão é unânime e favorável à parte e (iii) o acolhimento de questões de ofício, sem a prévia manifestação da parte são alguns deles.
Outra prática que vem se consolidando é a de, diante da hipótese de aplicação da técnica de julgamento do artigo 942 do CPC (julgamento estendido), não ser disponibilizado às partes acesso aos votos já proferidos pelos julgadores.
De fato, em diversas ocasiões, ao se solicitar o acesso aos votos já proferidos, se recebe a resposta de que: “os votos não serão disponibilizados, uma vez que eles só passarão a integrar os autos após o término do julgamento e a lavratura do acórdão”.
Percebe-se que tal conduta viola o contraditório, entendido como garantia de influência no desenvolvimento e resultado do processo, vez que impossibilita que as partes conheçam a integralidade das razões decisórias constantes dos votos já proferidos e, por conseguinte, impede a formação de um diálogo efetivo, capaz de influenciar os votos que serão proferidos pelos julgadores convocados.
Referido “procedimento” torna parcialmente inócua a disposição contida na parte final do caput do artigo 942, que assegura às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores, afinal, do que vale o direito de proferir nova sustentação oral, se não se conhece os fundamentos decisórios constantes dos votos já proferidos?
De outra perspectiva, se o Código de Processo Civil assegura às partes o direito de proferirem nova sustentação oral, por qual motivo não lhes seria também garantido o prévio conhecimento dos votos já proferidos, para que possam cooperar na formação da decisão judicial, e exercerem verdadeira influência sobre essa?
Neste ponto, não se pode aceitar o eventual argumento de que às partes podem requerer cópias das notas taquigráficas, vez que estas, via de regra, não contemplam a integralidade dos votos proferidos.
As notas taquigráficas, nesse ponto, se apresentam como meio de complementar as informações que devem ser disponibilizadas às Partes, para que estas possam ter acesso ao conteúdo de eventuais debates orais ocorridos durante a sessão.
Além da ofensa ao contraditório, nota-se que a negativa de disponibilização dos votos, enquanto não concluído o julgamento, também revela o descumprimento do disposto no artigo 943 do CPC:
Art. 943. Os votos, os acórdãos e os demais atos processuais podem ser registrados em documento eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impressos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico.
Note-se que o dispositivo acima transcrito não condiciona a juntada dos votos já proferidos aos autos ao término do julgamento do recurso pela Órgão Colegiado. Ao revés, tem-se que referida norma reforça a necessidade de que todos os atos processuais estejam disponíveis para acesso das partes.
A questão acima tratada, a exemplo de tantas outras, revela que ainda temos um longo caminho na efetivação do contraditório como garantia de influência e não surpresa, que parta de uma visão cooperativa, que possa nos proporcionar a sensação de encontrar no “guardião da lei” (o juiz) um verdadeiro interlocutor que aceite a cooperação para a formação da decisão, utilizando-se do diálogo como meio de garantir a democratização do processo.